Economia & Mercados
24/01/2024 12:07

ESPECIAL: INDÚSTRIA VÊ LACUNAS EM POLÍTICA ANUNCIADA PELO GOVERNO E AGUARDA APERFEIÇOAMENTO


Por Eduardo Laguna

São Paulo, 24/01/2024 - O lançamento da nova política industrial recebeu uma comemoração comedida de seus maiores beneficiários. Representantes da indústria que acompanharam presencialmente, ontem, a cerimônia de entrega do plano ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltaram da capital federal com a sensação de que o governo sabe onde precisa chegar para reverter a desindustrialização do País.

Os objetivos centrais da proposta, como inovação, digitalização e transição energética, estão em linha com as tendências globais. Em geral, há satisfação dos industriais por o Brasil, ainda que com atraso e muito menos recursos, tentar seguir o caminho do mundo desenvolvido, que está apoiando maciçamente a indústria na transição energética.

Porém, há também um entendimento de que o programa não enfrenta algumas das dificuldades do dia a dia das fábricas, como a competição crescente com produtos importados. Assim, mesmo que a política seja marcada por estímulos e priorização aos produtos nacionais, houve lamentos por o governo não ter aproveitado o mote da sustentabilidade para fechar portas a produtos fabricados no exterior a partir de fontes não renováveis.

A expectativa agora é por aperfeiçoamento nos próximos 90 dias, quando os objetivos da nova política industrial serão avaliadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).

Os R$ 300 bilhões anunciados para financiar a transformação industrial até 2026 estão longe de empolgar. Não apenas pelo abismo frente às cifras trilionárias despejadas nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, como observou o diretor de desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi. Mas também por estarem muito atrás do financiamento das atividades no campo.

Saiu frustrado de Brasília quem esperava uma versão industrial do Plano Safra, que em sua última edição colocou R$ 364,2 bilhões à disposição da agropecuária. Ou seja, o apoio financeiro à indústria em três anos não alcança o valor oferecido ao agronegócio em uma única safra.

Além disso, os recursos estão bem longe do valor - em média, quatro vezes maior - necessário para eliminar gargalos da produção. Na estimativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o setor precisa investir anualmente R$ 456 bilhões, por um período entre sete e dez anos, para recuperar a produtividade da década de 1970.

Existem também, por fim, dúvidas sobre a execução da política industrial. "Obviamente, esta é uma questão crítica, o Brasil sempre foi um país com dificuldades de fazer a execução de muitas das coisas que são colocadas e planejadas", comenta Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit, a associação da indústria têxtil.

"Portanto, do ponto de vista prático, temos agora que nos debruçar sobre o que foi anunciado oficialmente e contribuir ao andamento [do plano] nos próximos 90 dias", acrescenta Pimentel, referindo-se ao prazo de apreciação do CNDI.

Pode melhorar

Para André Passos Cordeiro, presidente-executivo da Abiquim, a associação da indústria química, só o fato de o Brasil ter uma política industrial já é um bom sinal, pois o País estava atrasado em relação a outras economias que têm na indústria um pilar da agenda verde. "Os governos entenderam que precisam necessariamente de política industrial para fazer a transição ecológica e energética", comenta.

Apesar disso, ele aponta lacunas no programa, entre elas, a ausência de barreiras a produtos que não seguem práticas de sustentabilidade observadas pelas empresas brasileiras. "Seria importante complementar a política industrial com esse viés de controle ambiental do que entra no país, bloqueando, em certa medida, a entrada de produtos quando eles emitem mais carbono. É uma melhora que poderia ser feita na política apresentada", propõe Cordeiro, que esperava também maior destaque ao custo de energia.

O presidente da Abiquim pontua que, ainda que a política industrial ataque o custo de capital, uma das maiores barreiras ao investimento, a ociosidade atual de diversas indústrias vai impedir o direcionamento dos recursos à expansão de capacidade, um dos eixos dos R$ 300 bilhões previstos na chamada "neoindustrialização". "Ninguém vai investir em nova capacidade produtiva enquanto não preencher a atualmente existente."

Rumo certo

Economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha considera que a Nova Indústria Brasil (NIB), como foi batizada a política industrial, aponta uma direção para o crescimento industrial de médio e longo prazo e está bastante alinhada com o que está sendo feito no resto do mundo. "Agora o êxito, só vamos saber quando o jogo for jogado", comenta o economista.

A política industrial, conforme Rocha, reconhece algumas particularidades do setor industrial - não exclusivas do Brasil, mas do mundo -, como o fato de a indústria ser a atividade que mais investe em pesquisa e desenvolvimento, além de pagar os melhores salários. "Quando desenham as suas políticas públicas, os países olham geralmente para essas particularidades", afirma o economista-chefe da Fiesp.

Contato: eduardo.laguna@estadao.com
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