Economia & Mercados
25/02/2022 17:00

Especial: Postura do Brasil ditará impacto de guerra na Ucrânia sobre economia


Por Aline Bronzati

São Paulo, 25/02/2022 - A postura do governo de Jair Bolsonaro, que evita se colocar contra os russos no conflito com a Ucrânia, deve ditar a dimensão dos efeitos para o Brasil. Ainda não se sabe a extensão dos impactos uma vez que a duração da crise é crucial nessa conta. Uma coisa, porém, é certa: o efeito do chacoalhão global pelo ataque russo à Ucrânia é mais um vento contrário à economia brasileira, combalida pelos reflexos da pandemia.

A distância geográfica e o baixo vínculo com a Rússia tendem a beneficiar o Brasil, na opinião do diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos. "Não há vínculos comerciais, financeiros do Brasil com a Rússia. São mínimos. Do lado da importação, com foco em fertilizantes, pode ter algum impacto, e as sanções atrapalharem um pouco isso", diz o especialista, baseado em Nova York.

Para Ramos, o aumento do preço das commodities, considerando o Brasil um forte país exportador, associado aos juros altos, que voltou aos dois dígitos, ajudam a atrair dinheiro externo. Com esse quadro, o Brasil é um "lugar de refúgio do investidor". Não significa, porém, estar imune. "A aversão ao risco pode afetar o fluxo de capital para mercados emergentes", lembra o economista do Goldman.

São esperados efeitos econômicos para o Brasil, ao menos, no curto prazo, diz o professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, Maurício Santoro. "O Brasil não está isolado. Uma guerra no mundo nos afeta. O cenário econômico para o Brasil era ruim. Vai ficar pior", alerta.

A consultoria britânica Capital Economics classificou a crise Rússia-Ucrânia como mais um "vento contrário" para a América Latina. O aumento nos preços das commodities globais, em sua visão, beneficia alguns países da região, mas nem todos. O resultado, diz a britânica, é que a recuperação da América Latina seguirá lenta.

No caso do Brasil, a Capital Economics destaca a fraqueza econômica do País, piorada pela variante ômicron no início deste ano. Pesa ainda, segundo a consultoria, a pressão inflacionária, que ganha um fator a mais com a crise entre Rússia e Ucrânia, levando a um aperto monetário mais longo.

"O Brasil vinha tentando lidar com a inflação. A tendência do Banco Central de adotar uma política de juros altos, que já vinha se arrastando, vai continuar, o que impacta o PIB (produto interno bruto)", afirma o vice-coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites.

Segundo o especialista, o Brasil deve sentir efeitos do conflito entre Rússia e Ucrânia mesmo se adotar uma postura diplomática mais assertiva. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que terá conversas com o Itamaraty antes de adotar uma posição oficial em relação ao conflito.

"A posição do País frente ao conflito pode ditar a magnitude do impacto na pauta comercial e fluxo cambial do Brasil", atenta a analista de Negócios Internacionais da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), Daiane Santos.

Dentre os possíveis impactos, ainda incertos, a especialista cita como um dos principais a elevação do preço do petróleo, que joga contra a inflação no Brasil, e pode diminuir o consumo interno por conta da elevação de preços dos bens de consumo. "Uma desaceleração em economias relevantes para o comercio exterior brasileiro, como EUA e China, pode impactar a balança comercial", acrescenta.

Dados analisados pela Funcex mostram que a Rússia representou apenas 0,6% do total exportado pelo Brasil, no ano passado, ou um total de cerca de US$ 1,6 bilhão em mercadorias, com destaque para soja, café, frango, açúcar. Já por parte da Ucrânia, um eventual efeito tende a ser menor. O país representou apenas 0,08% das vendas totais do Brasil em 2021, conforme a Funcex.

Na outra ponta, o Brasil importou quase US$ 5,7 bilhões dos russos, em sua maioria, adubos e fertilizantes para apoiar o setor de agronegócio.

Para Brites, da FGV, as sanções estabelecidas pelos países da União Europeia e os Estados Unidos podem dificultar a importação de produtos da Rússia, o que impactaria a produção agrícola, com o aumento dos preços. A ida de Bolsonaro à Rússia, segundo o professor de Economia Internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Fernando Padovani, deve proteger essa relação comercial.

Para ele, que não vê grandes impactos ao Brasil do conflito uma vez que a Rússia não é um de seus grandes parceiros comercias, o País pode até se beneficiar. Vai depender, contudo, da extensão e dimensão do conflito. Padovani não acredita que a crise dure muito tempo. "Isso não vai durar. O (presidente Vladimir) Putin não vai se meter na Ucrânia em larga escala. É um problema para ele. O que pode acontecer é o mesmo o que ocorreu na Crimeia - invadida por Moscou, em 2014", afirma Padovani, que morou na Rússia e descarta ações mais drásticas como uma invasão a Kiev, capital da Ucrânia.

(Contato: aline.bronzati@estadao.com)
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