Por Simone Cavalcanti e Eduardo Laguna
São Paulo 09/02/2022 - Longe de aceitar a definição de esquerda, centro ou direita, o Podemos, partido ao qual se filiou o ex-ministro da Justiça e agora presidenciável, Sergio Moro, vem debatendo ideias para o futuro plano de governo que vão desde repaginar o teto de gastos com a implantação de uma nova âncora fiscal, concretizar a reforma tributária prevista na PEC45 e, até, privatizar estatais de segmentos considerados não estratégicos. O plano é entregar as propostas, quando estiverem prontas, ao candidato entre o final deste mês e o começo de março.
Sob o comando do economista Affonso Celso Pastore, a equipe tem no foco a sustentabilidade das contas públicas. "Um país com dívida pública de 80% do PIB, beirando a insustentabilidade, tem que produzir superávits primários para reduzi-la a um nível tolerável, abaixo de 60%", sustenta Pastore. "Com uma carga tributária [impostos federais, estaduais e municipais] já em torno de 35% do PIB, só há um caminho para gerar tais superávits, que é o controle dos gastos. A melhor regra fiscal é a do teto de gastos, e a única flexibilização possível é um teto ligado ao tamanho da dívida", acrescenta o ex-presidente do Banco Central (BC) ao Broadcast. A premissa é de que uma dívida de 80% do PIB tem de ter um teto de gastos mais baixo do que uma dívida de 60%.
Nas avaliações feitas pela equipe de Pastore, não há porque excluir os investimentos em infraestrutura do teto, dado que a partir de um regime de concessões tais investimentos podem ser realizados com vantagem pelo setor privado, como é demonstrado pela experiência de inúmeros países, inclusive o Brasil.
Recentemente, Moro chegou a dizer que o teto de gastos não seria mais efetivo e que havia a necessidade de se pensar em uma nova âncora fiscal para o País. "Talvez [o teto] não sirva mais. Ele foi desmoralizado no atual governo. Isso ficou muito claro com aquela reforma constitucional [PEC dos Precatórios]". Apesar da fala, ele não descartou a possibilidade de manter esta política, aprovada na gestão de Michel Temer em 2016. "Precisamos de uma nova âncora fiscal. Ou restabelecer o teto com credibilidade, ou uma nova fórmula para impedir o descontrole entre a dívida pública e o PIB."
Com um arcabouço fiscal crível e tendo a dívida no foco, diz Pastore, as taxas de juros reais - as que interessam para os investimentos privados e para o custo do endividamento público - serão mais baixas. O respeito ao regime de metas e a independência do Banco Central são tidos como condição sine qua non para o controle da inflação."No regime de metas de inflação o controle se faz com a taxa de juros", ressalta.
Nesse contexto, também segue o entendimento de que o regime de câmbio flutuante é o compatível com o de metas de inflação. "O BC pode intervir para manter o mercado funcional, mas não para atingir uma meta para o câmbio", afirmou o economista.
Reformas
Sobre a questão tributária, Pastore diz acreditar que o objetivo não é arrecadar mais para gerar superávits primários, e, sim, corrigir distorções que inibem o crescimento econômico. Na sua avaliação, os superávits primários serão obtidos com o controle das despesas e o crescimento da receita gerado pelo crescimento econômico.
A linha de pensamento que está em discussão no grupo de economistas traz como a mais importante das reformas tributárias a que substitui cinco tributos sobre o consumo num único imposto sobre valor agregado (IVA). É o que prevê a PEC45, que já está tramitando no Congresso Nacional.
Pastore lembra que, em relação aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e América Latina, há uma taxação muito grande sobre a folha de salários e que essa reforma deverá reduzir essa incidência. Neste caso, a perda de arrecadação decorrente precisará ser compensada pelo aumento da arrecadação do Imposto de Renda.
Para o IR de empresas, o ideal é reduzir as alíquotas que incidem sobre o lucro das companhias e elevar a alíquota na distribuição de dividendos, o que favorece maior entrada de investimentos estrangeiros diretos.
Já para o IR da pessoa física, Pastore vê um exagero nas deduções (despesas médicas, por exemplo), e válvulas de escape da incidência sobre rendas muito elevadas, como os fundos fechados e as off-shores.
Especializado em crimes financeiros, o juiz responsável por condenações durante a Operação Lava Jato e agora presidenciável Sergio Moro classifica a Petrobras como uma empresa atrasada. Caso eleito, poderá privatizar estatais, como a petroleira e bancos públicos. "A Petrobras teve papel importante para o País, mas é uma empresa atrasada, que ainda vive da exploração do petróleo, um combustível que o resto do mundo já não está mais usando. Hoje estamos discutindo outras formas de energias limpas, mais ambientalmente corretas, como a energia solar", defendeu Moro em palestra para empresários na cidade de São José do Rio Preto (SP).
Meio Ambiente
A questão ambiental é tema sobre o qual a equipe de economistas chefiada por Pastore também se debruça com ideias claras: "É absolutamente fundamental que o Brasil cumpra seu compromisso com o mundo no controle do aquecimento global. Em particular, é preciso eliminar o desmatamento da Amazônia. O País tem uma agricultura muito eficiente, que contribui para o crescimento e é fundamental nas exportações. Porém, vem sofrendo retaliações, principalmente da Europa, devido ao desmatamento. É algo que não deveria ocorrer", diz.
O Brasil, entende o economista, tem fontes limpas de energia, mas está sendo penalizado porque toda a emissão de CO2 vem do desmatamento que não é feito pelos agricultores eficientes, e, sim, por grileiros que buscam a posse da terra. "As metas ambientais precisam de um destaque enorme em qualquer plano de governo", assinala o ex-presidente do BC.
Reza a cartilha do Podemos ainda o olhar mais apurado para o incentivo ao empreendedorismo, por meio da concessão de microcrédito para baixa renda, e a redução de impostos e burocracia para as empresas. "Até 2050, queremos ser um país livre da dívida pública, livre das amarras e trabalhando rumo ao topo do desenvolvimento", aponta o documento. "Somos contra a criação de mais impostos, contra a volta da velha CPMF e defendemos reduzir a carga tributária e a burocracia para sobrar mais dinheiro no bolso dos brasileiros", indica o partido.
Contatos: simone.cavalcanti@estadao.com e eduardo.laguna@estadao.com