Agronegócios
05/05/2022 08:19

Algodão/Abit: alta da fibra e dificuldade de repasse levam fábricas a cortar produção


Por Leticia Pakulski

São Paulo, 05/05/2022 - Indústrias têxteis estão reduzindo a atividade em virtude das altas do preço do algodão e da dificuldade de repasse do custo mais alto da matéria-prima na cadeia, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Segundo ele, este é um dos problemas "mais graves" que o setor enfrenta neste momento no Brasil e no mundo.

"Temos notícias de interrupção de produção em fábricas na Índia e outros países na Ásia. No Brasil, já estamos sentindo uma profunda dificuldade de as empresas conseguirem pagar o preço desse algodão e chegar na ponta repassando esses custos aumentados", disse Pimentel. Segundo ele, a alta do algodão, que chega a 37% no ano, não foi transferida integralmente para o consumidor final, que tem seu orçamento "espremido" pelo quadro de inflação de alimentos e energia. "As empresas estão tentando ajustar a sua produção à capacidade de repassar isso ao mercado e preservar a sua saúde financeira para não entrar numa espiral negativa."

De acordo com Pimentel, há empresas brasileiras que interromperam ou reduziram a produção ou vão dar férias coletivas em um período em que tradicionalmente isso não ocorre em virtude do quadro de venda travada e aumento de custos. Pimentel não estimou qual é a parcela da indústria afetada, mas disse que o impacto é maior em fiações e tecelagens de tecidos mais pesados, que utilizam mais algodão na composição.

O indicador do algodão em pluma com pagamento em oito dias voltou a atingir máxima nominal da série histórica do Cepea iniciada em 1996 ontem, batendo em R$ 7,6459/lb. Nesta quarta-feira, o indicador fechou a R$ 7,6358/lb, queda de 0,13% ante o dia anterior, mas alta de 3,43% no mês. Segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a elevação dos preços externos e valorização do dólar deixaram a cotação da pluma no País apenas 1,5% acima da paridade de exportação na segunda-feira - como comparação, na média de abril, a vantagem do preço interno sobre os de exportação foi de 11,7%. "Compradores com necessidades imediatas e/ou estoque limitado precisaram ceder e pagar os maiores preços pedidos por vendedores", disseram os pesquisadores.

Os dados mais recentes de criação de vagas do Caged, divulgados na semana passada, já refletem em parte a dificuldade da indústria, segundo Pimentel. "Nos últimos 12 meses até março, geramos 36 mil a 37 mil postos formais de trabalho, porém em março 2022 perdemos 500 postos, e essa perda foi em têxtil, não na confecção", disse Pimentel. O Brasil tem no algodão a sua principal matéria-prima para a produção de calças jeans, cama, mesa e banho e outros produtos de consumo.

Conforme o presidente da Abit, hoje importar algodão não seria viável. "Algodão dos EUA não vai chegar mais barato do que o do Brasil. O algodão está caro no mundo inteiro", disse. A entrada da safra 2021/22 do Brasil nos próximos meses pode representar um alento do lado da oferta, mas Pimentel reforçou que o preço dependerá da evolução da economia mundial e seus efeitos nos futuros e câmbio. "Não é que esteja faltando algodão, é que o algodão também se tornou uma aplicação para o dinheiro que está circulando no mundo. Não é um mercado tão grande quanto o de soja, milho e trigo, mas tem muita liquidez e uma produção grande." Embora o petróleo tenha subido, o que eleva o preço da fibra sintética, Pimentel lembrou que o algodão aumentou mais. "Isso gera um incentivo para uso de outras matérias-primas."

A produção mundial de algodão deve somar 26,43 milhões de toneladas na temporada 2021/22, que começou em 1º de agosto, disse o Conselho Consultivo Internacional do Algodão (Icac, na sigla em inglês) em relatório mensal. O volume representa aumento de 8,36% ante o ciclo anterior, quando foram produzidos 24,39 milhões de toneladas. O consumo global em 2021/22 deve crescer 1,95% ante a temporada anterior, para 26,16 milhões de toneladas. As exportações devem diminuir 5%, para 10,07 milhões de toneladas, disse o Icac. Já os estoques finais devem aumentar 1,31%, para 20,90 milhões de toneladas. De acordo com o Icac, os preços de referência (medidos pelo índice Cotlook A) devem se manter num intervalo de 109 cents a 129 cents por libra-peso em 2021/22, com média de 115 cents.

Corretor de São Paulo relatou que grandes indústrias preferem parar do que amargar prejuízo. "Já há muitas fábricas paradas, não têm condição de pagar o preço de hoje", disse o agente, citando que tanto tradings quanto produtores ofertam algodão acima do preço Esalq. "Indústrias estão esperando para ver se o mercado consumidor dá uma melhorada, porque não adianta produzir se não conseguem vender repassando o custo atual do algodão."

Na Bolsa de Nova York (ICE Futures US), os futuros de algodão fecharam em alta expressiva nesta quarta-feira, refletindo o avanço do petróleo e o enfraquecimento do dólar no mercado internacional. O vencimento julho da pluma subiu 468 pontos (3,12%), para 154,76 cents por libra-peso. A queda da moeda norte-americana torna commodities produzidas nos Estados Unidos mais atrativas para compradores estrangeiros, enquanto a alta do petróleo diminui a competitividade de fibras sintéticas e pode estimular a demanda por algodão.

Contato: leticia.pakulski@estadao.com
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