Economia & Mercados
19/11/2020 09:39

Especial: BC mostra que Bolsa recebeu dinheiro novo de estrangeiros, mas viés é de curto prazo


Por Matheus Piovesana, Fabiana Holtz e Altamiro Silva Junior

São Paulo, 18/11/2020 - Dados divulgados nesta quarta-feira, 18, pelo Banco Central comprovam que boa parte da entrada recorde de recursos estrangeiros na B3 na última semana veio de dinheiro novo, que não estava no País. Foi o que faz o Ibovespa subir e o dólar cair em novembro. Especialistas dizem que esse dinheiro migrou de ativos como os títulos do Tesouro americano, muito seguros, mas de pouco rendimento. O Brasil se beneficiou de uma primeira onda compradora, que não fez distinção entre as condições de cada país. Essa vantagem, porém, tende a se dissipar nas próximas entradas.

Segundo o BC, o fluxo do canal financeiro, que contabiliza, entre outros, os investimentos em Bolsa, foi positivo em US$ 4,908 bilhões entre 9 e 13 de novembro. No mês, a entrada chega a US$ 6,163 bilhões. No mesmo período, o dólar cai 7,51%, e a B3 já recebeu R$ 22,6 bilhões em aportes de estrangeiros, montante maior que o de qualquer mês desde 1995.

O Brasil ganhou apenas uma fatia de um montante maior. Jonathan Fortun, economista do Instituto Internacional de Finanças (IIF), de Washington, afirma que os fluxos para o grupo de emergentes têm sido "impressionantes" nas últimas três semanas, de até US$ 3,5 bilhões ao dia, nível mais alto em vários anos. Em apenas 14 dias, o total chegou a US$ 20 bilhões. Enquanto o investidor testa a água, os bancos recomendam um mergulho maior.

O Goldman Sachs, por exemplo, afirma que o momento de comprar moedas e ações de emergentes é agora. O argumento é que mesmo com a recuperação da economia global demorando mais alguns meses por conta de uma segunda onda do covid-19, a vacina é uma realidade bem mais próxima do que no início do ano. Com isso, a recuperação do PIB da região deixa de ser provável e se torna possível. Quem chegar antes, em teoria vai ganhar mais.

Esses possíveis rendimentos contrastam com o retorno baixo dos investimentos em que esse dinheiro estava aplicado antes, como os títulos do Tesouro americano. "Esse recurso estava na renda fixa lá fora, atualmente em um nível de rendimento tão baixo que o investidor resolve entrar em ações", afirma Cesar Mikail, gestor de portfólio da Western Asset.

No entanto, um pedaço relevante desse todo estava parado. De acordo com pesquisa do Bank of America com gestores globais, em novembro, a posição de caixa (dinheiro não aplicado) de cerca de 190 grandes fundos era de 4,1% dos ativos totais, estimados em US$ 526 bilhões. Um mês antes, o dinheiro livre chegava a 4,4% do todo. Segundo o banco, esse dinheiro foi usado para ir às compras, em especial nos mercados emergentes.

Um emergente com pontos pendentes

Dois pontos explicam a corrida para estes países. México e Brasil, por exemplo, têm forte presença de empresas exportadoras de commodities em suas economias e bolsas. Por isso, saem ganhando com a retomada da economia global, no chamado efeito 'catch up'. As trocas comerciais tendem a se acelerar no governo do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, que deve ter menos conflitos com a China, principal parceira comercial do Brasil.

Além disso, o maior gasto do governo americano para estimular a economia deve enfraquecer o dólar, o que ajudaria a moedas de exportadores. Aí começa o descolamento do Brasil: o real, moeda mais desvalorizada do mundo no ano, é prejudicado pelo desarranjo das contas públicas locais. Ao mesmo tempo, pelos juros baixos, que prejudicam a relação risco-retorno para os estrangeiros. Com isso, a entrada dos gringos ganha maior dependência da boa vontade deles com os emergentes - algo que o Brasil não pode controlar.

Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, diz que o movimento cria o risco de que a rápida entrada de dólares no País vire, em alguns meses, uma saída rápida, a menos que as reformas estruturais andem. "Está tudo parado, nada estrutural foi feito desde a reforma da Previdência", diz ele. "Nada foi privatizado." As privatizações, afirma, trariam um fluxo de dólares ao Brasil no longo prazo.

Na Bolsa, essa fragilidade também é visível, mesmo que as principais ações sejam de empresas sólidas. "Temos de fazer a lição de casa. Se as reformas andarem, temos chance de manter esse fluxo por um tempo maior", afirma Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de renda variável e derivativos do BTG Pactual Digital.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da corretora Órama, afirma que as notas de crédito ainda especulativas do País colocam limites claros à entrada do estrangeiro. "Os investidores passam a correr mais risco, mas o Brasil está sem grau de investimento e sem perspectiva de volta", diz. "Grandes fundos de pensão precisam dessa chancela para ingressar."

Contato: matheus.piovesana@estadao.com, fabiana.holtz@estadao.com, altamiro.junior@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso