Economia & Mercados
27/05/2021 10:31

Especial: Carteiras digitais das varejistas bagunçam o jogo das fintechs e bancos


Por Talita Nascimento

São Paulo, 26/05/2021 - Como se o desconforto dos grandes bancos com as fintechs e carteiras digitais não bastasse, essa competição tem ganhado novos desafiantes. As varejistas têm avançado em suas próprias instituições de pagamento, de maneira orgânica ou via aquisições. O mote é a busca por desenvolver os chamados ecossistemas de varejo. Com soluções de pagamento - e também de crédito - as varejistas almejam dominar toda a experiência de compra do cliente. Nesse contexto, há competidores agressivos quando se trata de crescer.

A Ame, carteira digital da Lojas Americanas, já tem mais de 19 milhões de downloads e registrou volume transacionado de R$ 5,1 bilhões no primeiro trimestre de 2021. O crescimento foi de 350% frente ao mesmo período do ano anterior. A empresa cresce em meio a uma abordagem agressiva para aquisição de clientes. De outro lado, o volume total de pagamentos (TPV) processados do Mercado Pago - braço financeiro do Mercado Livre - foi de US$ 14,7 bilhões no primeiro trimestre de 2021. O número mostrou aumento ano a ano de 81,8% em dólares e 129,2% em moeda constante. No período, foram realizadas 630,1 milhões de transações, o que representa um aumento de 116,7%.

“A Ame já é um investimento que a B2W faz há algum tempo. Há cerca de dois anos ela investe forte na carteira digital, no cashback e em criar uma base forte de clientes e usuários. Mas nesse ponto o Mercado Livre está muito à frente, o Mercado Pago está totalmente consolidado”, avalia o fundador da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino.

No segundo pelotão das carteiras digitais correm a MagaluPay, do Magazine Luiza e a BanQi, da Via - dona da Casas Bahia e do Ponto (ex-Ponto Frio). A MagaluPay - focada em pessoas físicas - tem três milhões de contas e ainda não divulga seu número de transações, mas o volume total de transações processadas no Magalu Pagamentos, braço que presta serviços financeiros aos vendedores da plataforma, superou R$ 2,7 bilhões no primeiro trimestre de 2021. Já a BanQi, no ano passado, registrou um TPV de R$ 440 milhões. A gestão da Via prometeu recentemente aumentar 20 vezes seu volume de transações até 2025.

Competição ou convergência

Para Marcelo Martins, diretor-executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), essa ascensão das varejistas não assusta as carteiras ou bancos digitais. “É uma competição saudável e as próprias fintechs podem migrar para serviços de marketplace”, diz. Ele cita o exemplo da PicPay e do Banco Inter que já anunciaram seus shoppings virtuais. Além disso, ele acredita que muitas fintechs têm mais vocação para migrar para produtos de investimento, para os quais as varejistas ainda não estão posicionadas.

“Acredito que haja um caminho de convergência e parcerias para o futuro”, diz Martins. Como os setores financeiro e de varejo estão cada vez mais próximos ele acredita que movimentos de parceria ou investimentos de uma companhia na outra sejam cada vez mais comuns. De fato, as varejistas foram às compras quando se trata de serviços bancários digitais. A BanQi, da Via, foi adquirida em sua totalidade pela companhia no ano passado. O Magazine Luiza comprou mais recentemente a HubFintech. E a Ame comprou a Nexoos, que atende pequenas e médias empresas que buscam investidores e opera empréstimos entre pessoas físicas.

No entanto, é importante lembrar que as varejistas têm algumas vantagens quando se trata de competitividade. “Quando há uma varejista por trás da carteira digital, a lógica da monetização não é só do plano financeiro”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Ele explica que adquirir um cliente no meio digital é sempre algo caro. No entanto, uma vez que as carteiras das varejistas ganham o cliente, é mais fácil para elas expandirem suas receitas por meio dele, já que o consumidor fica no ecossistema e faz compras.

Num geral, o especialista acredita que os setores financeiro, varejista e de tecnologia começam a se entrelaçar de tal maneira que já fica difícil distingui-los. “É como aconteceu na China. Nos Estados Unidos o movimento foi diferente, pois o setor financeiro já era mais maduro. A Amazon, então, avançou em tecnologia e geração de conteúdo e entretenimento”, afirma Terra. Ele vê que no Brasil, aos poucos, fintechs, bancos, varejistas e big techs passam a competir pelo mesmo consumidor. Desse emaranhado, podem sair aquisições e grandes conglomerados.

O preço do crescimento

Outra grande questão, porém, é o custo que algumas empresas têm pagado para crescer. Para Eduardo Yamashita, diretor de operações da consultoria de varejo Gouvêa, as varejistas já perceberam que, no futuro, não haverá espaço para muitos marketplaces. “A leitura dessas empresas é de que não há espaço para muitos ecossistemas grandes. Essas empresas estão buscando se antecipar para se estabelecerem como autoridades em suas áreas de atuação. Elas tentam ficar grandes antes que outros concorrentes cheguem ou que os atuais fiquem maiores”, afirma.

Das carteiras das varejistas, a Ame Digital é a que mais enfrenta críticas a respeito disso. Até para contratação de empréstimos da Creditas em sua plataforma a Ame chegou a oferecer dinheiro de volta para os clientes. Dado o custo dessa estratégia, além do oferecimento de frete grátis, a B2W (responsável pelas operações digitais da Americanas) preocupou analistas ao mostrar um crescimento descolado de rentabilidade. No primeiro trimestre de 2021, seu prejuízo líquido foi de R$ 163 milhões. Para Terra, o que a B2W tem de mostrar agora é como serão monetizados esses milhões de clientes que vieram a um CAC mais alto.“Todo mundo tem usado um CAC (custo de aquisição de clientes) alto e agressivo, em um esforço de aumento de base muito grande. A sustentabilidade disso vai depender da agenda de cada carteira pós aquisição, de como monetizar esse cliente”, diz Terra.

Contato: talita.ferrari@estadao.com
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