Economia & Mercados
27/06/2024 10:47

Entrevista/Citi/Johanna Chua: reação da China à nearshoring foi subestimada


Por Eduardo Laguna

São Paulo, 26/06/2024 - O deslocamento de empresas da China para outros países não é um movimento tão transformador como se poderia esperar, avalia a economista-chefe de mercados emergentes do Citi, Johanna Chua. Para ela, a política agressiva de apoio à indústria diminuiu o custo de produção na China, tornando menos interessante, do ponto de vista econômico, a debandada em direção a economias mais próximas ou de relações diplomáticas estáveis com as nações mais industrializadas do Ocidente, movimentos conhecidos, respectivamente, como nearshoring e friendshoring.

Em passagem por São Paulo para participar da conferência anual do Citi com clientes no Brasil, Johanna avaliou em entrevista exclusiva ao Broadcast que a reação da China frente à reorganização das cadeias de produção foi subestimada. "O erro que muitas pessoas cometeram foi pensar que a China não faria nada."

A economista fez ainda comentários sobre o novo modelo de crescimento chinês, que, baseado na oferta e nas exportações, levou a uma enxurrada de produtos da China pelo mundo, sendo assim menos amigável às demais economias. Apesar disso, ela acredita que a estratégia da China é ganhar tempo até a recuperação do setor imobiliário. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


Foto: Divulgação

Broadcast: Os movimentos de reorganização das cadeias de produção, como nearshoring e friendshoring, continuarão sendo um importante propulsor das economias emergentes?

Johanna Chua
: Muito se fala sobre a realocação da produção e sobre os mercados emergentes que se beneficiariam mais dos efeitos da substituição da China, sendo Índia, México e países do Sudeste Asiático os mais citados. Mas acho que a ideia na verdade não encontrou a realidade. A realidade é que, embora estejamos vendo algo, isso não foi tão transformador para o crescimento quanto as pessoas esperavam.

Broadcast: Por quê?

Johanna
: O erro que muitas pessoas cometeram foi pensar que a China não faria nada. A China dobrou a aposta na política industrial. Durante a pandemia, adotou mais e mais políticas do lado da oferta, dando financiamento subsidiado para elevar o nível industrial e de infraestrutura. Quando todos pensavam que a produção se deslocaria da China, a inflação da China acabou sendo muito mais baixa do que a de todos os seus parceiros comerciais, de modo que a taxa de câmbio real efetiva na China se desvalorizou 15% nos últimos dois anos. O país ficou muito mais barato. O desejo da China de ser competitiva e autossuficiente incentivou muito as políticas de oferta, tornando mais caro economicamente produzir em outros países. Talvez isso explique parcialmente por que não vemos muito investimento estrangeiro direto em outros mercados. Se um grande player, responsável por um terço da manufatura global, está dobrando a aposta, isso reduz o retorno dos investimentos [fora da China]. A reação da China foi subestimada.

Broadcast: Então, na verdade, o impulso não é tão relevante como muitos pensam.

Johanna
: Se tivermos uma nova onda de barreiras tarifárias - vamos supor que Trump [se eleito nos Estados Unidos] aplique tarifas de mais de 60% contra produtos chineses -, a pressão ainda estará lá. Estamos ouvindo muitas empresas querendo sair da China, querendo ir para o Leste Europeu, para contornar tarifas. Esperamos que isso ajude alguns mercados emergentes. A questão é se vai ajudar tanto assim. Há uma perda total de produtividade quando se realoca cadeias de suprimentos com base em geopolítica ao invés de eficiência.

Broadcast: A transição energética pode ajudar a deslocar o capital para as economias emergentes fora da China, incluindo o Brasil?

Johanna
: Precisamos ver, pois a China também quer fazer uma transição verde acelerada por si mesma. Mas o fato de a China subsidiar muitas tecnologias de transição também tornou esta agenda economicamente mais viável nos outros países. Vemos muito interesse em investimentos renováveis. A questão é se fará uma grande diferença para os mercados emergentes. Há oportunidades, mas que dependem da capacidade de mobilizar as poupanças para financiar esse investimento. A manutenção dos juros altos por mais tempo nos Estados Unidos torna mais difícil acelerar a transição, já que influencia o custo de financiamento das economias emergentes.

