Economia & Mercados
26/11/2021 18:10

Entrevista/Daniel Lima: FGC tem colchão confortável para acomodar crescimento das fintechs


Por Cynthia Decloedt

São Paulo, 26/11/2021 - Apesar do aumento expressivo das fintechs, que oferecem opções de crédito e investimentos a um número crescente de pessoas, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), associação privada que tem como missão dar estabilidade ao sistema financeiro, não enxerga ameaça.

"A participação das fintechs no mercado de concessão de crédito é relativamente pequena, portanto, a maior presença delas no sistema não gera preocupação", conta o diretor-executivo do fundo, Daniel Lima, em entrevista ao Broadcast. Ele defende que, mesmo com a expansão futura ainda maior com a entrada do Open Banking e do Open Finance, o colchão de reservas do FGC é grande o suficiente para cobrir situações de instabilidade bastante severas por alguns anos.

O FGC garante depósitos à vista e investimentos em CDBs, RDB, LCI, LCA e poupança até o limite de R$ 250 mil para pessoas físicas e pessoas jurídicas em situações de quebra da instituição financeira.

Em conversa com o Broadcast, Lima falou também sobre a agenda do FGC para 2022 e defendeu a atuação do fundo durante o período de intervenção determinada pelo Banco Central no banco Cruzeiro do Sul, em 2012. "Era o melhor jeito de atuar para aquela circunstância".

Veja abaixo os principais trechos da conversa.


Daniel Lima, diretor-executivo do FGC/Foto: Edu Viana/Divulgação

Broadcast: Como o FGC vê o crescimento das fintechs e de outros novos entrantes no sistema financeiro?

Daniel Lima:
Estamos acompanhando porque implica alguma mudança na dinâmica do cenário do mercado bancário. Por mais que as fintechs tenham ganhado proeminência no noticiário, a concessão de crédito continua concentrada e as fintechs não mudaram ainda essa dinâmica. Temos acompanhado de perto, mas o fato é que um grande fator de atenção é essa dinâmica de concessão de crédito e como os negócios vão reagir a aumento de inadimplência. Não vemos muitas fintechs atuando nesse mercado. Esse é o aspecto que tem maior potencial de risco sistêmico, assim como se as fintechs vão emitir ou não produtos de captação cobertos pelo FGC, como CDBs, RDB, LCI, LCA, poupança, depósitos à vista, isso é o que temos acompanhado.

Broadcast: Mas elas já não fazem isso?

Lima:
Muitas delas são instituição de pagamento e os recursos captados junto ao público, por regulação, são investidos em títulos públicos ou depositados junto ao Banco Central. Título público não é um ativo coberto pelo FGC. Nem todas fintechs são, no entanto, instituição de pagamento. Algumas têm suas financeiras e podem emitir RDBs para concessão de crédito. Esse produto passa a ser coberto pelo FGC.

Broadcast: Como o FGC está efetivamente acompanhando a evolução e a expansão das fintechs?

Lima:
Temos diálogos muito próximos com as fintechs e com o Banco Central. Acompanhamos o tema internacionalmente, por meio do IADI, organização internacional dos fundos garantidores, e estamos envolvidos nessas discussões. Nossos times de análise fazem acompanhamentos técnicos, de balanços e junto aos times de gestão das associadas. Por meio desse acompanhamento, conseguimos mapear como está o peso das fintechs no mercado de crédito.

Broadcast: Como o FGC entende que essa abertura do mercado promovido pelo Banco Central, mais recentemente, com a implantação do Open Banking e do Open Finance, pode mudar o papel e o modus operandi do fundo?

Lima:
Não acho que muda, é uma agenda que acontece no mundo inteiro e, junto aos fundos garantidores, temos discutido o nosso papel. Mas o papel é o mesmo, de ajudar a manter a estabilidade financeira. Não sabemos ainda qual cenário irá se configurar. Podemos ter mercados maiores e mais pulverizados e, mesmo que a frequência de eventos de quebras bancárias seja constante, se tiver mais players, em números absolutos, isso pode ser maior. Nós só vamos ganhar mais visibilidade para a sociedade e, por isso, é importante ter uma reserva robusta como temos no Brasil para enfrentar eventuais momentos de maior turbulência do mercado.

Broadcast: Isso implicaria em o FGC aumentar seu fundo de reserva?

