Economia & Mercados
23/12/2021 15:16

Especial: Setor químico enseja o maior déficit comercial de sua história em 2021


Por Wagner Gomes

São Paulo, 23/12/2021 - O déficit na balança comercial de produtos químicos, que chegou a US$ 42,2 bilhões até novembro, pode passar de US$ 48 bilhões em 2021, o pior na história. A pandemia praticamente não afetou o segmento, mas com a falta de investimentos na produção, a importação aumentou bastante. Segundo participantes desse mercado, essa situação só vai mudar quando o ciclo de investimentos voltar com força.

O problema é que na indústria petroquímica, por exemplo, os investimentos de porte não foram retomados e não se sabe quando isso pode acontecer, principalmente por conta do alto custo das matérias-primas e da energia, que prejudicam a competitividade da indústria em relação aos pares internacionais. Tem ainda a aproximação das eleições no ano que vem e as incertezas econômicas.

"Há dúvidas sobre a estratégia de investimentos dos próximos donos da Braskem, a maior petroquímica brasileira, que está à venda. E também os passos que podem dar os atuais proprietários da Oxiteno, que foi vendida pela Ultrapar neste segundo semestre para o grupo tailandês Indorama", diz o sócio-fundador da consultoria MaxiQuim, João Zuneda.

A petroquímica transforma subprodutos de petróleo bruto, principalmente nafta ou gás natural, em bens de consumo e industriais. Zuneda diz que há muitos anos não há novos investimentos no setor e é difícil identificar o movimento que vai acontecer no curto prazo. Para ele, existem "espasmos de melhoria" que ajudam a indústria petroquímica a sobreviver, mas é preciso reformas estruturantes para incentivar a produção local.

"Já está na hora do Brasil voltar a investir no setor petroquímico. E para se criar um ambiente saudável é preciso arrumar essa questão estruturante, é preciso dar mais velocidade às mudanças que o setor precisa. Temos grandes empresas como a Braskem e um parque fabril forte. Mas as companhias só se mantêm fortes no longo prazo com investimento. Do contrário, perdem espaço", comenta o analista.

Ciro Marino, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), diz que o Brasil precisa reduzir a carga tributária para se manter competitivo. Outra questão é o preço dos insumos. A nafta no Brasil é 14% mais cara que a média dos países membros da OCDE, a organização para cooperação e desenvolvimento, que inclui Alemanha, Espanha, França, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos. O custo do gás natural por aqui é muito maior, 300% a mais do que o americano, segundo ele. A energia elétrica tem um preço ainda mais alto, de 400%, em relação aos Estados Unidos.

"Temos esse vento contra, o preço dos insumos, que por aqui é muito maior", afirma Marino.

Segundo ele, também falta incentivo para a indústria brasileira. Diferentemente de outros países, o Brasil quer eliminar os benefícios que tem dado ao setor químico. Criado pelo governo federal em 2013, o Regime Especial da Indústria Química (REIQ) continua funcionando, mas será descontinuado de forma gradual em 4 anos. Marino explica que a indústria americana é aproximadamente 5 vezes maior que a brasileira, mas o seu incentivo (o Reiq americano) é 15 vezes maior que o brasileiro.

"Para haver um equilíbrio, a indústria brasileira precisaria triplicar o seu Reiq para enfrentar de maneira igualitária os americanos. A parte boa é que o Brasil tem a sua indústria entre as melhores do mundo em tecnologia e eficiência. O país só precisa, portanto, fazer uma reforma tributária, buscar uma equalização fiscal e trabalhar os custos dos insumos", comenta o presidente da Abiquim.

Fator eleições

Marino também cita o ano eleitoral em 2022 e diz que a tensão e a falta de previsibilidade podem prejudicar os investimentos com a desvalorização da moeda e os impactos inflacionários, com seus consequentes aumentos da taxa de juros. Segundo ele, o ciclo de investimento na indústria química leva de 8 a 12 anos. Isso significa passar por pelo menos dois governos desde a idealização de um produto até o retorno sobre o capital investido. Assim, previsibilidade, segurança jurídica e política industrial são imprescindíveis.

"Não se pode, portanto, ficar sujeito a estratégia de governo. Você lança uma fábrica e não sabe que Brasil vai encontrar adiante. Assim, o capital, que é muito intensivo na indústria química e petroquímica, não vem pra cá", comenta.

