Por Fernanda Guimarães
São Paulo, 04/08/2020 - O cancelamento da oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da incorporadora You Inc pode ter sinalizado a fragilidade da demanda vinda exclusivamente de pessoas físicas para a conclusão de uma abertura de capital. O assunto veio à tona depois que a empresa, ao oficializar ao mercado a suspensão da oferta, informar que a decisão foi tomada mesmo com a expressiva adesão de investidores não institucionais, com pedido de reserva da ordem de R$ 489 milhões. A empresa buscava captar cerca de R$ 1,3 bilhão na bolsa com o IPO.
"A demanda foi grande, mas não era alocável. É demanda vinda de investidor que vai entrar na oferta com alavancagem da corretora", comenta uma fonte que acompanhou a operação. Isso significa que esse investidor toma capital emprestado na corretora para entrar no IPO, com o objetivo de vender as ações adquiridas no curtíssimo prazo, para ganhar com a diferença. "Essa não é uma demanda legítima", comenta.
Não é à toa que o mercado tem olhado cada vez mais para as pessoas físicas. O número de novos investidores não para de crescer, batendo na depositária de ações da B3 a marca de 2,7 milhões, mais do que dobrando em um prazo de um ano. A presença maior tem sido notada ainda no dia a dia das negociações. Em julho, por exemplo, segundo dados da bolsa brasileira, os investidores individuais responderam por 13,69% do volume de compras do período e 12,97% das vendas, à frente dos institucionais, com 11,88% e 11,99%, respectivamente.
Os livros das ofertas de ações, para o sucesso de um IPO, precisam, no entanto, ser bem formados, para contemplar diversos tipos de investidores, incluindo os de longo prazo, que carregam o papel por mais tempo. Os investidores de mais curto prazo, incluindo os flippers (que vendem nos dias seguintes do IPO), também fazem parte da formação de um bom livro, já que provêm liquidez às ações. No entanto, se o livro da oferta é fechado apenas com esses investidores, o resultado, de cara, é uma desvalorização acentuada do papel logo nos primeiros dias da estreia, o que acaba afetando os investidores institucionais de longo prazo, figura importante para os IPOs.
Uma fonte de mercado comentou que o fato relevante da You Inc hoje, que citou a forte demanda do varejo, "joga contra". Isso porque, segundo ele, acaba pressionando outras ofertas a colocarem nos livros uma demanda sem qualidade, o que não é sustentável para o processo.
Desde o ano passado, alguns IPOs começaram a trazer a figura do "lock up" para investidores de varejo, uma espécie de busca de solução para permitir a maior alocação entre as pessoas físicas sem prejudicar, na outra ponta, o livro da oferta. Dependendo do tamanho da alocação do investidores, tais restrições para a venda das ações compradas nas ofertas iam de 45 dias a 60 dias, na maioria dos casos. Essa seria uma ferramenta exatamente para impedir a presença em excesso dos flippers, que fazem pressão de venda da ação após a abertura de capital.
O excesso de ofertas do setor imobiliário deverá provocar uma seleção entre as proponentes, segundo um gestor. O cancelamento dos IPOs de Riva 9 e You Inc ocorreram em um espaço de uma semana. O insucesso das duas ofertas prova que, apesar da liquidez nos mercados e dos juros baixíssimos no Brasil, investidores estão seletivos. Como contraponto, outras ofertas nas últimas semanas tiveram demanda superando em múltiplas vezes o volume ofertado, casos do Grupo Soma e da Ambipar.
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