Política
18/10/2021 08:33

Entrevista: Bolsonaro tem que parar de culpar governadores e agir, avisa frente do caminhoneiro


Por Amanda Pupo

Brasília, 17/10/2021 - A nova ameaça de greve dos caminhoneiros carrega um contexto diferente dos últimos esforços da categoria, que, depois do movimento de 2018, falhou nas tentativas de paralisar o País em prol de suas pautas. A avaliação é do presidente da Frente Parlamentar Mista do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, deputado Nereu Crispim (PSL-RS), para quem há "consistência" nas tratativas atuais. Neste sábado (16), representantes de caminhoneiros decidiram declarar "estado de greve" e ameaçam parar o País a partir de 1º de novembro caso o governo federal não atenda às suas reivindicações.

Em entrevista ao Broadcast, Crispim afirmou que o presidente Jair Bolsonaro precisa parar de transferir a responsabilidade do preço dos combustíveis aos governadores, com "projetos politiqueiros e eleitoreiros", como o que altera a cobrança do ICMS. Para ele, focar nessa proposta do ICMS, aprovada na Câmara e que agora será analisada no Senado, "é gastar energia para tentar iludir a população". A solução, na visão do deputado, é a extinção da política de Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobras e a criação de um fundo de estabilização de preço dos combustíveis.

O deputado explicou que a Frente não se envolveu nos últimos ensaios de greve em razão da pandemia. Agora, há um novo cenário, segundo ele. "Anteriormente, quando eram propostos movimentos, eu falava, 'estamos vivendo pandemia, isso não vai ficar bem explicado para a população, vai cheirar como oportunismo'. No momento, boa parte da população está vacinada", afirmou o presidente da Frente, que se apresenta como um potencial interlocutor entre os caminhoneiros e representantes do governo.

Para Crispim, o Executivo precisa mostrar que está disposto a fazer algo efetivo pela categoria e, assim, conseguir desmobilizar uma eventual paralisação. O deputado do PSL, que está em seu primeiro mandato, também faz críticas duras à postura que Bolsonaro e aliados tiveram ao envolver os caminhoneiros nos protestos antidemocráticos do 7 de Setembro. "Tentaram usá-los como bucha de canhão para atentar contra a democracia".

Confira os principais trechos da entrevista com o deputado:

Broadcast: Como a Frente vai agir nesse 'estado de greve'? Será uma interlocutora entre a categoria e o governo?
Nereu Crispim:
Isso. Eu era oriundo do setor de transporte, participei da paralisação de 2018. O principal motivo hoje desse movimento é realmente o aumento desenfreado dos combustíveis. Não tem realmente mais como sustentar os custos desses aumentos. Então, uma das bandeiras da categoria é fazer com que a Petrobras e o governo mudem a política de preço da Petrobrás.

Broadcast: Mas o que o governo pode efetivamente fazer?
Crispim:
Tem várias alternativas. Eu mesmo tenho um projeto de lei para criar um fundo soberano de estabilização para que haja amortecimento quando houver aumento dos combustíveis. Sei do grande problema em se fazer uma paralisação, que pode afetar a vida das pessoas. Temos que ter um pouco de serenidade. Eu falei [aos caminhoneiros], vocês precisam dar um prazo. E a categoria também se sente traída em função daqueles eventos do dia 7 de Setembro, quando tentaram usá-los como bucha de canhão para atentar contra a democracia.

Broadcast: O problema surgiu de onde? O próprio presidente envolveu os caminhoneiros nisso?
Crispim:
Eles precisavam de algo que gerasse impacto perante a sociedade. E, como em 2018 viram a força de paralisar o modal no Brasil, acharam que podiam usar os caminhoneiros para seu intuito, como se todos estivessem a favor daqueles atos antidemocráticos. Não eram pautas dos caminhoneiros. Após o dia 7 de setembro, houve conscientização da categoria. Na carta de Brasília [produzida após encontro da categoria em 18 de setembro], houve uma unificação das pautas dos caminhoneiros. Eu, como parlamentar, estou à disposição de todas as partes, atores, para realmente resolver o problema.

Broadcast: Para tentar evitar a paralisação?
Crispim:
Exatamente. Mas o governo tem que demonstrar que está disposto a fazer algo.

