Economia & Mercados
03/12/2021 09:20

Cena Monetária/Henrique Meirelles: Não há expectativa de que BC vá derrubar a inflação


Por Simone Cavalcanti

São Paulo, 02/12/2021 - Não há uma expectativa de que o Banco Central vá derrubar a inflação dado o nível de incerteza fiscal somado à desconfiança generalizada por parte dos agentes econômicos na política econômica. A avaliação é de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, atual secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e futuro integrante da equipe econômica na campanha do governador João Doria, que é pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB.

A perda da confiança e do controle sobre as expectativas que o Banco Central precisa guiar fazem com que a inflação dissemine. Meirelles diz acreditar que, nessa situação, o BC tem de trabalhar duplamente, o que significa elevar ainda mais a taxa de juros com custos altos para a economia do País. A solução está no controle fiscal, que torna o trabalho do BC mais produtivo, mais eficaz, ressalta.

"No decorrer do ano que vem, a depender da campanha eleitoral, se houver uma percepção de que um próximo governo vai fazer o controle fiscal forte, isso fará diferença", diz. "Precisa saber quem é que vai dar essa mensagem. Eu tenho certeza de que o [governador] João Doria vai passar essa mensagem, mas eu não sei qual será a mensagem do [ex-presidente] Lula, por exemplo." Leia, a seguir, a entrevista:



Broadcast - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a autoridade monetária terá um trabalho difícil para conter a inflação. Qual a sua leitura sobre esse cenário?

Henrique Meirelles -
Trabalho difícil significa subir a taxa de juros mais do que se esperava anteriormente. O Banco Central tem basicamente um instrumento que é a taxa de juros. E, de fato, deverá subir a taxa para reduzir o nível de demanda e, em consequência, baixar a inflação. Mas há alguns problemas. Evidentemente, há um componente de choque de oferta. Não apenas o problema da falta de produtos em algumas áreas da cadeia produtiva, mas, também, uma questão mais complexa ligada à alta das commodities em geral e dos combustíveis, como o petróleo. Em outros momentos, como em 2006 e 2007, o Brasil se beneficiou com a subida geral do preço de commodities, mas houve uma queda do valor do dólar frente ao real. Tanto que, naquela época, o problema passou a ser o oposto de hoje, sendo que a atuação do BC era para evitar a valorização excessiva do real. No início da minha gestão no Banco Central, o dólar tinha saído de algo como R$ 3,40 para chegar a R$ 1,56, no piso. O normal seria que isso acontecesse novamente agora e compensasse o aumento de preço das commodities. Outro problema é que, devido ao alto nível de incertezas, principalmente fiscais, com todas essas questões de calote de precatórios, discussão sobre o teto de gastos, etc, o dólar tem se mantido elevado.

Broadcast - Qual o peso disso sobre a inflação?

Meirelles -
Somando essa incerteza fiscal à desconfiança generalizada da política econômica temos como consequência uma expectativa de inflação que se deteriora e começamos a ter uma disseminação. E isso não apenas nos alimentos. À medida que se perde o controle sobre as expectativas para a inflação, evidentemente, há uma generalização, uma disseminação da alta dos preços. Não há uma expectativa de que o Banco Central vai derrubar a inflação.

Broadcast - Nesse contexto, o que esperar da ação do Banco Central?

Meirelles -
Em momentos em que tivemos sucesso no controle da inflação no passado, por exemplo, em 2003, 2004 e 2005, em que a inflação estava em patamares mais elevados e se conseguiu chegar na meta, tivemos um duplo movimento: não apenas uma política monetária rigorosa, mas uma política fiscal rigorosa. É preciso ter dois componentes agindo juntos para que o controle inflacionário seja mais eficiente. Logo em 2003, houve o anúncio de uma meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), que acabou sendo de 4,35% do PIB. Um fiscal sob controle torna o trabalho do Banco Central mais produtivo, mais eficaz.

Broadcast - Mas hoje a política fiscal está do lado oposto...

Meirelles -
E isso é um problema. A política fiscal está muito expansionista e, pior, com uma percepção de agentes econômicos, de mercado e de consumidores de que está fora de controle. Nessa situação, o Banco Central tem de trabalhar duplamente. Não apenas para fazer o próprio trabalho, mas agir para compensar uma política fiscal percebida pelos agentes econômicos como fora do controle.

Broadcast - Até que ponto o BC consegue carregar o piano sozinho?