Broadcast: Como a crescente competição com os produtos chineses afeta a indústria e a produtividade no resto do mundo?

Johanna
: O desenvolvimento baseado em manufatura já estava difícil antes mesmo da industrialização chinesa, já que a indústria não estava absorvendo tantos empregos pela automação e avanço tecnológico. Ficou ainda mais difícil pela política industrial mais agressiva da China. Mesmo os países emergentes que poderiam se integrar à expansão industrial da China têm uma situação difícil pelos controles de exportação, já que o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, quer assegurar que a China não alcance a liderança tecnológica. E isso cria um incentivo ainda maior para a China apostar mais na autossuficiência.

Broadcast: Olhando para a inflação global, as exportações chinesas continuarão sendo uma força desinflacionária?

Johanna
: Vimos deflação do índice de preços ao produtor por bastante tempo na China. Isso ajuda a compensar, em muitos países emergentes, a inflação mais persistente dos serviços, provocada pelo aperto no mercado de trabalho. Se a China continuar fazendo esse tipo de política, que cria muita oferta excedente, a inflação de bens pode continuar bastante limitada. Isso, de certa forma, ajuda o resto do mundo do ponto de vista dos preços, mas não é tão positivo para o crescimento.

Broadcast: As tarifas contra a China nos Estados Unidos, na Europa e em economias menores conseguirão conter as importações de produtos chineses?

Johanna
: Depende de quão severas são as tarifas. As tarifas da União Europeia contra os carros elétricos da China não são tão punitivas quanto pensávamos. Nosso analista automotivo diz que, mesmo se as montadoras absorverem metade dessa tarifa, repassando outra metade, a margem de lucro na Europa ainda é melhor do que no mercado doméstico da China.

Broadcast: A política chinesa de apoio à oferta, gerando excesso de capacidade industrial, é sustentável?

Johanna
: Não está claro quanto tempo pode ser sustentada sem realmente levar a uma desaceleração do crescimento. Barreiras tarifárias obviamente vão afetar a lucratividade, induzindo empresas a sair da China. Há dificuldades para a China sustentar esse modelo de crescimento. A história da China pode ser diferente da do Japão.

Broadcast: Como assim?

Johanna
: No Japão, muitos fabricantes de automóveis, por causa de todas as tarifas, passaram a montar carros nos Estados Unidos, mas repatriaram dividendos e renda. O superávit comercial desabou, porém o superávit de renda cresceu. A preocupação que tenho na China são os controles de capital. Não acho que a geopolítica vá mudar tão cedo. Então, quando as empresas ganharem dinheiro no exterior, provavelmente tentarão manter o capital ou reinvestir no exterior. A China não pode confiar apenas nessa política. Acho que a estratégia da China [de crescimento baseado em aumento de oferta] é ganhar tempo porque estamos no terceiro ano do ciclo de baixa do setor imobiliário. Os preços do mercado secundário de imóveis podem começar a se estabilizar no segundo semestre de 2025. Quando o setor imobiliário começar a se recuperar, pode resgatar um pouco da confiança das famílias.

Broadcast: A crise no setor imobiliário vai exigir mais estímulos da China para o país entregar a meta de crescimento deste ano?

Johanna
: Acho que 5% é uma meta alcançável. É apenas uma questão de implementar políticas já anunciadas de maneira oportuna. Só que a confiança das famílias segue muito fraca. Ainda é um crescimento muito desequilibrado. Parte da entrega da meta de 5% vai ser via exportações, o que também cria tensões com alguns dos parceiros comerciais. Então, a composição do crescimento da China não é tão amigável para as economias emergentes como costumava ser, já que é mais pela oferta, aumentando a competição com outros países. Além disso, a busca por autossuficiência, de produzir internamente, faz com que os outros países participem menos do crescimento chinês.

Contato: eduardo.laguna@estadao.com
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