Economia & Mercados
25/08/2021 21:04

Especial: Reduzir a demanda de energia pode ser a última tentativa antes do racionamento


Por Wilian Miron, Denise Luna, Marlla Sabino e Anne Warth

São Paulo, 25/08/2021 - A confirmação, pelo governo, de que haverá um programa de redução voluntária da demanda a partir de setembro para consumidores do mercado cativo, que inclui residências, comércios e indústrias de empresas de menor porte, foi considerado positivo por agentes do setor elétrico e do mercado financeiro. No entanto, a avaliação é que a medida é a última fronteira antes da adoção de restrições mais drásticas ao consumo de eletricidade no País.

Embora já fosse conhecido o interesse do governo em implementar um programa deste tipo, a confirmação de que a medida será válida a partir de 1º de setembro foi a principal novidade apresentada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em uma entrevista coletiva realizada no final da tarde de hoje. Apesar do anúncio, o evento esclareceu pouco em relação à maneira como as medidas serão implementadas, e se de fato haverá adesão dos consumidores.

Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde de Castro, o anúncio mostra que do lado da oferta o governo não tem muito mais o que fazer, e que agora está nas mãos do consumidor o sucesso dos esforços para evitar um racionamento compulsório de energia.

"Tem um componente político muito grande nessa história: o governo tem que passar tranquilidade, mas a verdade é que do lado da oferta não tem muito mais o que fazer", disse ao Broadcast Energia.

Por outro lado, Castro destaca também que para o consumidor a notícia é positiva porque será possível ter alguma compensação para reduzir o valor da conta de luz. "Eu mesmo já baixei a intensidade da minha geladeira, vou gastar menos e receber um crédito, é um ganho duplo", contou.
A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) emitiu uma nota na qual afirma que, apesar das indefinições em relação à medida apresentada hoje, a decisão de envolver consumidores de menor carga nos esforços para evitar um racionamento compulsório é bem-vinda.

"Operacionalmente, essa medida deve ser considerada como uma das mais importantes decisões do governo federal para evitar o desabastecimento de energia elétrica em localidades ou regiões do país - e talvez a última medida com potencial para tal", diz o texto.

A Abdib também destacou que o programa que será anunciado pelo governo "ganha ainda mais importância para o caso de os consumidores industriais com demanda acima de 5 megawatts (MW) não conseguirem deslocar ou reduzir o consumo no montante necessário e esperado pelas autoridades do setor elétrico, diante de mercados em recuperação".

Opinião semelhante tem o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais (Abrace), Paulo Pedrosa. Para ele, dado o tamanho do mercado regulado, a redução pode ocorrer sem afetar a qualidade de vida das pessoas, com pequenas contribuições, mitigando danos ao Produto Interno Bruto (PIB) em um momento de recuperação econômica. "Pode ser importante para a economia num momento em que a indústria ainda está se recuperando".

Ele destacou que a presença do ministro junto com entidades que fazem a governança do setor elétrico, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é positiva porque funcionou como uma prestação de contas à sociedade.

Outra fonte que aceitou falar com o Broadcast Energia sob a condição de anonimato, disse que o governo demorou para adotar medidas, uma vez que a redução na demanda para consumidores industriais saiu apenas nos últimos dias, e a extensão dessas ações para residências, comércios e empresas de serviços veio sem grandes novidades. "Acreditamos que demorou demais para apresentar medidas", disse.

Já o coordenador do programa de energia e sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite avalia que a inclusão do consumidor residencial no esforço para redução do consumo de energia elétrica no País foi um avanço, "mas a falta de informações sobre como isso será feito revelou o despreparo dos envolvidos e deixou no ar a principal questão: quem vai pagar a conta?", questionou.

Leite também disse que o governo está apelando para eufemismos para não dizer que está fazendo um racionamento. "Não é só cortar a luz que configura racionamento, qualquer restrição de consumo é racionamento".

A situação alarmante dos reservatórios das hidrelétricas também chama a atenção de agentes do mercado financeiro. Na opinião do estrategista de investimentos Renan Sujii, caso a situação do abastecimento de energia elétrico não melhore, pode haver problemas para a atividade econômica. Ele destacou também que o problema já contaminou a inflação. "Se no segundo semestre as chuvas forem menores do que o esperado, além de ter a pressão de inflação por causa do acionamento das usinas térmicas, pode ter impacto na atividade econômica, porque pode ser necessário tomar medidas mais duras", afirmou.

Já o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, a ação do governo veio em um momento que aumentam as preocupações em relação ao armazenamento de água para geração de energia na região Sul, e em meio às incertezas quanto à capacidade das chuvas no período úmido para reabastecerem os reservatórios. "Ainda estamos na fase de agir e não dá pra ficar esperando para ver como será próximo período úmido".

Contato: energia@estadao.com
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