Broadcast: Foi dado, pelos caminhoneiros, um prazo de 15 dias para o governo. Em relação ao diesel, o que vocês acham que o governo pode fazer de concreto?
Crispim:
O presidente Bolsonaro tem que ter a coragem de, com medidas provisórias, tirar o Preço de Paridade de Importação (PPI), criar esse fundo soberano, e deixar de atender ao lobby dos importadores. Mudar essa política onde as petrolíferas levam o petróleo bruto e pagam quase nada de imposto. O presidente tem que parar de transferir a responsabilidade aos governadores, com projetos politiqueiros e eleitoreiros, como esse de reduzir o ICMS. Essa proposta [aprovada na Câmara] é gastar energia para tentar iludir a população de que o governo está fazendo algo. Os tais 8% que eles alegam que irá reduzir vão ser engolidos em no máximo 40 dias pela variação do dólar e do barril do petróleo.

Broadcast: Sobre a ideia já ventilada de fazer um fundo de estabilização a partir dos dividendos pagos à União, isso não é bem-vindo?
Crispim:
Não. Aquilo ali é mais algo aleatório e paliativo que vai continuar beneficiando bancos e aplicadores das bolsas de valores.

Broadcast: Mas por que ele não funcionaria?
Crispim:
O fundo que eu proponho criar é a partir de impostos que teriam de ser pagos a partir do petróleo bruto exportado. Qualquer solução que parte de condicionar a qualquer índice internacional, tanto de ações, dividendos, não vai ser condizente com a realidade brasileira.

Broadcast: Essa união que o senhor comentou das várias entidades, primeiro em setembro e agora em outubro, faz com que esse movimento se diferencie das outras ameaças de paralisação? Porque em nenhum outro momento, desde 2018, a categoria conseguiu emplacar uma greve...
Crispim:
Sim. Esse movimento tem uma consistência em função de que as lideranças envolvidas são as de 2018, focadas nas reivindicações. Anteriormente, quando eram propostos movimentos, eu falava, estamos vivendo pandemia, isso não vai ficar bem explicado, vai cheirar como oportunismo. Agora já existe boa parte da população vacinada, reduziu o número de mortos, mas digo, de antemão, estamos à disposição para conversar com o governo.

Broadcast: Hoje ainda estamos numa situação econômica difícil…
Crispim:
É que o caminheiro está numa situação em que ele sai com uma carga do Rio Grande do Sul e, no meio do caminho sobe o diesel, ele já perdeu 5%, 6%, 7%, 8%, 10% daquele faturamento que ele estaria ganhando.

Broadcast: Mas ele não consegue transferir isso a quem paga o frete?
Crispim:
Ele não consegue até porque tem um problema de representatividade perante uma grande transportadora e até perante o tomador do serviço dele.

Broadcast: Após criticar a Petrobras, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), abraçou o discurso do presidente Bolsonaro, depositando a culpa pelo preço dos combustíveis nos governadores. Houve uma mudança de postura?
Crispim:
[O motivo é] Eleições de 2022. Estão trazendo politicagem para dentro de um assunto que não é pertinente.

Broadcast: Falando em eleição. O senhor acha que o presidente vai poder contar com o apoio dos caminhoneiros em 2022? Mudou a cenário em relação a 2018?
Crispim:
Mudou. Antes das eleições, Bolsonaro deu a entender, a partir de um vídeo, que estaria se propondo a tratar da categoria se fosse eleito. Fogo de palha. Até porque quem faz a política econômica do País é o ministro Paulo Guedes.

Broadcast: E com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, não houve evolução nas conversas?
Crispim:
Quando o presidente da Petrobras foi à Câmara em audiência, a Frente Parlamentar emitiu um ofício para presidentes da Câmara, Senado e ministros, incluindo Tarcísio. Como não podíamos diretamente participar das perguntas ao presidente da Petrobras, indicamos quatro perguntas. O ministro Tarcísio respondeu que ele, como ministro da Infraestrutura, não tratava de assuntos pertinentes aos combustíveis, que a função dele era tratar de políticas de modal e logística. Então, nesse momento, a categoria dos caminhoneiros não vê no ministro Tarcísio pessoa que venha a tratar e efetivamente dar soluções para as pautas da categoria de 2018.

Broadcast: A questão do DTE avançou (Bolsonaro sancionou em setembro a lei que instituiu o Documento Eletrônico de Transporte). Qual o problema nessa pauta?
Crispim:
É muita conversa, e até agora, na realidade, não se efetivou. Parece que ele traz algum benefício aos grandes transportadores. A emenda solicitada relacionada à fiscalização, o relator nem colocou. Deixou um vazio em relação ao que realmente a categoria pretendia.

contato: amanda.pupo@estadao.com
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