Economia & Mercados
15/06/2020 10:55

Bolsa deixa de ser pechincha e analistas indicam pausa no 'Bull Market'


Por Maria Regina Silva e Eduardo Laguna, especial para o Broadcast

São Paulo, 15/06/2020 - Após subir entre duas e três vezes mais do que se registrou nas últimas quatro semanas em alguns dos principais mercados acionários do mundo - incluindo Nova York e Londres -, o Brasil deixou de ser visto como um país em "promoção" entre as bolsas internacionais.

A avaliação de que a bolsa brasileira estava irresistivelmente barata - ou, em outras palavras, que seu preço estava defasado em relação à recuperação antecipada pelos mercados a partir da reabertura das economias - foi um grande propulsor do regresso de capital estrangeiro.

Esta defasagem, porém, parece ter sido corrigida naquele que foi, até aqui, o maior rali de compras desde que o coronavírus extrapolou as fronteiras da China, de modo que há, neste momento, relativo consenso entre analistas de que a bolsa, tendo o Ibovespa como referência, está com preço ajustado ao cenário que vem sendo trabalhado pelos investidores.

Hoje, a precificação do Ibovespa equivale a algo próximo de 12 vezes o lucro projetado para as companhias que o compõem em 2021, quando se espera uma recuperação parcial dos estragos do coronavírus neste ano.

É um múltiplo não muito descolado da média histórica do índice - 11,3 vezes na conta do Itaú BBA - e coerente com o grau atual de confiança dos investidores na retomada econômica, mas que, pelas condições do momento, já indica uma margem de segurança estreita para novos movimentos de compra na bolsa.

Analistas entrevistados pelo Broadcast avaliam que múltiplos na faixa de 13 a 14 vezes seriam hoje caros para o risco de as previsões de saída rápida da recessão não serem confirmadas.

Marcos Assumpção, estrategista-chefe do Itaú BBA, comenta que os múltiplos praticados pelo mercado no período pré-covid seriam considerados caros se replicados no momento. Ele diz que um Ibovespa novamente próximo dos 120 mil pontos, como aconteceu em janeiro, seria injustificável depois de toda a destruição de lucro provocada pela pandemia.

Segundo o economista, na nova realidade, romper a resistência dos 100 mil pontos de Ibovespa vai depender, além das questões ligadas à recuperação da economia global, da redução do risco-país e da queda nas taxas de juros mais longas no Brasil.

"Se continuarmos a ver essa tendência acontecer, junto com uma diminuição do risco de segunda onda de contágios e juros baixos, podemos ver mercados emergentes performando bem", comenta o economista do Itaú BBA.

Da perspectiva de maior crise desde a Grande Depressão para uma recessão de curta duração, o humor do mercado mudou com a divulgação de indicadores econômicos melhores ou não tão ruins quanto se imaginava, porém sem perder de vista que ainda se opera sob condições de grandes incertezas.

Quando, na segunda-feira passada, o Ibovespa alcançou os 97.644,67 pontos, sua maior pontuação de fechamento desde o grande choque do coronavírus no mercado financeiro, os investidores ficaram pressionados a reduzir o ímpeto porque, se mantivessem o ritmo de valorização engatado na segunda quinzena de maio, o índice chegaria antes mesmo do fim deste mês ao nível de precificação da virada do ano. Ou seja, quando o mundo, em geral, ignorava o impacto do coronavírus na economia global.

Seria uma precificação inconsistente com as nuvens de incertezas sob a qual opera o mercado de capitais. Portanto, a bolsa chegou a um momento que exige maior conservadorismo e uma interrupção, ao menos temporária, do que alguns analistas já vinham rotulando como um "bull market" - ou seja, um mercado em tendência de alta -, à espera por um cenário que traga maior convicção na recuperação das economias para que novas máximas nos preços dos ativos sejam perseguidas.

