Política
02/03/2022 14:38

Exclusivo: Governo e Congresso querem pagar R$ 3,3 bi em emendas à margem da lei eleitoral


Por Daniel Weterman

Brasília, 02/03/2022 - O governo do presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional se articulam para repassar R$ 3,3 bilhões em emendas parlamentares à margem da lei eleitoral e turbinar a campanha de deputados e senadores neste ano.

A lei proíbe o repasse de emendas nos três meses anteriores à eleição. Uma brecha, no entanto, pode facilitar o pagamento das verbas por meio das transferências especiais, modalidade apelidada de "PIX orçamentário" e "cheque em branco". Os recursos são depositados diretamente no caixa de Estados e municípios para uso livre sem fiscalização federal.

Conforme a legislação, o governo federal não poderá pagar emendas a partir de 2 de julho, quando começa o período conhecido como "defeso eleitoral", até o dia 2 de outubro, data do primeiro turno da eleição. A exceção é para obras e serviços em andamento e com cronograma prefixado, além de situações de calamidade.

A estratégia em curso deve garantir um repasse antecipado das transferências especiais para que o gasto ocorra no meio a campanha. Esse tipo de emenda foi paga pela primeira vez em 2020, quando somou R$ 621 milhões. A adesão aumentou para R$ 2 bilhões em 2021 e vai atingir o recorde de R$ 3,3 bilhões neste ano.

A brecha é possível porque, em outros tipos de emenda, o recurso esbarraria no "defeso eleitoral", pois o dinheiro só é enviado quando uma obra fica pronta ou o serviço é entregue, após a aprovação de atestados, alvarás e propostas dos beneficiários. Na transferência especial, a verba dribla todas essas etapas e é paga de forma direta e antecipada, como um "PIX".

Um estudo da consultoria de Orçamento da Câmara, elaborado a pedido de deputados, enquadra o "PIX orçamentário" na mesma proibição imposta pela lei eleitoral às transferências voluntárias da União, mas aponta uma brecha que só é possível com esse tipo de emenda: o governo federal pode repassar o recurso antes do período de "defeso" e os prefeitos e governadores podem deixar o dinheiro no caixa para gastar durante a campanha conforme a indicação dos parlamentares.

"O procedimento, ao que se percebe, parece contrariar o propósito da regra eleitoral que é o de evitar a utilização eleitoreira de recursos transferidos", diz o estudo. "Aparentemente, a nova modalidade de transferência aproveita-se de uma brecha na redação da lei eleitoral." Para os consultores, "a situação tem potencial de afetar a igualdade eleitoral", aumentando a importância da fiscalização desses recursos.

Parlamentares justificam o uso pela falta de burocracia e o benefício à população na ponta. Especialistas e órgãos de controle, no entanto, veem brecha para corrupção e falta de transparência. O dinheiro não é carimbado para nenhuma área específica e pode ser gasto pelo prefeito em qualquer obra ou serviço público. A fiscalização cabe aos órgãos locais, mas a falta de "carimbo" dificulta o rastreio, na opinião de especialistas.

"As transferências especiais trouxeram um ganho na agilidade do repasse aos demais entes, fato demonstrado pela elevada taxa de execução dessas emendas em 2020. Em contrapartida, poderá haver um déficit de transparência e controle social dos recursos do Orçamento da União", diz a nota técnica. Em 2020 e 2021, praticamente 100% dessas emendas foram pagas no mesmo ano, diferente de outros recursos, que parte fica pendurada para pagamento em anos seguintes.

A Secretaria de Governo e o Ministério da Economia confirmaram o mesmo entendimento ao Broadcast Político, ou seja, as emendas especiais se encaixam na proibição eleitoral, mas poderão ser repassadas antecipadamente e os Estados e municípios poderão gastar o recurso durante a campanha.

O Executivo antecipou à reportagem o cronograma de pagamento das transferências especiais neste ano. O governo pretende desembolsar os recursos em duas rodadas, uma no fim de maio e outra no fim de junho, abastecendo os redutos de deputados e senadores antes da eleição.

Somando todos os tipos de emendas, os recursos com a digital dos congressistas somarão R$ 35,6 bilhões em 2022. Conforme o Broadcast Político revelou, o governo autorizou um pagamento recorde, de R$ 25 bilhões, antes da eleição. A lei eleitoral é um dos impasses para essas transferências, o que tem motivado a articulação de parlamentares para usar brechas na regra.

Em fevereiro, o governo tocou no assunto do "PIX orçamentário" em mensagem presidencial encaminhada ao Congresso, afirmando que "torna-se imperativo debater as transferências especiais", sem afirmar, no entanto, que debate precisa ser feito. Na prática, o Executivo tem desembolsado as emendas conforme a indicação dos parlamentares, sem barrar o uso do modelo.

O Tribunal de Contas da União (TCU) avalia fazer um pente-fino nesses recursos, mas ainda há divergência sobre quais órgãos podem fiscalizar. A análise que predomina entre técnicos é que o controle cabe às instituições locais, como tribunais estaduais e Câmaras de Vereadores, pois a verba passa a "pertencer" ao Estado ou ao município, conforme regra aprovada pelos parlamentares na Constituição. O texto, no entanto, não estabelece nenhuma norma de fiscalização, deixando um vácuo. Em 2019, ao aprovar a proposta que criou as transferências especiais, o Congresso retirou de última hora um dispositivo que entregava a fiscalização para os tribunais locais.

Contato: daniel.weterman@estadao.com
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