Economia & Mercados
08/04/2022 14:32

Entrevista/CVM/Marcelo Barbosa: Questão do corte do orçamento precisa ser enfrentada


Por Bruno Villas Bôas

Rio, 08/04/2022 - O presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Barbosa, afirma que está "tranquilo" para publicar, até 14 de julho, data que marca o fim de seu mandato na autarquia, ao menos duas novas regulações há tempos aguardadas pelo mercado: a reforma dos fundos de investimentos e da Instrução 461, que trata da autorregulação e de novos entrantes na administração de bolsa.

"A reforma da Instrução 461 vai tratar de internalização, execução de ofertas, autorregulador, se vai ser único ou não. Essa é, sem dúvida, a mais complexa e será uma das próximas", disse Barbosa, em entrevista concedida ao Estadão/Broadcast na sede da autarquia, no Centro do Rio de Janeiro. A CVM retornou ao trabalho presencial, em regime híbrido, nesta semana, dois anos após o início da pandemia.

Além da publicação das normas, Barbosa tem pela frente, até o fim do mandato, o desafio de recompor o orçamento da autarquia, que sofreu corte de 50% em 2022, para R$ 12,7 milhões, Ele conseguiu recompor cerca de R$ 7 milhões e solicitou mais R$ 2,6 milhões. Barbosa defendeu que a taxa de fiscalização do mercado seja destinada para a autarquia. "O fato é que esses recursos, dessas taxas, são para o regulador e ponto", afirmou.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Estadão/Broadcast: O orçamento da CVM de 2022 sofreu corte de 50% e nem tudo foi recuperado. Como resolver a questão?

Marcelo Barbosa:
É uma questão que precisa ser enfrentada. De uma lado, existe a situação fiscal do País, que é extremamente sensível. De outro lado, a taxa de fiscalização recolhida pela CVM foi criada, exclusivamente, para ser um meio de financiamento do regulador do mercado. É um tributo com destinação específica. Teremos uma repercussão ainda mais positiva no nosso trabalho e na economia se tivermos condições de manter nosso corpo de servidores capacitados e de aparelhar melhor a casa com soluções de tecnologia para supervisionar o mercado. Se a ideia é, como deve ser, a expansão da economia pela via do mercado, é importante ter um olhar para isso.

Estadão/Broadcast: E como obter a destinação dessa taxa para a CVM?

Barbosa:
Existem discussões. Os dois governos com os quais convivi mostraram-se sempre abertos para discutir o assunto. Em situações mais delicadas, abriram algumas exceções. Mas precisamos enfrentar a questão raiz, que é a destinação da taxa de fiscalização para o regulador. Ninguém está deixando de trabalhar por isso ou aquilo. Mas, quando trabalhamos no nosso orçamento, às vezes, não conseguimos atender a algumas necessidades como deveríamos. O fato é que esses recursos, dessas taxas, são para o regulador e ponto.

Estadão/Broadcast: O Congresso aprovou a lei que altera regras da cobrança da taxa de fiscalização. Qual foi o papel da CVM no processo?

Barbosa:
O estudo que deu origem à lei foi feito aqui, a partir de um estudo da área técnica. Um objetivo foi incluir dentro do grupo de contribuintes quem não estava, já que estamos falando de um arcabouço de 1989, que foi bem superado pelo tempo. Outro objetivo foi fazer uma recalibragem da alíquota entre diversos agentes, de acordo com seus pesos. Foi uma mudança estrutural para o mercado, muito importante.

Estadão/Broadcast: São mais três meses de mandato, é suficiente para sair com regulações há muito aguardadas?

Barbosa:
São três grandes audiências públicas: ofertas públicas, fundos de investimentos e a reforma da Instrução 461, que trata basicamente da infraestrutura do mercado, do funcionamento do mercado de bolsa. A reforma da Instrução 461 vai tratar de internalização, execução de ofertas, autorregulador, se vai ser único ou não. Muda pilares importantíssimos e trata inclusive de condições para acesso de novos entrantes. Essa é, sem dúvida, a mais complexa das três, de longe. E será uma das próximas dessas três. E tem a dos fundos, que trata da reforma de duas instruções, a 555, que é a norma mais geral dos fundos, e a 356, que trata dos FIDCs. Quando sair [a reforma dos fundos] será um passo revolucionário.

