Economia & Mercados
20/05/2020 08:23

Pauta bomba reúne 336 propostas de leis contra bancos durante a pandemia


Por Aline Bronzati

São Paulo, 20/05/2020 - A crise deflagrada pela pandemia do covid-19 culminou em uma verdadeira pauta bomba contra o setor financeiro no Congresso Nacional. Até agora, já existem ao menos 336 propostas de leis que atingem diretamente os bancos no Brasil, conforme levantamento feito pelo Broadcast. Embora de caráter temporário, são medidas que vão desde o tabelamento de juros em modalidades como o cheque especial e o cartão de crédito até o aumento de impostos para o segmento.

Originadas em parte no Senado e em outra parcela na Câmara dos Deputados, as propostas se proliferaram, em meio ao estrago econômico causado pela pandemia. Diante de uma enxurrada de críticas vindas de diversos setores em torno da dificuldade de acesso ao crédito, os congressistas lançaram um calhamaço de medidas. Enquanto de um lado buscam levar alívio financeiro a empresas e pessoas físicas, de outro visam a impor a contribuição dos bancos na crise.

Praticamente metade dos projetos - um total de 161 medidas - tratam da questão do crédito. Mais especificamente, impõe restrições a empréstimos já contratados. O principal alvo é o consignado, aquele com desconto em folha. Outro tema em destaque é o tributário, com mais de 30 propostas de leis. Há ainda medidas que limitam a cobrança de tarifas bancárias por parte dos bancos, bem como as que embutem mudanças no processo de recuperação judicial por parte das empresas.

Dentre os principais problemas das diversas medidas que compõem a pauta bomba, está a ausência do respaldo quanto ao impacto econômico a ser gerado pelas propostas, segundo o sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, Bruno Balduccini. "Não foi feito nenhum estudo profundo, técnico, sobre o impacto econômico das propostas que podem acabar prejudicando os pequenos e os novos entrantes do setor financeiro e concentrando ainda mais nas mãos das grandes instituições", diz.

Um dos projetos mais polêmicos é o PL 1.166/2020, de autoria do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), que estabelece um teto na cobrança de juros do cheque especial e do cartão. Também impede os bancos de mexerem nos limites de crédito dos clientes durante a crise. O tema estava para ser votado na sexta-feira, dia 15, mas foi retirado da pauta, em meio à pressão dos bancos para barrar o avanço da matéria.

Para as instituições financeiras, o projeto pode trazer impactos relevantes ao País e causar a 'redução severa' na oferta de empréstimos justamente em um momento de crise, quando o crédito pode ajudar na recuperação da economia. O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirmou que as propostas de leis em andamento têm boas intenções sob a ótica dos tomadores de crédito, mas alertou quanto ao risco de fragilizar o sistema financeiro.

"Essas medidas, para conceder crédito abaixo da remuneração adequada ao risco, podem trazer duas consequências: uma o crédito desaparecer e outra fragilizar o balanço dos bancos e o sistema bancário", disse Bracher, em transmissão ao vivo, na manhã de hoje. "Temos uma crise de saúde, uma econômica e política. Certamente não precisamos de uma crise no sistema financeiro."

Desde o estopim da pandemia, os bancos já concederam mais de R$ 540 bilhões em crédito novo, conforme a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O montante inclui contratações, renovações e suspensão de parcelas. "A liberação de recursos que a indústria bancária fez nos últimos 45 dias não foi vista nos últimos anos no Brasil", disse o diretor de empréstimos e financiamento do Bradesco, Leandro Diniz, em conversa com a imprensa, mais cedo.

O risco de avanço da pauta bomba aproximou os bancos do Congresso. A interlocução tem no comando o ex-BC e presidente da Febraban, Isaac Sidney. Na cadeira desde janeiro, ele tem procurado senadores e deputados para alertá-los sobre os possíveis impactos das propostas de leis para o crédito.

Nesse sentido, a Febraban enviou uma carta ontem aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, sobre a preocupação com o tema, conforme antecipou o Broadcast. Assinado por Sidney, o documento traz a proposta dos bancos quanto à adoção de novas ações para auxiliar famílias e empresas durante o período da pandemia.

A força-tarefa dos bancos junto a Brasília tem se refletido no andamento da pauta bomba. O projeto de lei que limita os juros, por exemplo, não só foi retirado da pauta como foi alterado. Conforme nova proposta do relator, o senador Lasier Costa Martins (Podemos-RS), o teto dos juros foi elevado de 20% para 30% ao ano. No caso das fintechs, o limite iria até 35%. "Ainda assim, a conta não fecha. Se uma medidas dessa passa, os pequenos entrantes serão destruídos. O setor não é somente formado por cinco grandes bancos", diz o sócio do Pinheiro Neto.

Do lado tributário, os bancos tentam negociar uma elevação temporária na CSLL. Há um total de dez propostas de lei sobre o tema, em tramitação no Congresso. Um deles é o projeto do vice-presidente do Senado, Weverton Rocha (PDT-MA), que defende a elevação da alíquota de 20% para 50% como uma forma de extrair recursos dos bancos. Para evitar que o assunto ganhe corpo, as instituições negociam elevar a CSLL para 25%, conforme apurou o Broadcast, como uma medida temporária durante a crise da covid-19.

Ainda assim, o aumento de impostos é criticado no setor. Para o presidente do Itaú, a medida vai na contramão do mundo. "Nenhum país aumentou impostos. Se há uma medida que não deve ocorrer quando se precisa estimular a economia é o aumento de impostos", disse.

Além disso, diferente de cobrar pedágio dos bancos, o aumento da CSLL pode, ao contrário, gerar resultado positivo no curto prazo. Isso porque as instituições financeiras têm de reavaliar o estoque de créditos tributários, constituídos a partir das provisões para perdas, por conta das diferenças temporárias.

Cálculos do Citi mostram que um aumento em torno de 5 pontos porcentuais geraria impacto positivo imediato de R$ 2 bilhões a R$ 5 bilhões para cada banco. No médio prazo, porém, os analistas do banco norte-americano, Jörg Friedemann Gabriel D. Nóbrega e Brian Flores veem impacto de até 7% no lucro líquido das instituições devido aos impostos mais altos.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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