Meirelles -
Conseguir, consegue. O problema é a que custo. E essa é a chave da questão. A autoridade monetária pode subir a taxa de juros a um patamar que, de fato, vai gerar uma queda na atividade econômica para haver o controle da inflação. O BC fica na seguinte situação: se perde o controle da inflação gera um custo muito grande para a sociedade, para a economia como um todo. Por outro lado, para controlar a inflação sozinho, vai ter de subir a taxa de juros a um ponto que vai causar um custo muito maior do que se tivesse uma política fiscal atuando na mesma direção.

Broadcast - Nesse contexto, quais os riscos para a política monetária com uma possível elevação de juros nos Estados Unidos?

Meireles -
Que os Estados Unidos vão reduzir a política de expansão da base monetária, o chamado tapering, é inevitável. E que depois terão de subir os juros, também. Se olhar a curva de desemprego americana, é impressionante. Saiu de dois dígitos e agora está em 4,6%, estão chegando ao nível de pré-pandemia, rumo ao pleno emprego. Lembro que, Alan Greenspan, quando foi presidente do Federal Reserve [Fed], dizia que, quando a taxa de desemprego vinha abaixo de 5%, ele já ficava preocupado. Eles estão chegando lá e não dá para seguir acelerando, caso contrário, vão ter problemas mais sérios com a inflação. O efeito disso para o Brasil é o encarecimento das linhas externas, pois há um grande componente do crédito brasileiro que é de financiamentos para importação e exportação. São linhas externas diversas e tudo isso vai subir como reflexo da política monetária americana sobre os empréstimos em dólar. É um movimento contracionista para o Brasil e para todos os países que têm crédito fora.

Broadcast - E o efeito sobre o câmbio aqui?

Meirelles -
Haverá, mas pode ser um fator mais leve, principalmente em relação à alta que está havendo por causa das questões fiscais aqui. Mas olhando internacionalmente e, nisso se insere o Brasil, não há dúvidas de que um eventual aumento da taxa de juros americana e/ou a diminuição de incentivos com o tapering fortalecem o dólar. A consequência natural é o dólar se valorizar frente a demais moedas, inclusive ao real. Em resumo, de um lado aumenta o custo dos empréstimos externos, o que é contracionista do ponto de vista de atividade no Brasil e isso pode ajudar um pouquinho a controlar a inflação aqui. Por outro lado, o aumento do dólar tem efeito contrário, é inflacionário, reforçando o movimento forte dessa moeda que já ocorre devido às nossas incertezas fiscais. Há esses dois efeitos, mas, no líquido, pode ser negativo.

Broadcast - O senhor vê um processo de estagflação para a economia brasileira no ano que vem?

Meirelles -
Não sei se chegaria à estagflação. Nós temos claramente uma inflação elevada com um crescimento muito baixo. Para ter estagflação teria de ser um período um pouco mais prolongado. Para o ano que vem, o crescimento deve ficar abaixo de 1% certamente e a inflação vai depender muito da ação do Banco Central. Acho que a inflação tende a cair, mas, para quanto, vai depender de quão forte for essa ação e da questão fiscal. Esse é o ponto, a questão fiscal e o impacto do dólar, como aqui falamos.

Broadcast - O Banco Central está em uma armadilha?

Meirelles -
É uma situação muito difícil, não há dúvidas. Para compensar o efeito de uma política fiscal expansionista e, repito, que é vista como fora de controle pelos agentes econômicos, o Banco Central tem de trabalhar dupla ou triplamente. O BC, sozinho, não tem outra alternativa a não ser subir a taxa de juros e fazer a economia pagar o custo de ter novamente uma taxa de juros bem elevada, com reflexo na atividade, e em um ano em que a atividade já se prevê baixa.

Broadcast - Qual seria a solução?

Meirelles -
Seria fazer um controle fiscal. No decorrer do ano que vem, a depender da campanha eleitoral, se houver uma percepção de que um próximo governo vai fazer o controle fiscal forte, isso fará diferença. Mas aí é que está. Precisa saber quem é que vai dar essa mensagem. Eu tenho certeza de que o [governador] João Doria vai passar essa mensagem, mas eu não sei qual será a mensagem do [ex-presidente] Lula, por exemplo. Lula tem dado declarações que a essa altura não dá para saber quais são, de fato, as direções dele.

Contato: simone.cavalcanti@estadao.com
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