Estadão/Broadcast: Mas as reformas podem ser feitas ainda dentro do seu mandato, até 14 de julho?

Barbosa:
Estamos trabalhando para isso. O problema é que veio o decreto 10.139, que manda o "revogaço", com consolidação de atos normativos… O nosso trabalho de regulação tem que incluir o trabalho de "consolidaço", o que atrapalha um pouco. Se não fosse pelo decreto, já teria ido. [Sobre o prazo] Estou bem tranquilo sobre a 461 e a dos fundos. A das ofertas públicas, estou confiante. Fico orgulhoso com o que conseguimos fazer aqui em termos de normas.

Estadão/Broadcast: São quase cinco anos à frente da CVM. Qual o balanço?

Barbosa:
Temos visto o mercado se desenvolver em várias frentes. Houve aumento da quantidade de investidores de varejo, por exemplo. Em 2021, mesmo na pandemia, tivemos um volume recorde de ofertas. Houve aumento do cardápio de produtos no mercado financeiro, com estímulo razoável nosso. Trouxemos de volta, por meio de uma regulação mais segura, os BDRs, que estavam afastados. Fomentamos também os ETFs, os fundos de índice. Procuramos trabalhar em outros segmentos, não apenas o dos grandes emissores, por meio do crowdfunding. Essa é uma faixa de empreendedores com tamanho muito menor e que precisavam ser atendida na possibilidade de captação de recursos. Também abraçamos a tecnologia, implementando o sandbox. Outra área importante é a educação financeira, para que as pessoas tenham condições de evitar golpes, aprender conceitos de risco e de planejamento.

Estadão/Broadcast: O mercado avalia que foi um período de reformas em larga escala.

Barbosa:
Muitas peças importantes estão sendo movidas, como a regra do formulário de referência, que trabalha em duas frentes. A primeira foi a da redução do custo de observância. Propusemos e implementámos muitas medidas de simplificação no formulário, eliminando redundâncias. A segunda frente foi atuar para refletir informações da agenda ESG, que também é uma realidade. O regulador de mercado não trabalha no sentido de orientar ou exigir que a companhia A ou B adote essa ou aquela prática. O que fazemos é perguntar para as companhias como elas tratam essas questões para que o mercado possa saber e avaliá-las em função disso.

Estadão/Broadcast: O colegiado da CVM passou a julgar mais até 2019, mas depois o número diminuiu. O que houve?

Barbosa:
Nós passamos a julgar mais. Se não fosse a pandemia e pelo fato de, desde janeiro de 2020, o colegiado da CVM ter ficado incompleto de forma quase ininterrupta, nós podíamos ter feito ainda mais. Na maior parte do tempo, desde de janeiro de 2020, ficamos com quatro ou apenas três integrantes no colegiado. É óbvio que, quantos mais relatores ativos houver, mais anda. Também avançamos em termos de compromisso. Em 2021, aprovamos um número recorde histórico de termos de compromisso, que é uma forma muito eficiente de encerrar alguns processos em uma fase anterior.

Estadão/Broadcast: Logo que assumiu, o senhor falou sobre a redução de custos para o mercado. Quais medidas foram tomadas?

Barbosa:
Antes, era necessária a aprovação prévia da CVM do material publicitário, o que foi dispensado, uma etapa a menos. Também houve a dispensa da necessidade de fundos arquivarem em registro de título, o que tem três anos. Basta, agora, o arquivamento na CVM, que não tem custo. Em 2019, saímos com uma instrução que revogou cinco outras instruções, a maioria com exigência de fundos, e consolidou outras 14.

Estadão/Broadcast: O Senado aprovou o advogado João Pedro Barroso do Nascimento como seu sucessor. O que achou?

Barbosa:
Ele tem uma preparação técnica muito boa, reconhecido do ponto de vista técnico-jurídico, com mestrado e doutorado. Tecnicamente, está extremamente habilitado a fazer um bom mandato. É óbvio que, como foi no meu caso e de tantos outros, comandar uma autarquia envolve, evidentemente, muitos outros trabalhos, mas pelo que o conheço é uma pessoa plenamente capacitada para entender a necessidade e se preparar e desenvolver um ótimo trabalho aqui. É uma pessoa que a vida inteira trabalhou com assuntos relacionados ao mercado e, acredito, tem todas as condições de fazer um mandato relevante.

Contato: bruno.villas@estadao.com
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