Economia & Mercados
04/06/2020 10:57

Mercado volta a tomar riscos precificando retomada, mas analistas recomendam cautela


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 04/06/2020 - Um dos mantras do mercado é de que a Bolsa olha para a frente, o que justificaria, por exemplo, os cinco circuit breakers antes mesmo de a covid-19 começar a ter maior impacto sobre a economia brasileira. Três meses depois, o mercado está do outro lado do gráfico, precificando uma retomada mais rápida que o esperado da atividade no pós-pandemia com base em casos como os da China e de países europeus. Entretanto, analistas ponderam que os impactos econômicos da crise ainda podem trazer surpresas negativas no balanço das empresas, interrompendo as trajetórias de alta.

As mudanças nas carteiras recomendadas por bancos e corretoras mostram o viés menos defensivo que o mercado passou a adotar em junho. O BTG, por exemplo, trocou Equatorial, Taesa e Banco do Brasil por SulAmérica, Lojas Americanas e Gerdau em suas recomendações para junho. A XP foi no mesmo sentido: retirou Marfrig, GPA e Ômega da carteira, e inseriu Eztec, Iguatemi e Lojas Americanas. Nas duas, setores atingidos menos frontalmente ou até mesmo beneficiados pela quarentena deram lugar a nomes que tiveram de fechar as portas, no primeiro momento, ou viram suas vendas caírem.

Os menores temores com a covid-19 que ajudam os papéis de varejistas e do setor aéreo a subirem são acompanhados ainda de uma redução nas tensões políticas internas, que afugentaram muitos investidores de papéis de peso, utilizados para mimetizar o desempenho do Ibovespa, como os de grandes bancos e os da Petrobras.

Há um mês, a saída de Sérgio Moro do governo ainda ecoava no noticiário, e o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril trazia dúvidas sobre a situação do governo. Revelado o conteúdo do vídeo, visto como sem grandes novidades pelo mercado, e com uma aparente aproximação do presidente Jair Bolsonaro do Congresso em nome da governabilidade, o investidor, nacional e estrangeiro, voltou a fazer apostas mais arriscadas.

No front sanitário, a curva de casos da covid-19 ainda sobe no País, mas aparentemente, está mais perto do pico que há algumas semanas. É a deixa para que o investidor faça caixa realizando lucros em exportadoras ou empresas ligadas a e-commerce, que serviram de refúgio durante a crise, e busque oportunidades de compra em papéis que ainda não haviam se recuperado. "Há uma procura de ativos com potencial de alta maior que o do mercado", explica Gustavo Almeida, analista de ações da Spiti.

Profissionais alertam, porém, que o momento ainda inspira cautela nas alocações. "O saldo disso tudo na economia ainda não foi visto. A hora em que passar a euforia pelo alívio da pandemia, podemos começar a ver alguns 'corpos boiando'", diz Victor Hasegawa, gestor de ações da Infinity Asset.

Essa visão se dá pelo fato de que no primeiro trimestre, o impacto das medidas de isolamento social aconteceu apenas nas duas últimas semanas, ao contrário do segundo trimestre, que, de acordo com dados prévios de setores como o de infraestrutura, deve ser de forte baque nas operações das empresas. "Esse período de quarentena foi muito impactante sobre caixa e receita", comenta Rafael Panonko, chefe de análise da Toro Investimentos.

Hasegawa, da Infinity, acrescenta que a nível macroeconômico, ainda é incerto se os pacotes de estímulo serão eficazes para fazer com que a economia volte a crescer. Se não forem, explica, as expectativas podem voltar a se deteriorar.

Exposição cuidadosa

Os profissionais destacam que embora haja oportunidades de compra em setores como o de aviação e o de varejo, as incertezas sobre os próximos meses devem inspirar uma alocação mais cuidadosa. "A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem. Faz sentido não aportar todo o capital em Azul e Gol, por exemplo", diz Almeida, da Spiti.

Outro ponto-chave é que, embora espera-se uma redução do contágio pela covid-19 nas próximas semanas, o Brasil ainda vê a pandemia se acelerar, e as medidas de distanciamento social não têm data exata para acabar. "O mercado vê de que a curva de casos se achata, e de que não há uma segunda onda de casos no exterior com a flexibilização. Mas no Brasil, nós ainda estamos em isolamento social. A retomada, por aqui, ainda não aconteceu", aponta Panonko, da Toro.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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