Economia & Mercados
03/05/2021 14:40

Especial: com risco fiscal e político, saldo comercial recorde deve ter efeito baixo no câmbio


Por Altamiro Silva Junior

São Paulo, 30/04/2021 - O Brasil caminha para ter superávit comercial recorde em 2021, com a recuperação da economia mundial e alta das commodities. Há ainda chance de o País ter o primeiro saldo positivo na conta corrente do balanço de pagamento desde 2006. Mas tudo isso, diferentemente do passado, pode não ajudar a fortalecer a cotação do real se o governo não mostrar disciplina nos gastos públicos e não houver arrefecimento dos ruídos políticos em Brasília, avaliam economistas ouvidos pelo Broadcast. Mesmo com mais dólares entrando no País, a visão é que a moeda deve seguir na casa dos R$ 5,00 este ano e mesmo em 2022.

O Bradesco prevê superávit comercial de US$ 67 bilhões este ano, que se confirmado será o maior da história. O JPMorgan elevou a estimativa do saldo comercial de US$ 52 bilhões para US$ 69 bilhões e ainda vê saldo positivo na conta corrente de US$ 18 bilhões, projeção também melhorada na última semana. O ASA Investiments vê superávit comercial ainda mais robusto, de US$ 75 bilhões.

Ao mesmo tempo, as projeções para o câmbio seguem mostrando o real desvalorizado. A consultoria inglesa Capital Economics vê a moeda americana fechando 2021 em R$ 5,75. O alemão Commerzbank vê a divisa dos EUA a R$ 5,30 em dezembro e seguindo acima de R$ 5,00 por todo o ano de 2022.

Se considerar apenas as contas externas do Brasil, o economista do Instituto Internacional de Finanças (IIF), Robin Brooks, estima que o dólar deveria estar sendo negociado a R$ 4,50. Não é realista esperar o câmbio neste patamar no momento, ressalta ele, e mesmo com a melhora observada nesta semana, Brooks ainda vê a divisa brasileira "ridiculamente" mais cara que outros emergentes.

O movimento de melhora das contas externas e alta das commodities já deveria ter dado um alívio no câmbio, avalia a economista-chefe da gestora ARX Investimentos, Elisa Machado. "A gente está enfumaçado por estas questões fiscais que pesaram no câmbio", afirma. "Isso tudo não permitiu que o Brasil se apropriasse desse ganho dos termos de troca por conta da elevação das commodities."

Se as reformas andarem ou ao menos não surgirem novos ruídos, o real tende a ter algum fôlego, observa Machado. Mas a economista lembra que há o risco ainda de uma terceira onda de covid, caso a vacinação não se acelere, o que vai elevar novamente o risco fiscal do Brasil. Há ainda a CPI da covid em curso, que pode ser nova fonte de volatilidade para o câmbio, alerta ela.

Para o diretor do ASA Investiments, Carlos Kawall, o fundamento das contas externas deveria, por si só, produzir uma valorização do real. Este fato aliado à perspectiva de nova elevação da taxa de juros pelo Banco Central em maio e mais outras pela frente, o que aproxima as taxas do Brasil da de outros emergentes, também deveria contribuir para a queda do dólar aqui.

Mas Kawall observa que há dois elementos que jogam contra. O primeiro é externo: o maior crescimento dos países desenvolvidos, que tira o apetite dos investidores internacionais para aportar recursos em países emergentes. No mercado doméstico, o ambiente político pesa. Se na Câmara há sinalização de avanço das reformas pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), no Senado há mais dúvidas e ainda há o andamento da CPI da covid. "Há mais resistência no Senado para a privatização da Eletrobras", disse Kawall em evento da Genial Investimentos.

O economista-chefe da Genial, José Marcio Camargo, avalia que deve haver alguma valorização do real por conta da melhora das commodities e o crescimento mundial mais forte, sobretudo dos dois maiores parceiros comerciais do Brasil, Estados Unidos e China, ambos podendo ter Produto Interno Bruto (PIB) avançando ao redor de 8%. Mas, até o momento, tem acontecido um fato inédito no regime de câmbio flutuante do Brasil, que é o real não melhorar com a alta dos preços das commodities.

De abril do ano passado para cá, as commodities subiram muito e o câmbio não se valorizou, afirma o economista-chefe da Julius Baer Family Office, Samuel Pessôa. "Isso é fruto da enorme incerteza fiscal." Para ele, o câmbio só vai se beneficiar pela frente da melhora dos termos de troca do Brasil se o governo avançar com o ajuste fiscal. "Não precisa resolver tudo, mas se tiver o caminho, o diagnóstico, e claramente a vontade política, esse cenário pode se materializar", disse em evento com Camargo, da Genial. Mas como este movimento pela primeira vez não está acontecendo, a disparada dos preços das commodities não é absorvida pelo câmbio e o reflexo é a pressão na inflação.

Contato: altamiro.junior@estadao.com
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