Economia & Mercados
19/07/2023 10:29

Especial: NTN-F vive 'boom' de demanda, mas fluxo tende a arrefecer nas próximas semanas


Por Denise Abarca

São Paulo, 18/07/2023 - As emissões das Notas do Tesouro Nacional - Série F (NTN-F), que são os papéis prefixados mais longos da dívida pública, têm experimentado pelo menos desde o fim de maio um dos seus melhores momentos. A demanda expressiva, no entanto, tende a arrefecer nas próximas semanas, de acordo com especialistas da área de renda fixa consultados pelo Broadcast.

O interesse pelos papéis tem se sustentado em níveis atipicamente elevados nos últimos meses em meio à melhora para o cenário inflacionário, perspectiva de queda da Selic e evolução das reformas econômicas, mas o fluxo pode entrar numa espécie de hibernação dado recesso parlamentar e as férias no Hemisfério Norte.

Desde março, as ofertas do papel acima de 1 milhão por semana nos leilões do Tesouro já chamavam a atenção, mas no fim de maio o Tesouro encontrou espaço para ampliar os lotes e colocar volumes acima de 2 milhões. A instituição chegou a vender 4 milhões destes papéis no último dia 22 de junho, um dia depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).


Fonte: Necton Investimentos

O estrategista de renda fixa da BGC Liquidez, Daniel Leal, afirma que as emissões deste tipo de título voltaram aos níveis vistos na época em que o Brasil ganhou o selo de grau de investimento pelas agências de classificação de risco, em 2008, e no período em que uma mudança nas regras para fundos de previdência complementar levou a um alongamento das carteiras das fundações, entre 2018 e 2019.

Porém, Leal avalia que o impulso deve arrefecer. "As emissões nesses níveis devem perder fôlego. As férias de verão no Hemisfério Norte, que duram ao menos até o fim de agosto, devem reduzir o apetite dos estrangeiros", afirma.

As NTN-F são títulos bastante demandados pelos investidores não residentes, embora, na avaliação do estrategista, lotes nestas magnitudes indicam que há interesse também de fundos locais. "Mas é algo sazonal (a queda no interesse), não vejo grandes riscos, a não ser que tenhamos mudança drástica no cenário internacional", complementa. Ele cita ainda que o recesso de duas semanas do Congresso tende colocar o noticiário das reformas, que vem atraindo fluxo, em banho-maria.

Na Necton Investimentos, o estrategista de renda fixa, Fernando Ferez, lembra que junho foi o segundo maior mês em volume financeiro da história das NTN-F, que teve função importante no mês passado na estratégia de alongamento da duration da dívida pública. "Com a curva de juros mais baixa, será que essa demanda seguirá?", questiona.

Ferez lembra que sazonalmente janeiro e de julho são meses de maior demanda pelas "facas", como é chamado o papel no jargão do mercado, em função do pagamento do cupom, recursos estes que tendem a ser reaplicados no mesmo título. "Em janeiro, a demanda esteve aquém do que eu imaginava, mas a partir do fim de maio o volume começou a subir quando o estrutural da curva melhorou" explica, destacando que, depois da confirmação da meta de inflação em 3% pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), os prêmios se deslocaram justamente para os prazos mais longos.

Com relação à "sustentabilidade" do fluxo, Ferez afirma que as NTN-F "sempre foram um grande mistério para todos". "É diferente dos demais papéis em que se têm maior ideia da tendência de alocação", explica. Mas reconhece a possibilidade de redução dos lotes. "É difícil dizer se vai minguar, mas diria que tendem sim a voltar a ficar abaixo de 1 milhão por semana. Não vejo mais tanto apetite", prevê o estrategista. Além do calendário relacionado às férias nos mercados mais desenvolvidos, Ferez lembra que a demanda também pode refluir no começo de agosto com o período de hiato dos dealers nas duas primeiras semanas do mês.

Além disso, diz Ferez, o segundo semestre "tende a ter uma nova narrativa", diante dos desafios que batem à porta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, especialmente na questão fiscal que ainda está longe de ser resolvida. Pouca gente no mercado acredita que o governo conseguirá zerar o déficit primário em 2024 como proposto no novo arcabouço fiscal.

O diretor de Tesouraria do Banco Fator, Bruno Capusso, elogia a atuação do Tesouro na ampliação das ofertas de NTN-F, aproveitando a melhora do cenário de incertezas sobre as contas públicas para colocar prefixados mais longos.

"O Tesouro fez uma boa leitura do momento do mercado dada a maior coordenação entre as políticas fiscal e monetária", afirma Capusso, lembrando ainda que a bem sucedida emissão externa no começo de abril já era um bom termômetro sobre o interesse dos estrangeiros pelos ativos do País. O Tesouro emitiu US$ 2,25 bilhões no global 2033, em operação cuja demanda teria chegado a US$ 8,5 bilhões.

O mês de junho teve ainda a decisão da S&P Global de elevar a perspectiva, de estável para positiva, da nota soberana "BB-", no dia 14, mas Capusso vê o fato mais como consequência da visão do mercado e não como fator estimulante da demanda pelos papéis. "A agência foi reativa. O mercado foi o 'first mover'", disse.

Daqui em diante, o ritmo das emissões de NTN-F pode ficar mais incerto, até porque a inflação nas economias centrais está mais resistente, comenta Capusso. "Há relativamente poucas dúvidas sobre as reformas, mas vamos entrar agora num cenário de espera pelos cortes da Selic", afirma. De todo modo, ele não vê essa possível queda na demanda como um problema, considerando que o colchão de liquidez do Tesouro é de cerca de R$ 1 trilhão, "bem acima da média histórica e de quase um ano de caixa". "Pode ser mais seletivo nas ofertas e até não aceitar propostas nos leilões se for o caso", diz.

Contato: denise.abarca@estadao.com
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