Economia & Mercados
08/12/2023 14:27

Entrevista/IFC/Alfonso Mora: 'Não há luta contra mudanças climáticas sem Brasil como líder'


Por Aline Bronzati, correspondente

Nova York, 07/12/2023 - Em recente visita ao Brasil, o vice-presidente de Europa, América Latina e Caribe da Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), braço de investimentos privados do Banco Mundial, Alfonso García Mora, gostou do que viu. Diferente das tensões que encontra em suas viagens pelo mundo entre o setor privado e público quando o assunto é a agenda climática, notou um alinhamento maior e melhor do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as empresas sobre o tema.

O especialista alerta, porém, que o esforço precisa ser rápido e global, pois o mundo está bem distante de alcançar os objetivos climáticos traçados até 2030. Para Mora, o Brasil é fundamental nesta missão. "Eu não vejo uma luta contra as mudanças climáticas se o Brasil não tiver papel fundamental. É o país líder no mundo para lutar contra as mudanças climáticas", diz o vice-presidente do IFC, que está em Dubai esta semana, participando da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28).

Em sua visão, é preciso criar um ambiente propício para que investidores sentados em Wall Street ou do outro lado do Atlântico vejam mais vantagem para apoiar projetos da agenda climática. Isso passa por eliminar subsídios a combustíveis fósseis, elevar o volume financiamento misto, entre os agentes públicos e privados, e criar padrões para essa classe de ativos, evitando o "greenwashing".

Neste sentido, a aprovação do projeto de lei sobre eólicas offshore na Câmara dos Deputados, na semana passada, com a extensão de subsídios a usinas a carvão, "não faz nenhum sentido", diz. Abaixo, os principais trechos da entrevista, publicada em duas partes:



Broadcast: Quais são as suas expectativas para a COP28?

Alfonso García Mora:
Depende de como você quer ver o copo, se meio cheio ou meio vazio. Quando olhamos os grandes números, é claro, é muito frustrante. As emissões devem diminuir 43% até 2030 para alcançarmos nossos objetivos climáticos. Basicamente, deveríamos emitir metade do volume de hoje. E estamos no caminho para reduzir as emissões em 2%. Ou seja, 43% versus 2%? Isso é nada perto do que precisamos. E temos de investir US$ 400 bilhões por ano até 2030 para adaptar a economia ao que está por vir e ainda não chegamos lá. Tem esse fundo inicial que o Banco Mundial irá gerir. Estamos falando de alguns milhões de dólares, talvez, US$ 1 bilhão, mas quando comparamos o que é necessário e o que estamos fazendo, estamos muito longe. Os grandes números que temos de ter em mente são US$ 2,4 trilhões em investimentos para endereçar as mudanças climáticas, sendo 80% vindo do setor privado e os 20% restantes do setor público.

Broadcast: O senhor vê o setor privado com esse apetite?

Mora:
O problema é que o setor privado não investirá se as condições não estiverem apropriadas. As pessoas dizem que o setor privado não está fazendo o suficiente. Está, mas precisamos criar as condições para a entrada do setor privado. Temos mais de US$ 400 trilhões em ativos sob gestão de investidores institucionais. Estamos falando em investir US$ 2,4 trilhões. Isso representa 0,5% ao ano do que será necessário, o que não é tão ruim. Há esse dinheiro no mundo para investir. Mas o problema é como convencer esses investidores em Wall Street ou em outro lugar do mundo para, em vez de comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos ou emitidos pelo Wells Fargo para investir no Brasil, em financiamento climático, ou em Ruanda ou na Indonésia. Essa é a questão chave: como movemos esse capital chave para onde é necessário.

Broadcast: Como?

Mora:
Precisamos nos mover muito mais rápido. Ainda não fizemos nada, não temos muito tempo. Então, o que pode ser feito? Acho que há uma combinação de coisas. Primeira: precisamos pressionar muito mais o setor privado e o público para criar um ambiente propício. O que quero dizer com isso? Remover os subsídios positivos. Quase todos os países no mundo e, em especial, os em desenvolvimento, têm subsídios para os preços do gás, do petróleo ou da gasolina para que as pessoas consumam pagando menos. Eu discordo. Com esses subsídios, você nunca vai tornar competitiva a produção de energia solar ou eólica. Não podemos mais subsidiar os combustíveis fósseis. E, por isso, a precificação de carbono, a taxonomia são superimportantes para que possamos tributar os mais poluentes. Precisamos mudar os incentivos, criar os regulamentos.

Broadcast: E os outros pontos?

