Economia & Mercados
03/11/2020 09:20

Especial: segunda onda de covid-19 empurra grandes economias para duplo mergulho


Por Aline Bronzati e Thaís Barcellos

São Paulo, 3/11/2020 - O salto no número de infecções e a adoção de medidas mais duras para conter a segunda onda pandêmica, como o lockdown na França, materializam o que antes era apenas um risco para grandes economias: um duplo mergulho. O movimento de recuperação em curso, reforçado por fortes dados do terceiro trimestre, deve ser interrompido no período subsequente, quando os problemas da saúde voltarão a impactar o ritmo da atividade, com a predominância de uma retomada em 'W', e que vai se arrastar para 2021.

O fenômeno do duplo mergulho, quando economias entram em recessão, emergem em um curto período de expansão e depois voltam a cair, deve ser visto em países como França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Itália, além da própria zona do euro, conforme indicam projeções de economistas consultados pelo Broadcast. Tal possibilidade, já no radar, ficou mais premente com os anúncios quase que diários de ações mais duras para conter o ressurgimento do vírus na Europa.

Na sexta-feira (30), o ministro da Economia do França, Bruno Le Maire, afirmou, em entrevista à rádio France Inter, que revisou a projeção do Produto Interno Bruto (PIB) francês em 2020 de contração de 10% para recuo de 11%. A piora ocorre na esteira do anúncio de um novo lockdown, que começa hoje e vai até dezembro.

E mais países podem ir na mesma direção. Por ora, a Alemanha adotou uma 'quarentena light' e no Reino Unido, o aumento de casos coloca pressão para uma ação mais dura e de abrangência nacional. "Não é possível ter uma economia próspera quando há um vírus circulando pela nação", justificou o presidente da França, Emmanuel Macron, ao anunciar um novo lockdown no país.


 PIB em 2020 
 País   1º trimestre   2º trimestre   3º trimestre 
França -5,80% -13,80% 18,20%
Espanha -5,20% -17,80% 16,70%
Reino Unido -2,20% -19,80% N/D
Itália -5,30% -12,80% 16,10%
Portugal -3,80% -13,90% N/D
Zona do euro -3,60% -11,80% 12,7%**
Estados Unidos*** -5,00% -31% 33,10%
Fonte: Eurostat; órgãos oficiais dos respectivos países
N/D: Não Divulgado
**Preliminar
***Taxa anualizada


As novas medidas de confinamento devem ajudar a conter a propagação do vírus, que encontrou avenidas de expansão no verão do Hemisfério Norte, mas também vão colocar um freio na recuperação das economias. Hoje, uma safra de dados das atividades na França, Espanha, Alemanha e Itália, além da zona do euro, mostrou forte expansão no terceiro trimestre. Em sua maioria na casa dos dois dígitos, os números superaram as estimativas do mercado, embora configurem uma fotografia do passado.

A economia do bloco europeu, por exemplo, avançou 12,7% no terceiro trimestre frente ao segundo, conforme dados preliminares da agência oficial de estatísticas da União Europeia, a Eurostat. Tal desempenho compensou, segundo o economista-chefe do banco alemão Commerzbank, Christoph Weil, mais de dois terços da queda vista no primeiro semestre. "No entanto, apesar dos números surpreendentemente bons, há poucos motivos para comemorar. As recentes medidas para conter o vírus devem travar o crescimento", avalia, em comentário a clientes.

Ainda é difícil prever o tamanho do impacto, de acordo com o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurria. Mas, uma coisa é certa, segundo ele, será negativo. Recentemente, o organismo, que reúne muitos dos países mais avançados do mundo, escalão do qual o Brasil tenta fazer parte, melhorou sua projeção para o PIB global. Passou de queda de 6,0% para uma retração de 4,5%. "Estamos vendo os novos casos na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda não sabemos o tamanho do impacto. Obviamente, será negativo", disse Gurria, a jornalistas, ontem.

Após a divulgação preliminar do PIB da Zona do Euro, a britânica Capital Economics afirmou que o resultado mais forte do que o esperado, deixando a economia da região "apenas" 4,3% abaixo do nível do ano anterior, tem agora só um "interesse acadêmico", uma vez que a consultoria já espera nova contração no quarto trimestre. "Projetamos uma queda de 2,5% no quarto trimestre ante o terceiro na França por enquanto, mas a escala da próxima desaceleração é altamente incerta e pode ser muito maior, especialmente se - como parece bastante provável - os segundos bloqueios permanecerem em vigor em dezembro", alerta o relatório assinado pelo economista-chefe na Europa, Andrew Kenningham.

Para ele, é apenas questão de tempo que a Itália siga a França e a Alemanha no anúncio de um
bloqueio nacional. "Embora a extensão precisa dos danos permaneça altamente incerta, agora parece certo que o PIB cairá novamente, talvez significativamente, no quarto trimestre."

