Economia & Mercados
25/10/2021 07:58

Entrevista: Crédito Caixa Tem é base importante de novos clientes, diz Pedro Guimarães


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 21/10/2021 - Para a Caixa Econômica Federal, o microcrédito oferecido pelo Caixa Tem, aplicativo que teve um salto em número de usuários com o pagamento do auxílio emergencial, é peça fundamental no quebra-cabeças da operação. Após o fim do pagamento do auxílio, que deu à ferramenta 50 milhões de clientes, o Caixa Tem terá o desafio de manter esses usuários, de olho em uma futura abertura de capital.

Em entrevista ao Broadcast o presidente do banco público, Pedro Guimarães, estima que até o fim do ano que vem, 20 milhões de pessoas tomem empréstimos pelo Caixa Tem. A linha começou a operar no fim de setembro e está sendo disponibilizada aos clientes em etapas, conforme o mês de nascimento. O aplicativo permite contratações de empréstimos entre R$ 300 e R$ 1 mil, com taxa de 3,99% ao mês - suficiente, segundo o presidente do banco, para gerar um colchão capaz de suportar eventuais calotes.

A maior parte dos clientes potenciais do crédito, segundo ele, não tem histórico de pagamentos porque fazia empréstimos fora do sistema financeiro. Com isso, acredita Guimarães, o produto ajudará inclusive os concorrentes, que, com o advento do open banking, pela primeira vez terão à disposição informações de adimplência dessa massa de clientes.

Sem fixar prazo, ele afirma que a abertura de capital do banco digital criado a partir do Caixa Tem vai sair - à frente na fila está a Caixa Asset, cuja criação foi autorizada pelo Banco Central e deve ir a mercado no ano que vem.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Broadcast: Como tem sido a liberação de microcrédito?

Pedro Guimarães:
Com 100 milhões de pessoas aptas aos empréstimos, poderíamos ter problemas se ofertássemos para todo mundo ao mesmo tempo. Fizemos como o auxílio emergencial (por fases), totalmente pelo celular e aprovamos em no máximo 10 dias. Nosso foco é o grupo sem acesso ao mercado financeiro, porque esse grupo pagava de 15% a 20% ao mês e agora têm uma linha disponível por 3,99%. Com o pagamento do auxílio há 1,5 ano, descobrimos 38 milhões de pessoas que eram invisíveis, porque não tinham emprego formal. São dezenas de milhões de brasileiros. Quando desenvolvemos o aplicativo em 20 dias e passamos a fazer pagamentos para 50 milhões de pessoas, havia um próximo passo desenhado na minha cabeça: depois da pandemia, usaríamos o sistema para que essas mesmas pessoas continuassem participando do mercado financeiro. A gente é líder no Pix, que é mais realizado pelo Caixa Tem do que pela internet da Caixa. Mas o produto principal é crédito. Estimamos que 20 milhões de pessoas peguem o empréstimo nos próximos meses. O grande desafio era que essas pessoas não tinham histórico de crédito. Quando ela pegava dinheiro emprestado numa financeira ou agiota, não entrava na base de dados formal. A partir do momento em que as pessoas conseguirem pagar, provavelmente haverá aumento do limite e redução da taxa cobrada. O importante é que esses novos clientes da Caixa vão ter aumento de renda com diminuição do custo.

Broadcast: Ou seja: vocês estão encarando esse crédito como uma forma de encontrar clientes?

Guimarães:
É uma questão comercial e social. Essas pessoas já pegavam dinheiro emprestado, só que os órgãos que mensuram endividamento não as contabilizam, porque um agiota não informa para ninguém que emprestou. Não há aumento de endividamento porque elas já pegam crédito, não registrado no sistema formal. Estamos falando da população mais carente, mas que tem renda. Aí a gente bancariza de fato essas pessoas, porque elas já têm conta, e percebem que o Caixa Tem não é só para fazer transferência e pagamento. Com o histórico de crédito desses clientes, outros bancos vão poder analisar as informações com o open banking. É uma externalidade positiva para o setor. Daqui a um ano, quando conhecermos a capacidade de pagamento, outro banco pode oferecer uma taxa menor. Ninguém fez, a gente fez.

Broadcast: Não tem um risco de a inadimplência desses clientes ser maior que a média da Caixa?