Pausa na disparada

Desde o fechamento do dia 15 de maio, o Ibovespa acumulou alta de 19,6%, encurtando diferenças frente às precificações dos principais índices acionários do mundo. No mesmo período, esses índices apresentaram, em sua maioria, desempenho bem mais modesto - entre eles, S&P 500 (6,2%), Dow Jones (8,1%), Nasdaq (6,4%), as três referências de Wall Street, e os europeus FTSE 100 (5,3%), CAC40 (13,1%) e DAX (14,2%).

Entra nessa conta a correção dos três últimos pregões da semana passada, quando a bolsa brasileira foi menos descontada do que quase todos esses índices, exceção à Nasdaq.

Boa parte do descolamento mostrado nas últimas quatro semanas aconteceu porque, depois de precificar a recuperação pós-pandemia nos mercados mais maduros (menos arriscados), o movimento avançou para os mercados emergentes (mais arriscados), diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.

Segundo ele, se abril foi de correção dos exageros que levaram a uma sequência recorde de circuit breakers na bolsa, e em maio o mercado antecipou a reação da economia a partir do terceiro trimestre, a partir de agora as estratégias de investimento passam a ser mais orientadas pela análise criteriosa dos fundamentos.

"Pelo que se tem de cenário hoje, o preço da bolsa está justo. Acho que entrar em julho acima de 105 mil pontos seria um preço caro. Estaríamos nesse caso tentando antecipar um cenário ainda muito incerto, exagerando na entrada dos papeis", comenta Franchini.

O mundo, de acordo com analistas, não oferece neste momento segurança para a bolsa se aproximar de um P/L - como é conhecido o indicador que compara o preço das ações, o "P", com o lucro gerado pelas empresas, o "L" - de 14 vezes, como acontecia antes da covid-19. Se fosse o caso, o Ibovespa já estaria rondando novamente os 110 mil pontos.

Uma pontuação dessas, pela conjuntura atual, seria flertar com a bolha financeira. Segundo especialistas, novos picos do Ibovespa vão depender de sinais que reforcem previsões de recuperação econômica numa trajetória gráfica parecida com um "V". Em paralelo, no terreno doméstico, será preciso haver um ambiente de pacificação na política e retomada da agenda de reformas.

Se houver notícias positivas nessas frentes, a previsão de analistas é que a ponta compradora volte a ganhar força para chegar, não sem muita volatilidade, a novas máximas e romper a barreira dos 100 mil pontos. Estímulos à tomada de risco não faltam com os juros mundialmente em mínimas históricas e o mercado irrigado pela injeção sem precedentes feita pelos bancos centrais para salvar a economia global dos efeitos do coronavírus.

O diretor de pesquisas para a América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, acrescenta à lista a necessidade de o Brasil conter a escalada de contágio, de forma a trazer alguma normalidade para a economia, o que seria positivo para o fluxo de investidores locais na bolsa. "O que assistimos até agora foi uma recuperação técnica. A realidade não é tão inspiradora [no Brasil]. Há muito ruído político e institucional", diz Ramos.

Segundo Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, embora seja hoje difícil prever quando a economia real vai entrar em sintonia com o otimismo implícito nos preços das ações, existe no mercado confiança com a reabertura das economias, bem como com avanços tanto no campo político quanto na política monetária. "Se houver quebra dessas estimativas e os fundamentos não se materializarem, pode ocorrer um tombo", pondera Arbetman.

A despeito de considerar que o Brasil "não está mais de graça", no sentido de que a Bolsa pode não estar mais tão barata, o estrategista-chefe da Levante, Rafael Bevilacqua, ainda vê espaço para o Ibovespa buscar os 100 mil ou até mesmo os 115 mil pontos, embora os ruídos públicos, obstáculos ao andamento das pautas reformistas, possam levar a correções no meio do caminho.

"Como tem muito dinheiro no mundo, está todo mundo comprando. Além disso, o juro está baixo e o investidor corre para algum investimento [lucrativo]."
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