O economista Alexandre Lohmann, da GO Associados, faz coro sobre a recuperação em 'W' da Europa. "Não há nenhuma dúvida que o PIB da França vai cair de novo", diz, lembrando que o confinamento previsto até dezembro tem duração semelhante ao que ocorreu entre março e maio. "A Itália também deve experimentar medidas restritivas, Espanha e Reino Unido já adotaram bloqueios localizados. E os indicadores antecedentes já mostram sinais negativos", diz, referindo-se à desaceleração do PMI (Índice de Gerentes de Compras, na sigla em inglês), medido pela IHS Markit, em outubro, de 54,7 para 54,5.

Na opinião do economista-chefe do dinamarquês Danske Bank, Las Olsen, as restrições terão um efeito claro sobre o crescimento econômico do quarto trimestre, embora possam ser menos intensas do que o sentido na primavera, na esteira do primeiro lockdown. Desta vez, observa, os governos parecem cuidadosos para não fechar a produção, construção e a educação, e, em geral, para permitir que o máximo de atividade econômica continue funcionando.

Serviços

"Os principais números de outubro mostram que o setor de serviços europeu já está mais ou menos em contração, mas que o crescimento está acelerando na indústria, apoiado em parte por fortes exportações fora da União Europeia", destaca Olsen, do Danske Bank. O PMI da Zona do Euro caiu de 50,4 em setembro para 49,4 em outubro, sugerindo contração da atividade, mas a parte industrial avançou de 53,7 para 54,4.

Nesse contexto, o Banco Central Europeu (BCE) sinalizou que pode lançar a mão de mais estímulos em dezembro diante de perspectivas de crescimento da zona do euro claramente inclinadas para o "lado negativo", nas palavras da presidente Christine Lagarde. Ela afirmou essa semana que as consequências da covid-19 para a zona do euro "adentrarão 2021".

Além do duplo mergulho ser o mais provável para a Zona do Euro, o holandês Rabobank afirma que a recuperação desta nova queda deve ser mais lenta, porque tanto governos quando cidadãos devem ser mais cuidadosos para voltar ao normal, depois de viverem uma segunda onda de contaminação. "Enquanto não houver vacina disponível, os governos terão que encontrar um equilíbrio entre aumentar a abertura das economias e manter o vírus sob controle. Para o futuro previsível, podemos esperar muita volatilidade no PIB."

EUA

O risco de duplo mergulho também ronda os Estados Unidos, que tem enfrentado a escala de infecções em algumas regiões, enquanto as atenções estão voltadas para as eleições, na semana que vem. No entanto, as projeções de economistas não apontam para uma tendência negativa no desempenho da economia no quarto trimestre após o salto de 33,1% entre os meses de julho a setembro, em uma base anual.

"Os EUA estão prestes a alcançar a marca de 100 mil novos casos de covid-19 hoje, pela primeira vez. Infelizmente, isso não será um golpe de sorte única. Esperamos mais 100 mil amanhã também. No final da próxima semana, os casos provavelmente estarão em mais de 100 mil todos os dias", alerta o economista-chefe da norte-americana Pantheon, Ian Shepherdson.

Assim como na Europa, o ressurgimento do vírus por lá - e eventuais medidas para contê-lo - pode respingar na economia. Apesar disso, Lohmann, da GO Associados, acredita que os EUA devem conseguir escapar de um duplo mergulho. "Os dados nos EUA têm sido mistos. Eu não apostaria em uma segunda recessão. A velocidade da recuperação deve desacelerar, mas o número deve permanecer positivo", diz ele.

Hoje, por exemplo, houve a divulgação de gastos de consumo em setembro, que cresceram 1,4%, ante expectativa de 1,0%. A renda pessoal, por sua vez, avançou 0,9%, mais que a projeção de mercado de 0,50%. "E, se Joe Biden ganhar, provavelmente deve ter mais gasto público, o que pode ajudar", completa Lohmann.

Para o holandês ING, os casos crescentes da covid-19, a ansiedade do consumidor e preocupações com as eleições criam uma "enorme incerteza" para a atividade no quarto trimestre. "Sugerimos provisoriamente um crescimento abaixo de 2%, mas não podemos descartar uma queda", afirma o economista chefe internacional do ING, James Knightley. "Se medidas de contenção agressivas forem introduzidas em dezembro, provavelmente o PIB será negativo".

Além do já discutido pacote fiscal de cerca de US$ 2 trilhões de socorro à economia americana em meio à pandemia, o economista-chefe da Frente Corretora, Fabrizio Velloni, baseado em Miami, lembra ainda que há uma diferença de temporalidade relacionada à pandemia da Europa em relação aos EUA e também ao Brasil, que tiveram curvas de contaminação na "primeira onda" mais persistentes. Portanto, um novo pico de casos de covid-19 que force medidas mais drásticas e afete significativamente a economia pode demorar mais e casar com uma vacina contra a doença.

O economista da GO Associados completa que, diferentemente de Brasil e EUA, a Europa teve um período de queda forte de casos, o que pode ter se traduzido em um certo descuido da população e só reforça a característica diferente dessa crise, muita ditada pelo comportamento da doença enquanto não houver cura. "A gente espera muito dos governos, mas é disciplina coletiva que vai nos salvar."
Contato: aline.bronzati@estadao.com e thais.barcellos@estadao.com
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