Guimarães:
Por isso que a gente cobra mais: 3,99% comporta uma inadimplência maior. (Segundo o Banco Central, a tarifa média mensal do crédito pessoal não consignado da Caixa é de 1,80%). Podemos ter alguma volatilidade, mas alguém tinha de começar porque é preciso ter microcrédito no Brasil. Por outro lado, se ganho esse cliente, consigo ter outras receitas. A grande aposta é que, matematicamente, o crédito não será a única operação rentável e essa pessoa se tornará um cliente da Caixa. A grande revolução é que a gente lançou um produto no celular, o que reduz muito o custo operacional - o que permite ter uma inadimplência um pouco maior. Mas é bastante importantes - talvez o mais importante da gestão -, porque vai para a população que não tinha acesso a produtos financeiros, sofreu muito nesses 18 meses de covid e criou uma relação com a Caixa. Quanto os bancos novos não gastam de marketing? Esse produto tem a vantagem de que temos esses clientes.

Broadcast: Por que os bancos privados não tentaram algo semelhante? Microcrédito é um assunto antigo...

Guimarães:
A prioridade dos grandes bancos não é a baixa renda porque, para a baixa renda, tem de ter uma capilaridade que ninguém tem e não depender de agências (como é o caso da Caixa). Estamos no Brasil inteiro. Existem 5.570 municípios e a Caixa tem agências em 1,5 mil deles e está em 26 mil pontos de venda com correspondentes e lotéricas. Por outro lado, banco digital é banco para a Faria Lima. Chega mais no cartão de crédito, investimento na Bolsa, Pix, mas no crédito não, porque essa população não tem histórico, ninguém sabe se a pessoa paga ou não. Ninguém tem um aplicativo como o nosso.

Broadcast: Por quê?

Guimarães:
Por causa do custo. Uma pessoa que vá tomar um crédito de R$ 300 a R$ 1 mil não vai remunerar o custo do meu empregado. A Caixa tem vantagem em relação aos bancos: a gente paga todo mundo e recebe para fazer o pagamento dos benefícios sociais. Temos 99,9% do financiamento a baixa renda no Casa Verde e Amarela. Somos o banco que faz as medições do Orçamento geral da União e financiamos municípios. Já tenho uma base de pessoas nas menores cidades, que ninguém tem. No começo, é tudo pelo celular, mas se der algum problema, a gente está lá. No auxílio, 30% a 40% das pessoas não conseguiam mexer (no dinheiro), e foram às agências ou às lotéricas.

Broadcast: Desses 20 milhões, quantos os srs. esperam que continuem com a Caixa?

Guimarães:
Ao longo do tempo, vai ter aqueles que realmente se bancarizarão, só que não vejo todos na Caixa. Vai ter uma competição, em especial por aqueles com mais dinheiro. Nosso desafio é ofertar produtos eficientes para clientes que nunca os tiveram. No começo, a gente vai estar quase sozinho. Por incrível que pareça, quanto melhor for o nosso trabalho, mais estaremos suscetíveis a perder esse cliente, porque mais os bancos e os bancos digitais vão vê-lo como rentáveis. Mas é uma questão social e estratégica. Entre eu ter um cliente de menor renda, com quem já falo há um ano e meio, e querer disputar wealth (gestão de fortunas) ou o cara operando na Bolsa de Valores, é óbvio que a minha vantagem comparativa é com a pequena empresa e com a pessoa com menos renda.

Broadcast: Mas como a Caixa vai segurar esse cliente? Com taxa, com limite?

Guimarães:
Qualidade. Por exemplo: a gente tem a presença física. No interior, tem uma vantagem muito grande. Nas capitais,a disputa é maior, mas a gente tem vários produtos com qualidade, e taxa também. Somos um banco estatal, que tem o resultado (lucro) que nunca teve, recorde, mas tem um compromisso social. Quando eu assumi, a taxa do cheque especial era de 14% ao mês. Não há nenhuma explicação matemática para você cobrar 14% ao mês de ninguém. A gente reduziu. Eu entendo que o papel da Caixa seja ser um indutor de competição. Antes, a Caixa ficava muito em poucos segmentos em que era quase monopolista. Nosso objetivo é estar em segmentos em que a gente tem a vantagem comparativa e presença. Agro, por exemplo, a gente nunca focou, e estamos focando por uma questão simples: nos próximos 50 anos, qual é o segmento da economia em que o Brasil dificilmente não vai ter vantagem comparativa? É o agro, porque China e Índia têm 3 bilhões de pessoas, continuam com demanda de alimento, e o País que mais tem área agricultável ou chance de eficiência é o Brasil. Mas obviamente, a coluna vertebral é habitação.

Broadcast: O Banco do Brasil também é público, mas tem capital aberto, e a gente sabe que é cobrado para mostrar rentabilidade alta...

Guimarães:
A Caixa, nessa gestão, tem uma rentabilidade maior que a do Banco do Brasil, porque teve um lucro maior, e um lucro sobre patrimônio maior ainda.

