Economia & Mercados
04/10/2021 10:10

Jabutis na MP da crise hídrica custarão R$ 46,5 bi para consumidores, diz associação


Por Marlla Sabino e Eduardo Rodrigues

Brasília, 02/10/2021 - Se o governo editou a Medida Provisória 1.055, da Crise Hídrica, para endereçar os problemas da escassez de água nos principais reservatórios do País, o relatório do deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) vai em outra linha e tem tudo para encarecer ainda mais as contas de luz dos brasileiros. Protocolado nesta sexta-feira, o parecer inclui “jabutis” - artigos estranhos à proposta original, no jargão do Congresso - que terão um custo de até R$ 46,5 bilhões a serem bancados pelos consumidores, de acordo com cálculos da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) .

O relatório de Viana só foi protocolado no sistema eletrônico do Congresso na noite dessa sexta-feira, 1º, mas a votação da MP já está prevista na pauta da Câmara desta segunda-feira, 4. A matéria ainda precisa ser analisada pelo Senado Federal até 7 de novembro para ter validade definitiva.

A maior das “bombas” será o repasse do custo de construção de novos gasodutos para os consumidores. A medida traz uma “solução” para outro jabuti aprovado na MP que permitiu a privatização da Eletrobras. O texto, sancionado em julho, obriga a União a contratar 8 mil megawatts (MW) de térmicas a gás nos próximos leilões. Essas usinas devem estar localizadas mesmo em locais onde não há reserva ou infraestrutura. Na prática, seria necessário construir novos dutos para lugares distantes, encarecendo o preço da energia gerada quase a ponto de inviabilizá-la.

É justamente esse o ponto do relatório da MP da crise hídrica. Ela endereça o custo dessas térmicas e das que serão contratadas como reserva de capacidade - que podem ser acionadas quando for necessário suprir o fornecimento - para os consumidores, por meio das tarifas de transmissão.

O texto protocolado pelo relator prevê que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) poderá incorporar nas tarifas de luz o custo da construção de novos gasodutos para usinas térmicas na forma de Receita Anual Permitida (RAP) - nos mesmos moldes da remuneração para a operação de linhas de transmissão de energia.

Caberá à Aneel “estabelecer mecanismos vinculados às tarifas de transmissão de forma a integrar o sistema de gasodutos associados à contratação de reserva de capacidade às instalações da rede básica, com vistas à definição da receita anual permitida”. Apenas esse trecho do relatório terá um custo de R$ 33 bilhões nas contas de luz ao longo dos próximos anos.

“É lamentável ver a repercussão desse modelo que faz tanto mal ao País, que deveria ser o País da energia barata e renovável. É impressionante que questões tão fundamentais para os consumidores possam estar presentes sem que haja uma discussão técnica sobre os números e os custos para a sociedade”, avalia o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa.

Carvão. Atendendo ao pleito de sempre da bancada do carvão mineral - explorado principalmente na região Sul do País - Viana incluiu no parecer uma nova prorrogação do subsídio ao combustível fóssil, previsto para acabar em 2027. Pelo texto do relator, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo cujo financiamento é rateado entre todos os consumidores, continuaria bancando parte da exploração do carvão nacional até 2035, a um custo adicional estimado de R$ 2,8 bilhões para os consumidores. Apenas no ano passado, os brasileiros pagaram cerca de R$ 670 milhões para bancar parte da operação de extração do carvão, usado ainda em parte das usinas térmicas de energia.

Segundo o próprio relator, a medida teria o objetivo de “propiciar uma transição gradual da indústria mineira de carvão e atenuar impactos econômicos e sociais em muitos municípios da região Sul”. Uma medida semelhante foi proposta durante a tramitação da MP que permitiu a privatização da Eletrobras no Congresso, mas não foi para frente.

Comitê interministerial. A Medida Provisória foi editada pelo governo federal em 28 de junho com intenção de dar poderes excepcionais para o enfrentamento da crise hídrica ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Para isso, foi criada a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, a Creg. A medida é semelhante à adotada pelo governo em 2001, quando o País enfrentou um apagão. À época também foi criado um comitê de crise por meio de medida provisória dois meses antes das imposição de restrições no consumo.

Pela versão do Executivo, o grupo é formado por ministros de outras pastas e tem duração até 30 de dezembro. O relatório do deputado, no entanto, estabelece que o prazo do funcionamento do comitê interministerial seja prorrogado por até 180 dias a pedido da própria Câmara, que deve apresentar justificativas do pedido e prazo, cabendo ao presidente da República a decisão final, por meio de decreto.

Atendendo pleitos apresentados por alguns deputados, o parecer também permite incluir a Aneel, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no grupo. Os representantes desses órgãos, no entanto, não terão direito a voto nas decisões do colegiado.

Energias Renováveis. O texto ainda traz algumas outras propostas feitas na esteira da MP da Eletrobras. Entre elas, a extensão do prazo dos contratos de 20 para 25 anos das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que o governo deverá contratar e a inclusão de encargos e tributos no preço-teto que a energia dessas usinas será negociada. O impacto dessa medida será de R$ 700 milhões.

Também foram propostas algumas alterações sobre os contratos dos empreendimentos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). A lei da Eletrobras permitiu a renovação desses contratos para evitar que as usinas disputem leilões de energia velha e reduzam seus custos.

Pelas regras estabelecidas pelo governo, o gerador que tiver interesse em prorrogar o contrato deveria fazer a solicitação até 11 de outubro deste ano. O relatório da nova MP, no entanto, estende esse prazo para 30 de março de 2022. O parecer também permite que as geradoras que optarem pela prorrogação possam adicionar novos empreendimentos de energias renováveis em seus contratos - provenientes de fontes solar, eólica, biomassa ou biogás. De acordo com os cálculos da Abrace, essas e outras mudanças propostas no Proinfa podem totalizar cerca de R$ 10 bilhões.

O relator Adolfo Viana foi procurado, mas não retornou até o fechamento da reportagem.

Contato: marlla.sabino@estadao.com e eduardor.ferreira@estadao.com
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