Economia & Mercados
20/04/2022 14:27

Especial: Surpresas no IPCA esquentam debate sobre aumento de inércia inflacionária


Por Thaís Barcellos

Brasília, 19/04/2022 - A sequência de surpresas e o nível elevado da inflação, principalmente em itens como núcleos, que apontam a tendência, esquentam o debate sobre o crescimento da inércia inflacionária, uma espécie de herança do patamar de preços atual para a inflação futura. Para alguns economistas, esse efeito contrabalança o benefício trazido pelo fortalecimento do real e pode ser a diferença para o cenário de inflação do Banco Central de 2023, abaixo do mercado especialmente em preços livres, embora seja mais difícil de acompanhar sem o Boletim Focus.

Há ainda uma avaliação de que uma surpresa com a atividade econômica pode impulsionar mais os preços de serviços. Outros especialistas, porém, concordam com o BC que a inércia não aumentou, apenas está mais perceptível com a inflação alta, já acumulada em 11,30%. Independentemente disso, há consenso de que a taxa Selic deve ir além de 12,75%, nível já indicado para o Comitê de Política Monetária (Copom) de maio.

As projeções de inflação do BC chamam atenção de parte do mercado, especialmente em preços livres, um grupo heterogêneo de itens que considera todos os produtos e serviços que não têm reajustes definidos por contrato ou regulados pelo setor público. No cenário alternativo, que prevê o petróleo em US$ 100 no fim deste ano, o BC projeta atualmente 3,10% para o IPCA - índice de inflação oficial - de 2023, abaixo da meta definida de 3,25%, com 2,3% para os preços livres. No mercado, na época do Copom, a estimativa para os livres já estava acima de 3,00%. No último Boletim Focus, de 25 de março, em 3,50%, com 3,80% para o índice geral.

Hoje, após a surpresa com o IPCA de março (1,62%), o mercado está no escuro sobre qual é o consenso para a inflação em geral e para o grupo de preços livres, sem o Focus, que não é divulgado há três semanas por causa da greve dos servidores do BC. Essas expectativas são variáveis relevantes para o modelo de inflação do BC, que também guia as decisões de política monetária. Dentro dos livres, serviços e bens industriais são subgrupos que têm mais relação com a atividade econômica e que também tendem a ser mais inerciais. Em 12 meses até março, serviços subjacentes acumulam alta de 6,98% e industriais, de 13,44%, de acordo com cálculos da Greenbay Investimentos. Já a média dos núcleos, que tende a indicar a tendência inflacionária, estava em 9,06%.

Para a economista Basiliki Litvac, da MCM Consultores, a projeção para o IPCA de 2023 é de 3,80%, com livres a 3,40%. Já na ASA Investiments, o economista Leonardo França Costa prevê 4,20% para a inflação do ano que vem e 4,00% para os livres. Basiliki afirma que vê a devolução dos choques em 2023 e os efeitos da política monetária sobre os preços livres, mas em menor magnitude que o BC.

"A desaceleração prevista pelo BC para os preços livres vista de hoje não parece muito factível por conta da série de novos choques em preços de commodities e bens industriais que podem ter impactos mais prolongados e também repercutir em serviços ao manter a inflação corrente em patamar mais elevado, puxando as projeções deste ano", explica.

Marcelo Kfoury, ex-chefe de Departamento do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Central e professor da FGV-EESP, reconhece que a projeção de preços livres do BC é mais baixa do que o do mercado e que o crescimento da inércia é uma discussão válida. "E é uma discussão que, o mercado não sabendo qual a expectativas das últimas semanas [sem o Focus], que é um elemento importante para o modelo do BC, vai ter dificuldade de saber para onde esse modelo vai", frisa, avaliando que a diretoria do BC deve ter acesso aos dados da Focus, já que o sistema é bastante automatizado.

Ele observa o cenário inflacionário por meio de dois modelos. O primeiro é mais inercial e desagrega o índice nos grupos administrados, serviços, alimentos e industriais, com bastante influência nos dois últimos pelos preços de atacado. Nele, o IPCA alcança 8% em 2022 e chega a 5% em 2023. O segundo modelo é mais parecido com o usado pelo BC: desagrega a inflação em preços livres e administrados, e permite verificar a influência dos juros no cenário. Com a Selic em 12,75% no fim deste ano, o IPCA 2023 ficaria em 3,4%, nos cálculos de Kfoury, com inflação de livres em 2,9%.

"No segundo modelo, 12,75% de Selic já seria suficiente para levar inflação à meta, mas o BC não deve parar porque as expectativas continuam subindo. Se colocar no modelo do BC a expectativa de 4,00%, a projeção de 3,10% deve subir", diz. "Há duas forças opostas: juro jogando para baixo, mas estimativas, para cima", acrescenta ele, que espera que o BC deixe a porta aberta para mais um aumento em junho, quando a Selic alcançaria 13,25%.

Nos cálculos do economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, o coeficiente de inércia inflacionária tem subido desde agosto do ano passado. "Não é à toa que os núcleos, a difusão, estão tão elevados e a inflação de serviços acelerando, sem a economia tão robusta assim. Há sinais de que a inércia inflacionária está aumentando peso na inflação doméstica." Para o economista, o juro real também está aumentando e já poderia estar acima de 4%, o que justificaria a Selic ir até um pouco além de 13,25%, que é sua projeção atual.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem dito repetidamente que estudos realizados mostram que não há crescimento da inércia inflacionária apenas um efeito maior diante da taxa elevada. O economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico, concorda com o BC e analisa que as últimas surpresas inflacionárias podem ser explicadas pelo crescimento mais forte do que o previsto da atividade econômica. No mercado, há uma onda de revisões para cima para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. "A inflação mais alta tem menos a ver com inércia e mais com a atividade resiliente", diz. Ele projeta 8,1% este ano e 4,3% em 2023, com a Selic em 13,25%.

Da mesma forma, o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, aponta que não há aumento do coeficiente de inércia, e que é preciso esperar a política monetária restritiva fazer efeito. Ele projeta 3,5% para 2023, com Selic a 13,25%. Exercícios realizados pelo economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros, mostram que só a partir de julho pouco mais da metade da alta de juros já realizada, de 9,75 pontos porcentuais (de 2% a 11,75%), começará a contribuir de forma mais efetiva para controlar a inflação. "Dados os efeitos defasados, só em março de 2023 teremos o efeito cheio, completo, da política monetária."

Contato: thais.barcellos@estadao.com
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