Economia & Mercados
18/05/2021 13:43

Especial: NFT vira forma de investir em 'pedaços' de música e ganhar com sua popularidade


Por Bruna Camargo

São Paulo, 17/05/2021 - Após a venda de "Disaster Girl", famosa imagem da internet que retrata uma menina sorrindo com uma casa em chamas ao fundo, por aproximadamente US$ 500 mil, a sigla NFT, que está por trás da transação, despertou ainda mais atenção no mercado financeiro. O chamado 'token não-fungível' pode dar a ativos aparentemente de pouco ou nenhum valor um preço consideravelmente alto. A tecnologia, popular no mercado da música por remunerar artistas e criadores de conteúdo, gera ativos que, segundo especialistas, podem se valorizar no longo prazo, assim como aconteceu com as criptomoedas. Os riscos, por outro lado, também são semelhantes aos das moedas digitais.

O token não-fungível divide um item em diversas partes, e tem esse nome porque torna cada uma única, o que faz com que tenham valores diferentes. Por isso, não é possível trocar uma pela outra. É a lógica oposta à do papel moeda, por exemplo, em que duas notas de R$ 10 podem ser trocadas entre si porque têm o mesmo valor - são fungíveis. "Se você tem o quadro original da Monalisa e eu tenho um quadro que eu mesmo pintei, não podemos trocar um pelo outro apenas porque são quadros. Cada um tem o seu valor. Isso é um token não-fungível", explica André Miceli, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Muita coisa pode ser transformada em NFT, como músicas, imagens ou itens de jogos, por exemplo. "O que se fez foi criar elementos digitais com identificações únicas que fazem com que esses elementos tenham valor", diz Miceli.

Na música, onde têm chamado mais atenção, os NFTs são populares há algum tempo. Em março, a banda americana Kings of Leon lançou o álbum "When you see yourself" como parte do projeto "NFT Yourself", que oferece vantagens exclusivas para os fãs na compra de um NFT. Alguns dias depois, o cantor brasileiro Supla disponibilizou um vídeo no TikTok, ilustrações e retratos como NFTs. Qualquer pessoa pode comprar um NFT.

Miceli explica ainda que os tokens não são o mesmo que uma simples cópia ou anexo de e-mail, em que o remetente e o destinatário têm a posse do arquivo. "No caso do NFT, a transferência significa apagar o bem na origem, e isso é armazenado pela cadeia de blockchain em transações na plataforma (de execução de contratos que usam o blockchain) Ethereum", diz.

No entanto, há algumas regras nessa transferência. Henrique Martins, sócio do escritório Cândido Martins Advogados, explica que o comprador de um NFT recebe apenas o direito patrimonial da obra, e não o comercial. "Você pode revender, mas não explorar comercialmente. Por exemplo, não pode pegar o quadro da Monalisa e estampar camisetas para vender", diz. O direito autoral, segundo o advogado, costuma ficar com o autor.

A depender do contrato, o NFT pode garantir ainda pagamentos a longo prazo para a "origem" do token, porque o emissor recebe uma parte do valor das revendas. Ou seja: se o comprador resolve revender o NFT, o criador tem direito a uma porcentagem do valor. "Os contratos de NFT são autoremunerados, então as regras de apreciação são iguais às do mercado da arte. Isso pode criar uma estrutura que remunere o produtor eternamente", afirma Miceli.

Janara Lopes, sócia da Phonogram.me, um shopping virtual de NFTs de música, explica que a vantagem para o músico é a de negociar e atribuir valor à própria obra, algo que não ocorre em uma gravadora. "Além disso, também existe a opção de registrar em NFT ingressos vitalícios, letras manuscritas e outros tipos de memorabilia. As possibilidades de produto são infinitas", conta.

Uma coisa aproxima o NFT da subjetividade do mercado tradicional de arte: a definição dos preços. "É um bem digital cujo valor é atribuído pela percepção", resume Miceli. "Lembre dos quadros. Por que um é mais valioso que o outro? A gente valoriza quem pintou, o momento, a raridade", afirma. Sob essa lógica, quanto mais popular é uma faixa nos serviços de streaming, mais valor têm os NFTs criados a partir dela.

Ajudando o artista favorito

Segundo Ricardo Capucio, cofundador e CEO da Brodr, marketplace de direitos musicais, é comum que os investidores comprem NFTs de seus artistas favoritos. "Muitos investidores olham como a chance de apoiar um determinado artista ou ter conexão com o mundo da música", conta. Para ele, é essa a grande 'sacada'. "O investidor tem a chance de ganhar dinheiro enquanto financia a cultura. É a chance de ter um propósito maior", diz.

O aporte inicial médio para comprar um NFT de "pedaços da música" (music shares) costuma ser em torno de R$ 500 a R$ 1 mil, embora seja possível esbarrar em projetos com investimento inicial abaixo de R$ 10, afirma Capucio.

Para o CEO da Brodr, o que chama a atenção do mercado são as possibilidades de liquidez desse investimento, maiores que as do mercado tradicional de arte. "É descorrelacionado da bolsa e, com o certificado de autenticidade digital, dá segurança para que continue circulando e aumente de valor", explica.

Esse caráter descentralizado reforça a necessidade de auditoria dos ativos. "Quem é o artista, se o direito está com esse artista ou com a gravadora, qual a plataforma que está vendendo e se o ativo é mesmo autêntico", diz Martins, do Cândido Martins Advogados.

Especialistas alertam ainda que não é um investimento de curto prazo. Janara, da Phonogram.me, estima que se os NFTs seguirem a mesma lógica das criptomoedas, que tiveram suas altas históricas 13 anos após a criação do bitcoin, o NFT, que surgiu em 2017, também deve ter que esperar. "Acreditamos no NFT como ferramenta definitiva e com poder na cauda longa: mais pessoas entrando no mundo cripto, mais compradores de NFT e mais artistas lucrando", afirma.

Além disso, assim como tem acontecido no mundo de criptomoedas, o mercado ainda está aprendendo a atribuir valor a NFTs, segundo Miceli, da FGV. Ou seja: a volatilidade pode ser alta. "Enquanto o mercado está se estabelecendo, há o risco dessas obras valerem muito ou de não valerem absolutamente nada", alerta.

Contato: bruna.camargo@estadao.com
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