Economia & Mercados
04/12/2023 14:34

Especial: PL das eólicas offshore pode gerar custo extra de R$ 40 bilhões ao ano até 2050


Por Wilian Miron e Luciana Collet

São Paulo, 30/11/2023 - A inclusão de jabutis no Projeto de Lei das eólicas offshore deve gerar um custo extra de R$ 40 bilhões por ano na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), estimam entidades do setor elétrico como a Abrace Energia. Grande parte dos recursos desse fundo setorial provém da arrecadação de encargo pago por todos os consumidores atendidos pelas distribuidoras.

O texto aprovado ontem, 29, pela Câmara dos Deputados, incluiu uma série de emendas estranhas ao tema do regramento ao segmento de eólicas offshore, beneficiando com extensão de subsídios diferentes grupos de interesse, especialmente aqueles ligados às fontes renováveis, geração distribuída e carvão. Também determinou mudanças em leis vigentes que na prática garantem benefícios adicionais a empreendedores do setor de gás natural.

Essas medidas, que oneram ainda mais as tarifas de energia no País, foram amplamente criticadas por associações, empresários e analistas de investimentos que acompanham o setor elétrico. As críticas vão desde os custos extras - que tendem a onerar as contas de luz e deixar ainda mais complexo o cenário para as concessionárias de distribuição, com aumento da inadimplência e das perdas elétricas - ao aumento da sobreoferta da energia que tem afetado as geradoras.

Para os analistas do banco Safra, Daniel Travitzky, Carolina Carneiro e Mario Wobeto, o projeto tem duas implicações principais: a primeira é que potencial contratação de energia de usinas offshore agravaria o excesso de oferta do sistema elétrico brasileiro, enquanto a segunda está relacionada ao aumento de subsídios provocado pela extensão dos descontos nas tarifas de transmissão de projetos renováveis e para a geração distribuída (GD).

"Estes subsídios pressionam as tarifas e incentivam os consumidores a migrar para o mercado livre, o que aumenta a pressão sobre as tarifas cobradas aos clientes que permanecem na rede", diz trecho de um relatório divulgado pelo banco e assinado pela equipe de analistas.

Na mesma linha, o analista do Itaú BBA, Marcelo Sá, pontua que no segmento de geração algumas medidas aprovadas tendem a estimular a construção de novas usinas, de diferentes fontes, em um momento em que existe uma sobreoferta de energia no País que já tem pressionado os preços futuros de energia, um desafio para empresas que possuem energia descontratada ao longo dos próximos anos, como a Eletrobras e a Copel, por exemplo.

"Os preços da energia aqui têm sido anormalmente baixos devido aos bons níveis dos reservatórios e ao excesso de oferta de energia, mas agora temos um projeto de lei que basicamente força a nova capacidade num sistema que não precisa dela", afirmaram os analistas do BTG Pactual Joao Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende.

Já o analista Filipe Andrade, também do Itaú BBA, destaca em particular o impacto negativo para as geradoras hidrelétricas, resultante principalmente de emendas que favorecem a contratação de termelétricas. O texto prevê contratações de usinas térmicas com altos patamares de inflexibilidade. Com isso, haveria um deslocamento da geração hidrelétrica, aumentando o déficit de geração dessas usinas. (GSF, no jargão setorial).

Por outro lado, o texto pode beneficiar a geradora térmica Eneva, uma vez que ela poderia viabilizar novos projetos em futuros leilões de térmicas a gás. Além disso, a companhia possui usinas a carvão com contratos até 2027/2028, que serão estendidos até 2050, se a nova lei for publicada em sua versão atual.

Offshore no longo prazo

No que diz respeito ao tema original do PL, os analistas do Itaú BBA consideraram o texto "importante e positivo", uma vez que estabelece regras que favorecem a atração de potenciais investidores interessados em estudar as potencialidades da modalidade no País. Sá alertou, porém, que não haverá um "boom de investimentos" em decorrência da nova lei.

"Economicamente não faz sentido (investir em offshore no País), dado o custo e o fato de que ainda tem muito potencial de eólica onshore pra ser explorado no Brasil, e tem questão de sobreoferta de energia em que preço de energia em contrato longo prazo não está viabilizando nem eólica onshore, que dirá offshore", disse. Na visão da equipe, os primeiros projetos de offshore na costa brasileira só entrarão em operação na próxima década.

Associações e empresários

Houve protestos também por parte de associações, especialmente aquelas ligadas aos consumidores - como a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o grupo União pela Energia, e a Abrace Energia. Além de calcular os impactos financeiros das medidas, as entidades chamaram a atenção para o contrassenso dos incentivos à energia mais poluente de termelétricas a gás natural e carvão justamente na semana em que o governo pretende levar notícias "verdes" à CPO28, que acontecem em Dubai, nos Emirados Árabes.

O grupo União pela Energia, por exemplo, divulgou uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pontuando os problemas criados pela inclusão dos jabutis pelo Congresso. "O Brasil tornou-se o país da energia barata e da conta cara, devido a um conjunto de custos e ineficiências que penalizam duplamente a sociedade: por meio das tarifas da eletricidade e novamente nos preços de tudo o que é produzido", afirma Lucien Belmonte, porta-voz do União pela Energia, na carta.

Já a Frente Nacional dos Consumidores de Energia declarou ter recebido "com indignação" a inclusão do carvão no projeto das eólicas offshore. "É quase inacreditável que em plena crise climática e na esteira das discussões da COP 28, onde o Brasil pretende ser protagonista, o Congresso Nacional tente impor aos brasileiros mais custos desnecessários na conta de energia e mais CO2 na atmosfera", disse.

A expectativa das entidades agora é conseguir convencer os senadores a rejeitar pelo menos parte das alterações feitas na Câmara dos Deputados. Não há grandes expectativas, porém, de convencimento na retirada de todas as emendas, já que há temas muito caros a determinados grupos.

A extensão de benefícios concedidos a fontes renováveis, por exemplo, é uma demanda da bancada do Nordeste e portanto considerada de difícil derrubada. Já a emenda sobre as térmicas a carvão teria mais chances de não vingar, tendo em vista a contrariedade com a agenda ecológica que o governo defende e alternativas existentes para os argumentos favoráveis ao tema.

Contato: wilian.miron@estadao.com; luciana.collet@estadao.com
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