Broadcast: Mas não seria mais fácil para a Caixa fazer esses movimentos, como você diz, de indução à competição, sem essa cobrança?

Guimarães:
Todas as decisões são matemáticas. A Caixa nunca teve tanto lucro e nunca baixou tanto os juros. Os empréstimos para empresas grandes, no passado, geraram prejuízo, provisões. Dessa gestão, não há demanda de ninguém que não sejam os executivos. A gente abriu o capital da Caixa Seguridade, que está tendo resultados muito bons, e por isso a gente abriu capital, porque pensa que essa pressão do mercado é muito boa. Mas por que a gente cobra 3,99% no Crédito Caixa Tem? Matemática. Se eu estivesse cobrando 1,5%, você poderia falar que eu estou subsidiando. Por que reduzimos o cheque especial dos 14%? Porque eu tenho uma inadimplência muito menor do quem cobra 14%. Quando a gente reduziu, ganhou mercado. A gente está patrocinando agora o meio ambiente, e não patrocina clube de futebol. Os resultados da Caixa, em todos os trimestres, são muito sólidos. Temos uma base de capital menor que Banco do Brasil, Bradesco e Itaú exatamente porque há 10 anos atrás, não foi eficiente. O nosso patrimônio é bem menor, e não deveria ser, porque a gente é muito maior, mas nos últimos dois ou três anos, a gente tem conseguido recompor com resultados recordes. Mas como um banco estatal, se a Caixa paga o auxílio emergencial, como é que eu não vou olhar para esse público? Bradesco, Itaú e Banco do Brasil não pagam. Eles estão fechando centenas de agências. Por que a gente está abrindo? Todas as agências que a gente abre a gente ganha negócio da prefeitura (local), e tem uma parte não tão pequena que é uma questão social. São locais, por exemplo, no meio da floresta amazônica.

Broadcast: Você falou de aberturas de capital. Como estão os planos para o banco digital da Caixa? Vai sair?

Guimarães:
O crédito Caixa Tem é o ponto decisivo e transformacional para o banco digital, porque é o que faz ter algo que ninguém tem. Então sim (vai sair), mas tem a questão de o Banco Central aprovar. A minha conversa é: vamos mostrar que nós temos algo que realmente é diferenciado. Nosso banco digital existe para a baixa renda. Com o open banking, tem algo interessante: a gente tem as menores taxas, só que a gente não faz o melhor marketing, então, às vezes há a impressão de que os outros têm as menores taxas, mas não têm. A gente quer que a Caixa seja um agente transformacional, de competição. O benefício para a sociedade é que a gente vai bancarizar e gerar informação de crédito que depois, vai ser utilizada pelos competidores e vai garantir que estes milhões de brasileiros, que antes tinham que pagar 15%, escolham a melhor oferta. O banco digital vem para essa competição, mas eu preciso ter um produto que seja diferenciado. Não é o Pix, que eu posso fazer no banco. Não é o pagamento social, que eu posso fazer no banco, sempre fiz. Por isso que a gente demorou um pouco mais, porque a gente não queria fazer antes do fim do auxílio.

A Caixa tem papel único, social, que alguém tem que fazer. Enquanto o Brasil precisar desses benefícios sociais, vai precisar de alguém que o faça. Hoje a Caixa é o instrumento. O que não significa dizer que não tenha outras empresas para ser privatizadas. Eu entendo que essa questão da Eletrobras e dos Correios valoriza os ativos como a Caixa, porque demonstra que você só terá como estatal empresas que tenham o seu componente financeiro e o seu componente social.

Eu tenho 20 anos de experiência no mercado. Na época em que eu fazia gerenciamento (de ofertas de ações), a Bolsa estava a 30 mil, 40 mil pontos, agora, está a 110 mil. Você vê que essas reformas têm de impacto de fato. R$ 550 bilhões em investimentos contratados, a independência do Banco Central, a reforma da Previdência, o marco do saneamento. Você tem essa questão fundamental do equilíbrio fiscal, mas teve, nos últimos três anos, uma série de medidas que não são reverberadas, mas são precificadas. Está todo mundo muito cheio de paixões, mas o fato é que nesse governo, nessa equipe econômica, se fez coisas que todo mundo prometia e não cumpria. Com a independência do Banco Central, quem perde poder? O presidente da República. Isso é uma demanda histórica, e a gente fez. A privatização da Eletrobras vai usar o mercado de capitais. Quando a gente assumiu, 600 mil pessoas tinham ações, hoje são 4 milhões. Você nunca teve uma privatização no Brasil via mercado de capitais. (Eletrobras) Vai ser um teste, e aí a gente vai entender se existe essa confiança que eu acho que existe.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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