Lima:
Não. O FGC foi projetado com reservas bastante robustas. Obviamente, estamos sempre discutindo isso com associadas, Banco Central e consultorias para avaliar o tamanho da reserva do fundo, mas estamos bem dimensionados para enfrentar eventos bastante severos.

Broadcast: Mesmo com um mercado maior?

Lima:
Exato, obviamente que precisamos estar sempre atentos para ver se essa mudança acontece de forma mais rápida do que esperamos. Mas o que temos de visão de mercado é que os ajustes que vamos promover vão andar pari passu com os movimentos do mercado. Temos capacidade de aguentar uma mudança até mais acelerada do mercado.

Broadcast: Quais ajustes?

Lima:
Talvez ajustar patamar de contribuição. Mas não existe nenhuma conversa nesse sentido justamente porque achamos que o sistema está bem dimensionado para como entendemos que vai ser a dinâmica de mudança ao longo dos próximos anos. Não há nada mapeado nem de cobertura nem de contribuição.

Broadcast: O FGC tem fintechs entre os associados e qual é o critério para uma instituição ser associada do fundo?

Lima:
Temos newbancos - o Nubank, o Banco XP e o Inter são associados. A partir do momento que uma instituição começa a emitir instrumentos cobertos pelo FGC, automaticamente, tem de ser sócia do fundo. Estamos bem amarrados nisso. A contribuição é equivalente a 0,012% ao ano dos depósitos elegíveis.

Broadcast: Qual a agenda do fundo para 2022?

Lima:
Temos uma agenda de aprimoramentos operacionais, reduzindo o tempo para realizar o pagamento dos beneficiários no caso de quebra de instituição financeira. Já demos importantes passos, por meio do nosso aplicativo. Já conseguimos fazer os pagamentos da cobertura em dois dias úteis, antes eram semanas. Estamos trabalhando para facilitar a etapa de compilação da lista de credores em espaço de tempo mais curto. Na agenda está também ficar mais próximo do mercado para realizar uma assistência de liquidez se demandada, voltada a instituições solventes, que tenham problemas de liquidez e podemos realizar operações de assistência de liquidez para elas, financiando esse desencaixe mediante a apresentação de garantias.

Broadcast: Existe muito litígio contra o FGC envolvendo o Cruzeiro do Sul.

Lima:
O litígio nasce de uma operação de assistência de liquidez e de capital. As operações foram realizadas com o objetivo de sanear o banco e dar estabilidade. Nem sempre esta operação é feita para que os controladores permaneçam os mesmos. Ou mesmo para que o banco continue existindo, para que saia de forma organizada do mercado, porque se ela chegou até a gente, problemas foram detectados. Depois realiza a operação e o resultado causa insatisfação. Outras operações foram feitas e não foram questionadas. Isso é insegurança jurídica. O caso do Cruzeiro do Sul era o melhor jeito de atuar para aquela circunstância. Se viermos a ter outro caso, a solução será adaptada à nova situação. A limonada que fazemos com o caso do Cruzeiro do Sul é como podemos escrever melhores contratos e identificar o que a Justiça está considerando para termos melhores redações de modo que não revivamos discussões já sanadas no passado.

Broadcast: Por exemplo, o FGC sentar na cadeira do banco? Foi algo questionado e pode não ter sido uma boa experiência?

Lima:
Não vou particularizar nenhum ato porque foram atos específicos. O que teria acontecido se o FGC não tivesse sentado na cadeira? O que teria acontecido com o banco e para os outros credores? Não temos esse contrafactual, tem um contexto específico dos motivos e do que se esperava de desfecho para a história. Não tem lições gerais, de escolhas, mas como escrever melhores contratos de concessão de liquidez e mais claros.

Broadcast: Se houver uma situação então em que o melhor desfecho para o sistema for sentar na cadeira de administração de um banco que está falindo, haveria resistência no FGC?

Lima:
O Banco Central tem a prerrogativa de determinar quem vai fazer a liquidação. Vai ser caso a caso. O FGC existe para minimizar os custos para a sociedade e as decisões tomadas são numa estratégia para que a sociedade arque com menor custo e, para isso, quem precisa arcar com esse custo são os controladores. Esse é o grande mote. Tem de analisar situações específicas e particulares.

contato: cynthia.decloedt@estadao.com
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