Economia & Mercados
26/07/2022 14:26

Entrevista/ASA/Kanczuk: Convergência do IPCA em 2023 é jogo que ainda dá para BC jogar


Por Thaís Barcellos

Brasília, 26/07/2022 - Apesar de o mercado financeiro dar como praticamente certo que o Banco Central descumprirá a meta de inflação por três anos seguidos, Fabio Kanczuk, que saiu recentemente do órgão e é o novo head de Macroeconomia da ASA Investments, confia que a convergência inflacionária em 2023 é um jogo que ainda dá para o BC jogar. Para ser bem-sucedida, contudo, a autoridade monetária deve ter de continuar o choque de juros no auge da campanha eleitoral - o que não ocorre desde 2002-, com altas da taxa Selic ao menos até outubro, finalizando o ciclo em 14,25% ao ano.

Para Kanczuk, que deixou a Diretoria de Política Econômica do BC em dezembro e esteve à frente da maior parte do atual processo de alta da Selic, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve continuar elevando os juros básicos até ter sinais claros de que o ajuste está freando a economia e a inflação. Isso deve ocorrer no fim do ano, após a "festa total" dos auxílios criados pela "PEC Kamikaze". "Mas, se [a economia] não desacelerar, o BC continua [subindo]. Que é o que tem acontecido nos últimos meses", alerta, em entrevista ao Broadcast após assumir o novo cargo na gestora de Alberto Safra no início deste mês.

Até o momento, o BC só sinalizou novo aumento da Selic no Copom da semana que vem, de 13,25% para 13,50% ou 13,75%, e que o juro deve ficar mais restritivo por mais tempo para alcançar uma inflação ao redor do centro da meta em 2023 (3,25%, banda até 4,75%), ante sua projeção atual de 4,0%.

Com o Brasil mais adiantado na alta de juros, Kanczuk ainda analisa que o País deve ter um freio econômico antes dos EUA, apesar dos temores atuais no mercado de que a economia americana já pode estar em recessão.


Foto: Leonardo Martins

Leia abaixo os principais pontos da entrevista:

Broadcast: Qual é a expectativa para esta nova fase no mercado financeiro? Qual foi o diferencial do projeto da ASA?

Fabio Kanczuk:
Sempre conciliei dar aula na USP com ficar no mercado, já tinha uns 15 anos de mercado financeiro antes de ir para o governo, para [o Ministério da Fazenda]. O diferente dessa vez é que, antes de ir para o governo, eu acho que o que me diferenciava era a modelagem e a identificação de choques, o que aperfeiçoei um pouco no BC. Mas tem algo diferente agora é ter visto a "cozinha", ver como a coisa funciona. Quando o mercado cisma com alguma coisa, eu tenho mais chances de perceber se está cismando com algo relevante ou não. Em relação à ASA, tem duas coisas diferentes: a estrutura e a questão de ser multiestratégia. O Alberto Safra parte do princípio que quer ter uma tremenda asset daqui a 15, 20 anos e monta um negócio robusto, não tem cara de butique. E também quer ter todas as estratégias aqui dentro. Na área econômica, tenho que tentar atender ou atrapalhar todas elas. Meu trabalho como economista fica mais interessante, difícil.

Broadcast: E tem algo que o mercado está cismando agora que o senhor tem uma avaliação diferente?

Kanczuk:
Em política monetária em particular, a impressão que eu tenho de forma geral é que as pessoas estão meio entendendo o sinal do BC de preocupação com a ancoragem de inflação e a falta de sinais da política monetária na economia, embora veja um pouco de confusão sobre quanto os números que o BC coloca nas projeções são ou não relevantes para a tomada de decisão.

Broadcast: Mas a Focus indica que o BC não está convencendo o mercado sobre alcançar a meta no horizonte relevante. Como avalia a comunicação do BC?

Kanczuk:
A verdade é que todo mundo, inclusive eu, está tentando ganhar dinheiro. Então, enquanto está ganhando dinheiro, você fala que o BC está muito bem, quando perde, fala que só faz burrada. Então, por enquanto, para mim, está um espetáculo. Se a ASA começar a perder dinheiro, eu mudo de ideia e digo que o BC está fazendo tudo errado.