Maurício Russomanno, presidente da Unipar, produtora de cloro, soda e PVC, diz que há sempre um dilema na América do Sul de acesso à matéria-prima com preços competitivos. Eletrointensiva, a indústria de cloro-soda depende muito da energia elétrica, que no Brasil é bem mais cara que nos Estados Unidos, diz.

"Os preços dos nossos insumos estão em desvantagem em relação aos Estados Unidos, nosso principal concorrente. O preço da energia elétrica nos EUA é 5 vezes menor que o nosso. O gás de xisto, matéria-prima para fazer etileno e PVC, também é mais barato por lá", comenta.

Russomanno explica que é muito difícil construir no Brasil plantas de escala global. Ele comenta que nos últimos anos a Unipar ficou com capacidade ociosa por falta de oportunidade de entrar em outros mercados de forma competitiva tanto em PVC quanto em soda cáustica. O uso da capacidade instalada nos últimos anos ficou em 50% a 60%, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abicloro).

"Isso é uma perda. A gente não faz fábricas maiores em escala global porque não tem matéria-prima competitiva. Somos a quinta maior indústria química do mundo, mas podemos fazer muito mais. Poderíamos teoricamente fazer fábricas maiores para atender demandas do Brasil e entrar no mercado mundial", afirma.

No início da pandemia, a venda de PVC no Brasil caiu muito com a paralisação das obras pelas construtoras por conta das medidas de isolamento. A situação começou a melhorar em junho do ano passado e a Unipar, que não paralisou as suas atividades, teve estoque suficiente para atender a demanda. Com as vendas voltando a crescer, a perspectiva para o ano que vem continua sendo de melhora para a Unipar, que diz ter capacidade para atender os novos pedidos.

No mês passado, a Unipar Carbocloro informou que vai investir R$ 100 milhões para projeto de ampliação da capacidade de produção no Brasil. O valor será usado por sua controlada indireta Unipar Indupa na planta de São André (SP) para construção de um forno de ácido clorídrico com capacidade de 91 mil toneladas ao ano e início estimado de operação para o segundo semestre de 2023. O projeto prevê ainda a ampliação da produção de cloro, em 29 mil toneladas ao ano, e de soda cáustica, em 32 mil toneladas ao ano, na unidade. Com o investimento, a companhia aumentará sua capacidade instalada de produção no Brasil para 545 mil toneladas de cloro, 615 mil toneladas de soda cáustica e 755 mil toneladas de ácido clorídrico.

Braskem

Procurada, a Braskem não se manifestou por estar em período de silêncio. Líder em resinas e químicos no Brasil, a companhia tem 28 plantas no País. No México, onde é a primeira em polietileno, são quatro plantas. Nos Estados Unidos, onde está à frente com a produção de polipropileno, são sete unidades. Na Europa, a Braskem tem duas plantas, além de um escritório commercial na Holanda.

De olho na venda, a petroquímica vem fazendo investimentos para entregar a companhia sem problemas aos novos donos. A empresa informou em outubro que a sua controlada Braskem Idesa (BI) obteve as aprovações societárias, incluindo a aprovação final dos seus acionistas e credores, em relação ao aditivo ao contrato de fornecimento de etano assinado com a PEMEX, como anunciado em setembro. Também foi aprovado o convênio com medidas de apoio para construção de terminal de importação de etano assinado com a Petróleos Mexicanos, PEMEX Logística e outros entes governamentais.

No último dia 08, a Braskem informou que, por meio de sua subsidiária Braskem Netherlands B.V., firmou um Memorando de Entendimento (MoU) com a Lummus Technology LLC para o licenciamento conjunto da tecnologia de eteno verde da Braskem (conversão de etanol em eteno) para dois projetos em diferentes regiões do mundo: um projeto em desenvolvimento na América do Norte; e o projeto em análise na Tailândia, divulgado pela companhia em setembro, no caso seja implementado. Este projeto na Tailândia está sujeito às aprovações dos respectivos órgãos de governança competentes.

"Existem investimentos estratégicos e financeiros. Normalmente, o investidor financeiro busca maximizar o resultado em um menor prazo possível para, quem sabe, mais adiante revender o negócio. Assim, nos investimentos de médio e curto prazo, o que estiver na boca do forno para entrar em produção não vai parar. Agora, se há projetos de mais longo prazo, eventualmente, eles podem ser congelados por algum tempo, a depender de quanto dinheiro já foi alocado", diz Marino, da Abiquim.

Contato: wagner.gomes@estadao.com
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