Economia & Mercados
04/06/2020 10:56

Brasil perde espaço em fundos estrangeiros e atinge a menor fatia desde 2015


Por Altamiro Silva Junior

São Paulo, 04/06/2020 - O Brasil perdeu peso importante nas carteiras de investidores estrangeiros, em meio ao aumento do risco político, a fraca atividade econômica e os juros historicamente baixos, com tendência de cair ainda mais. Gestores ouvidos pelo Broadcast calculam que, nos fundos globais, a participação do País, que já foi de 2,5%, caiu para apenas 0,3% no final de maio, a menor desde 2015, ano marcado pela recessão e a crise política que desencadeou o impeachment de Dilma Rousseff. Nas carteiras dedicadas aos mercados emergentes, a fatia baixou para 7%, também o menor nível desde 2015. Gestores alertam ainda para o risco de, com os juros perto de zero, não só estrangeiros deixarem de aplicar aqui, mas também brasileiros começarem a remeter recursos para o exterior.

Nos fundos dedicados a emergentes, o Brasil chegou a ter participação de 16,5% em 2011, mesmo nível que a China. Desde então, países como Coreia do Sul, Índia e Taiwan passaram a ter maior participação nestas carteiras que os ativos brasileiros, mostram dados históricos da consultoria americana EPFR. A China tem hoje fatia perto de 30%.

O Brasil teve este ano fuga de capital externo bem acima do nível de outros emergentes, de acordo com o Instituto Internacional de Finanças (IIF), formado pelos 450 maiores bancos do mundo, com sede em Washington. No primeiro trimestre, por exemplo, a saída de capital foi quase o dobro da verificada na crise de 2008. Dados do Banco Central mostram que já saíram US$ 33 bilhões este ano pelo canal financeiro até 22 de maio. Na B3, já saíram R$ 76 bilhões em 2020.

"O retorno no Brasil ficou muito baixo para um país de risco alto", disse um gestor em Londres de um fundo dedicado a emergentes. Ele afirma que outros países oferecem juros maiores que o Brasil a um risco menor, e cita como exemplo na América Latina o México. Lá a taxa de juros está em 6% e o risco-país medido pelo Credit Default Swap (CDS), derivativo de crédito que protege contra calotes na dívida soberana, de 140 pontos. No Brasil, o CDS está em 240 pontos e o juro em 3%, além de ser crescente a aposta de corte para 2,25% este mês.

"O mundo virou as costas para o Brasil faz tempo", afirma o gestor e sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central. "A imagem do Brasil está péssima no exterior", completa ele, ressaltando que a forma como o País lida com a crise do coronavírus, "o enorme barulho político" e os juros baixos contribuem para afastar os investidores, sobretudo os de curto prazo, que aplicam no mercado financeiro, na bolsa ou renda fixa. Os de mais longo prazo, que olham para projetos de infraestrutura, ainda mantém o país na radar, continuou ele em live da Febraban. "A percepção do Brasil lá fora hoje é a pior possível."

Para o economista sênior para América Latina da consultoria inglesa Pantheon Macroeconomics, Andres Abadia, a forma "surreal" como o presidente Jair Bolsonaro está lidando com a pandemia, minimizando seus efeitos, vai contribuir para estender sua duração, piorando ainda mais a atividade e trazendo mais preocupações sobre as contas fiscais locais, que já estavam muito deterioradas. Tudo isso contribui para deixar o Brasil com a imagem abalada entre investidores.

Fuga de brasileiros

Além da fuga de recursos de estrangeiros, começou a crescer entre gestores o temor de brasileiros passarem a aplicar recursos lá fora, por conta dos juros reais se aproximando de zero. "Essa é minha maior preocupação, assegurar que os ativos brasileiros são atraentes o suficiente para que as pessoas que detenham a dívida continuem a rolá-la num ambiente em que o risco só aumenta, os fiscais e os econômicos", disse o ex-diretor do BC, Daniel Gleizer, atualmente pesquisador na Universidade de Columbia, em Nova York, em live para investidores do Credit Suisse.

Gleizer ressalta que historicamente investidores brasileiros costumam comprar mais ativos aqui, por conta da dívida indexada, que assegura rendimento real positivo. Essa tendência difere de outros países da região, como a Argentina, onde houve fuga importante de capital do investidor local. Na medida em que a taxa de juros vai caindo, esse benefício do rendimento real vai sendo reduzido, e a atratividade vai diminuindo, disse ele. Atualmente, 90% da dívida pública está nas mãos de brasileiros.

O sócio da Ibiuna Investimentos, Rodrigo Azevedo, ex-diretor de política monetária do BC, alerta para o risco de a queda excessiva da Selic poder levar a uma "desancoragem do real", ou seja, uma situação em que os brasileiros preferem investir em ativos no exterior. "Neste ambiente, vai ter interesse por título público indexado à Selic, a LFT, com a taxa perto de zero?", questionou Azevedo durante a live do Credit Suisse.

O ex-presidente do BC, Arminio Fraga, da Gávea Investimentos, também mostrou preocupação ontem com o encurtamento dos prazos da dívida brasileira em meio a queda de juros, que traz sensação de insegurança aos investidores. "Os indicadores de mercado já mostram bastante tensão, o estresse já está aí. É torcer para a separação entre presente e futuro ocorrer e para que os projetos e a agenda de reformas possam continuar", disse em live do BTG Pactual. Mas dado o clima político do País, Arminio vê dificuldade do avanço dessas medidas.

Contato: altamiro.junior@estadao.com
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