Broadcast: Mas as projeções de mercado não demonstram confiança de que o BC vai cumprir a meta em 2023, assim como deve ocorrer em 2022 e já aconteceu em 2021. Ainda é crível cumprir a meta do ano que vem ou o BC já dá sinais de abandono?

Kanczuk:
É um jogo que dá para jogar, sim. O BC, em cada reunião, faz um plano de voo que tem mostrado que dá para fazer a convergência no horizonte relevante naquele momento. Na última reunião, para que isso fosse possível, [o BC disse] que o juro não ia parar em 13,25% [como previa a Focus], ia acima de 13,25% e ficar alto por um período maior. Na Focus desta semana, o juro vai até 13,75%. O BC deve dizer: Não vou fazer 13,75%, vou além e não vou cair tão rápido. Vou ficar mais tempo com o juro alto, é isso que vai fazer a inflação convergir para a meta.

Broadcast: Então, o que o senhor está dizendo é que o BC vai além da sinalização de Selic a 13,75%?

Kanczuk:
Exato. A minha impressão é que sim. O BC tem que tentar perseguir a meta, com 13,75% não vai conseguir. Vai fazer plano de voo que vai acima de 13,75%. O atual "forward guidance" é sem compromisso, é só um plano de voo que pode ser completamente alterado e que foi alterado um monte de vezes durante este ano. O BC fala uma coisa e faz outra, porque não prometeu, era só uma ideia inicial que depende dos dados. Mas, em termos de plano de voo, o BC deve falar que vai além de 13,75%, e que, na reunião seguinte, deve aumentar de novo, talvez com uma magnitude menor, mas não dá para parar em 13,75%. Depois, se vierem dados muito bons de inflação, até pode parar, mas não é o plano de voo que o BC deve indicar no Copom da semana que vem.

Broadcast: E quando o ciclo terminaria?

Kanczuk:
Minha impressão é de que o BC continua subindo até ver sinais claros de que a política monetária está tendo efeito. Eu achava que a economia brasileira já tinha que estar desacelerando, mas ainda não está. Já tem juros o suficiente para fazer a economia desacelerar. Agora tem o dinheiro que vai cair na conta, os R$ 600 [Auxílio Brasil], o [vale] para taxistas... A festa total, todo mundo com dinheiro. No terceiro trimestre, vai ser muito difícil a economia desacelerar. Isso confunde mais o que está acontecendo. Meu chute é que, no quarto trimestre, vai dar para ver finalmente a economia desacelerar. Aí o BC vai ter tranquilidade para parar. Mas, se não desacelerar, o BC continua também, que é o que tem acontecido nos últimos meses. O BC fala: bem que eu queria parar, mas não dá.

Broadcast: Qual é o cenário oficial da ASA?

Kanczuk:
Nosso cenário básico, é de Selic a 14,25%, terminando em outubro, então com uma alta de 0,50 ponto porcentual em agosto, para 13,75%, 0,25 ponto em setembro e 0,25 ponto em outubro. A outra reunião é em dezembro, quando o BC já deve ver a desaceleração [da economia], e aí para.

Broadcast: Como membro recente do BC, acredita que a independência fará diferença para dar conforto ao BC para continuar o ciclo de alta de juros no auge da campanha eleitoral?

Kanczuk:
No nosso cenário interno, o BC sobe os juros durante a eleição, o que não é uma coisa típica. Eu diria que tem um efeito da autonomia. Mas o grande efeito é na troca de governo. Imagina se acontecer de o Lula ganhar, vai ter a continuidade da mesma diretoria, o Roberto [Campos Neto, presidente do BC] continua tocando a política monetária, independentemente do governo. É um ganho imenso.

Broadcast: Mas, como a alta de juros é impopular, não tem o risco de o BC ficar muito na mira dos discursos acalorados dos candidatos?

Kanczuk:
Eu acredito que vai ter esse risco, talvez tenha um pouco de reclamação. Mas a impressão que eu tenho por ter passado por lá e ter subido tanto juro, de 2% até 10%, sem nenhuma reclamação, é que não deve ter pressão política de verdade. Não vejo que foi a autonomia que fez isso. Mesmo antes da autonomia, ninguém reclamava, sempre tivemos liberdade para subir os juros.