Mora:
A segunda parte é o financiamento público e privado. Nós precisamos de mais financiamento misto. Por quê? Porque não é fácil criar um projeto financiável em um país sem condições. O risco percebido por um investidor institucional sentado em Nova York ou em Londres é muito elevado. Eles vão cobrar um enorme custo de capital para fazer esse investimento. Então, de alguma forma, precisamos reduzir o risco desses investimentos. A última parte é a criação de padrões. Você, eu e os dirigentes do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês, conhecido como o "banco central dos bancos centrais") temos de falar a mesma língua quando vamos tratar de "green bonds". Temos de evitar o "greenwashing". E hoje temos muitos diferentes padrões no mundo. Precisamos de padrões, de taxonomias que realmente ajudem o investidor institucional a ter uma classe de ativos que seja reconhecida em qualquer lugar do mundo.

Broadcast: E como o senhor vê o Brasil neste contexto?

Mora:
Eu não vejo uma luta contra as mudanças climáticas se o Brasil não tiver papel fundamental. É o país líder no mundo para lutar contra as mudanças climáticas. Existem outros também que precisam fazer o seu trabalho, países em desenvolvimento, a China, mas para questões diferentes. Mas, no fim do dia, o Brasil pode liderar a agenda dos países em desenvolvimento.

Broadcast: Por quê?

Mora:
Nós investimos no Brasil. No ano passado, foram mais de US$ 6 bilhões no setor privado e mais da metade que investimos é em finanças climáticas. Por que eu acho que o Brasil tem que fazer muito? Primeiro, porque, claro, tem a Amazônia, que representa 20% da água doce do mundo e 40% do restante da floresta tropical que existe. Sem a Amazônia, o mundo não existe. O Brasil também pode fazer com que o mundo faça as coisas de uma forma que a gente também gere desenvolvimento e não só a sustentabilidade. Cerca de 40% da população da Amazônia vive abaixo da linha da pobreza. Temos dois desafios na região. É fundamental criar ecossistemas e uma estrutura socioeconômica e de desenvolvimento que permita a estas pessoas trabalhar e progredir, ao mesmo tempo que o fazem em indústrias sustentáveis. E o Brasil tem capacidade para fazer isso porque tem o laboratório e pode mostrar ao mundo que é possível unir a sustentabilidade ao desenvolvimento. Não vejo um sem o outro.

Broadcast: E qual o segundo ponto?

Mora:
Em segundo lugar, o Brasil tem capacidade e apetite de inovação, "intraempreendedorismo", para realmente estar na vanguarda desta agenda. Quando eu vejo a capacidade que existe no Brasil, e as condições de mercado, é possível inovar. O Brasil está explorando o hidrogênio verde, tem um setor bancário muito forte e pode estabelecer um mercado de crédito de carbono que pode ser um ativo-chave. Se eu tivesse uma multinacional, eu consideraria ir para o Brasil para gerar e vender crédito de carbono para o resto da minha empresa.

Broadcast: O senhor tem visto esse apetite em empresas dos EUA ou da Europa?

Mora:
Existem empresas do setor de manufatura, agronegócios, que já estão considerando isso e que veem no Brasil um super valor agregado em relação a qualquer outro país no mundo.

Broadcast: Qual a expectativa de financiamentos climáticos para o Brasil no ano fiscal vigente?

Mora:
No último ano fiscal, fizemos mais de US$ 6 bilhões e queremos manter metade do volume destinado a financiamentos climáticos. Antes, a IFC fazia entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões por ano [no Brasil]. Neste ano, esperamos fazer o mesmo. Eu gostaria de contar no próximo ano que fiz US$ 7 bilhões, mas prefiro não prometer mais e assumir outros US$ 6 bilhões neste ano fiscal.

Broadcast: E quais as expectativas de financiamentos durante a COP28?

Mora:
O importante é mantermos o foco em inovação. Vou dar um exemplo. Na Ásia, a poluição no oceano é incrível, a quantidade de plásticos nos rios é enorme. Então, quando eu era vice-presidente para a região, criamos as diretrizes, assim como buscamos a economia verde para os "green bonds", para ter uma classe de ativos sustentáveis para o uso da água: os "blue bonds". Pedimos a aprovação da ICMA (sigla em inglês parta Associação Internacional de Mercado de Capitais), eles aprovaram e agora estamos implementando na América Latina. Fizemos um "blue loan" (empréstimo azul) com a Sabesp no ano passado e estamos discutindo com outras empresas de saneamento de água, até agora é confidencial, mas de outras cidades do Brasil. A água é crítica, é o ouro da próxima geração, na minha visão. Então, temos o verde, o azul e agora temos um terceiro tipo de classe de ativos, que é o de biodiversidade.

Broadcast: Como seria isso?

Mora:
A natureza não é só o azul e o verde, mas também biodiversidade. Estamos criando o mesmo tipo de diretrizes para ter uma taxonomia temática, títulos de dívida temáticos. Esse, provavelmente, é o futuro. E eu realmente acredito que eles vão nos ajudar a fechar o "gap" quanto à necessidade de financiamento hoje.

Broadcast: E o Brasil tem um enorme potencial em diferentes temáticas?

Mora:
Sim, em todas.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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