Economia & Mercados
03/10/2022 12:41

Especial: renda fixa nos EUA tem reação brusca ao Fed e juros podem sustentar pico até 2023


Por Gabriel Caldeira

São Paulo, 03/10/2022 - O mercado de renda fixa nos EUA reagiu de forma brusca às sinalizações da reunião de setembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) do Federal Reserve (Fed) e a comentários de seus dirigentes, inclusive do presidente Jerome Powell. O juro da T-note de 2 anos escalou ao seu maior nível em mais de 15 anos nesta semana, enquanto o retorno do título de 10 anos superou 4% pela primeira desde abril de 2010. Com as projeções do Fed apontando para um quadro de juros altos por um período extenso, analistas ponderam por cautela ao antecipar os movimentos dos rendimentos nos EUA e, em geral, esperam que os juros dos Treasuries se sustentem ao redor do pico até o início de 2023.

Para além da esperada alta de 75 pontos-base dos Fed funds, o encontro do Fomc em setembro marcou uma forte revisão das projeções dos dirigentes para os juros básicos nos EUA. A mediana das previsões agora aponta juro de 4,4% em 2022 e 4,6% em 2023, sugerindo que o BC americano seguirá em ritmo agressivo de aperto monetário e não deve cortar juros tão cedo.

Sinalização nesse sentido também foi dada pelo presidente Jerome Powell, ao falar que é preciso "muita confiança" de que a inflação vai desacelerar para cortar os juros, durante a coletiva de imprensa após a decisão. Comentários similares foram feitos por outros dirigentes do Fed na semana passada, como a vice-presidente Lael Brainard e os presidentes das distritais de Cleveland, Loretta Mester, e St. Louis, James Bullard, que preveem juros altos por um período mais longo nos EUA.

Após o retorno da T-note de 2 anos ir à máxima de 4,5% e o da T-note de 10 anos atingir 4%, os juros dos Treasuries arrefeceram nos últimos dias e agora operam ao redor de 4,15% e 3,75%, respectivamente. Este movimento, segundo o Brown Brothers Harriman (BBH), é temporário e provocado pela decisão do Banco da Inglaterra (BoE) de interferir no mercado de renda fixa britânico. "Acreditamos que há muita poluição no mercado de títulos dos EUA no momento", e em breve os juros "reiniciarão sua marcha em alta", opina o banco de investimentos americano.

Da mesma forma, o NatWest também não acredita em uma mudança de postura do Fed e de direção dos Treasuries antes de 2022 terminar. "Nosso melhor conselho é que investidores ignorem qualquer virada prematura nas expectativas de mercado", diz o banco, em relatório. Ainda que espere um rali pós-alteração de rota pelo Fed "eventualmente", o banco avalia que o mercado tem antecipado esse movimento muito antes de ele acontecer, e por isso os juros devem subir mais - especialmente na ponta longa.

O Danske Bank também vê o movimento de alta à frente se concentrando em títulos de longo prazo. Em pesquisa divulgada esta semana, a instituição projeta pico do juro da T-note de 10 anos de 4,05% daqui a três meses, ou seja, ao fim de 2022. O banco ressalta que o núcleo da inflação nos EUA tem subido além do esperado, o que deve manter as expectativas para juros básicos elevados nos EUA - em perspectiva moderada apenas pelo recuo das expectativas inflacionárias, como mostrou a última pesquisa da Universidade de Michigan.

Para 2023, a instituição crê em pressão de baixa nos juros, à medida que uma recessão "mais ou menos inevitável" atinge a economia dos EUA e as expectativas do mercado mudam de "mais altas de juro para cortes" nos Fed funds. Por ora, o Danske Bank não vê o Fed reduzindo os custos de empréstimos nos EUA antes de 2024 - durante todo o ano que vem, a expectativa do banco é de juro básico em 4,75% na principal potência global.

Já o Wells Fargo acredita que os juros dos Treasuries só vão começar a recuar de forma consistente a partir do segundo trimestre do ano que vem, mantendo níveis de 4,60% na T-note de 2 anos, 4,05% no título de dez anos e 3,85% no Treasury com vencimento em três décadas. Para o banco americano, o Fed vai alterar sua forma usual de agir ao não cortar juros ao "primeiro sinal" de desaceleração da economia, com o intuito de se certificar de que a inflação está "inequivocamente" retornando à meta de 2%.

Eventualmente, os EUA vão entrar em recessão por conta do aperto monetário, e a taxa de desemprego subirá consideravelmente, em ritmo similar ao do recuo da inflação, prevê. Com isso, o Fed vai cortar juros em 50 pontos-base no último trimestre de 2023, e depois reduzir os juros em 175 pontos-base até o fim do terceiro trimestre de 2024, projeta o Wells Fargo.

Economista-sênior para Mercados da Capital Economics, Thomas Mathews argumenta que a postura persistentemente hawkish do BC americano obrigou a consultoria a revisar suas projeções para os rendimentos dos Treasuries. No fim de 2022, a casa vê o juro da T-note de 10 anos em 3,75%, abaixo das previsões de outras casas de análise. Antes, a consultoria esperava que o retorno do título terminasse o ano em torno de 3%.

Mathews acredita também em um cenário mais brando para 2023 e 2024, ao projetar juro da T-note de 10 anos em 3,25% e 3% ao fim destes anos, respectivamente. "Prevemos que as crescentes pressões desinflacionárias permitirão que o Fed suavize seu tom hawkish no início de 2023 e comece a cortar as taxas até o fim desse ano. E esperamos que o banco central reduza bastante sua taxa básica de juros até o final de 2024 e retorne a política monetária a um patamar neutro", diz o economista, que considera a precificação dos mercados conservadora em relação a quanto o Fed cortará os juros nos próximos dois anos.

O CEO e CIO da US Global Investors, Frank Holmes, considera que a forte reprecificação dos juros nos EUA representa uma oportunidade de investimento em alguns meses. "Se sabemos alguma coisa sobre títulos da renda fixa é que, à medida que os preços caem, os rendimentos aumentam. Por esse motivo, os títulos do Tesouro estão começando a parecer uma possível oportunidade de compra novamente", pondera, lembrando que o retorno das T-notes de 2 e 10 anos estão ambas bem acima do dividendo médio do índice S&P 500, referência das bolsas de Nova York.

Ele ainda destaca que a inversão dos juros de títulos de curto e longo prazo estão nos maiores níveis desde 2000, período da bolha das techs. Desde 1955, segundo Holmes, a inversão acentuada da curva de juros costuma anteceder recessões nos EUA, e mostra que o mercado tem ficado cada vez mais pessimista quanto a atividade no país, cenário que deve pesar sobre ações no ano que vem.

Contato: gabriel.caldeira@estadao.com
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