Broadcast: Segundo sua projeção, a Selic vai atingir o mesmo pico do ciclo anterior, de 14,25%, quando o descontrole fiscal foi apontado como motivo para um juro tão alto. É o mesmo caso agora?

Kanczuk:
É, coincidiu de serem os mesmos 14,25%. É igual à outra vez? É mais apertado do que da outra vez, porque agora temos juro neutro mais baixo. Teve uma mudança importante de crédito no Brasil em relação ao crédito direcionado do BNDES. Agora, vai ter um efeito sobre inflação muito mais rápido do que da vez anterior.

Broadcast: Com as sucessivas ofensivas fiscais do governo, ficou famosa a expressão de que o BC era um "passageiro" no combate à inflação. O mais recente pacote bilionário de auxílios às vésperas da eleição mostra que isso é cada vez mais verdade?

Kanczuk:
Não partilho da história do passageiro. Se a política fiscal não está ajudando no combate à inflação, o BC vai ter que fazer mais política monetária. Mas não que ele é passageiro, que não consegue fazer esse trabalho. Pode continuar subindo o juro até a coisa [controle da inflação] acontecer. Então não é tão passageiro assim. É afetado, mas não é uma vítima sem defesa da política fiscal.

Broadcast: Dá para calcular o impacto sobre a inflação da PEC dos Benefícios?

Kanczuk:
O novo estímulo tem um efeito em geral, em termos de números, pequeno, algo como 0,20 ponto porcentual na inflação. É pouco, mas muda muito a sensação de risco. Criou situação em que tem parte institucional mais fraca e que pode caminhar para coisa pior. É mais sensação de que o fiscal piorou e tem que fazer um ajuste no monetário por conta disso.

Broadcast: Qual seria a importância de uma âncora fiscal para a política monetária? E qual o impacto de uma troca ou fim do teto?

Kanczuk:
É muito conveniente ter uma nova âncora, novo teto, nova regra a ser colocada. Isso deve acontecer, não sei qual vai ser a formatação, vai depender de quem vai ganhar a eleição. Do ponto de vista do mercado financeiro, dá um pouco mais de tranquilidade. Está na Constituição. No Brasil, sabemos que é fácil mudar a Constituição, mas demora um pouco, um mês. Tem alguma estabilidade. É o mais forte que a gente consegue no Brasil. Do ponto de vista político, se conseguir sinalizar que, no médio e longo prazo, a dívida é sustentável, gera benefícios hoje, o que é positivo para os governantes.

Broadcast: O BC tem destacado o impacto da inflação importada sobre o cenário difícil de preços no Brasil. O ciclo de alta de juros do Fed deve ajudar o controle da inflação aqui ou o efeito que vem sendo sentido sobre o câmbio deve se sobressair?

Kanczuk:
No curto prazo, prevalece o dólar e a inflação de curto prazo sobe. No médio e longo prazo, ajuda. A economia americana entra em recessão, aí os bens industriais caem e ajuda o Brasil. Como o trabalho do BC tem a ver com o médio e longo, ajuda. O Fed está atrasado e deve demorar, mas eu diria que é positivo para o controle da inflação no Brasil. É claro que a atividade daqui também vai sofrer.

Broadcast: O senhor falou no início sobre seu diferencial de identificar choques e seus efeitos na economia. Depois de dois anos atípicos, qual é o prognóstico para a economia global e local?

Kanczuk:
Os juros já estão em situação restritiva aqui, e, nos EUA, as condições financeiras estão finalmente chegando no nível neutro. Mesmo com os estímulos, a minha impressão é que a economia do Brasil começa a sentir, desacelerar, talvez entrar em recessão mesmo no fim deste ano. Nos EUA, só em meados do ano que vem. Está tendo uma discussão no mercado sobre se a economia americana já está em recessão. A nossa impressão é que ainda não deu tempo de a política monetária estar tão apertada para causar essa desaceleração. Projetamos algo como crescimento do PIB do Brasil de 2% este ano e zero para o ano que vem.

Contato: thais.barcellos@estadao.com
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