Economia & Mercados
13/05/2022 18:02

Entrevista/Itaú/Mário Mesquita: mercado não quer retrocesso institucional nem econômico no país


Por Aline Bronzati, Correspondente, e Renata Pedini

Nova York e São Paulo, 12/05/2022 - O mercado não quer ver no País retrocessos institucional e de política econômica no próximo governo, diz o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Mário Mesquita. O investidor estrangeiro está preocupado com isso, segundo ele, que está em Nova York para o Latam CEO Conference, promovido pelo Itaú BBA, nesta semana, mas têm uma visão de Brasil de "neutra para construtiva".

Por trás, explica Mesquita, está o fato de o Brasil estar melhor posicionado em três temas que têm afetado a percepção da economia global: a guerra na Ucrânia, da qual está longe, a vacinação contra a covid-19 e no ajuste monetário, cujo fim "provavelmente está próximo", diferente da realidade dos EUA e da Europa. Os investidores, continua o economista, estão divididos em relação ao timing de privatização da Eletrobras, embora majoritariamente favoráveis. "Parece madura", emenda, ponderando que a da Petrobras é difícil.

No cenário macroeconômico, Mesquita admite o risco de revisar ainda mais para cima suas previsões de inflação em 2022 e 2023, no caso de uma pressão persistente nos combustíveis e reajuste da Petrobras. Ao mesmo tempo, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no primeiro trimestre deve ter tido um crescimento bastante robusto, afirma. "Não será surpresa se tivermos um PIB anualizado no primeiro trimestre superior a 4%." Ainda, ele vê risco de uma recessão nos EUA, mas não no País, que deve enfrentar somente "um vento de proa". Leia abaixo os principais trechos da entrevista:


Foto: Divulgação/SM2 Fotografia

Broadcast: Qual foi a principal mensagem nas conversas com empresários e investidores para o Brasil no evento, que voltou a ser presencial pela primeira vez após a pandemia, certo?

Mário Mesquita:
É o primeiro evento presencial. O maior que já organizamos, com quase 200 empresas, a maioria representada por seus CEOs. Tivemos umas poucas baixas de pessoas que testaram positivo assintomático antes de vir para cá. As pessoas realmente conseguiram usar bem o trabalho à distância, mas o presencial ainda tem o seu papel, muito claro, e esse tipo de evento ilustra isso. Acho que é uma semana tensa no mercado, uma combinação de fatores, de eventos, aumentando a preocupação em relação à economia global, Estados Unidos lidando com o problema inflação, atrás da curva, precisando subir juros, está naquele estágio do ciclo em que o fim ainda parece muito distante e o nível terminal da taxa de política monetária também incerto. A China lembra a gente que a pandemia, por lá, continua, e com efeitos econômicos, impedindo a normalização completa da atividade. Na Europa, tem a guerra, o maior conflito no continente desde a segunda guerra mundial. O risco de escalada existe. Quando combina isso tudo, é um ambiente desafiador para ativos de risco.

Broadcast: E qual a visão do investidor estrangeiro sobre o Brasil?

Mesquita:
Tem uma atitude até mais construtiva do que em relação à economia mundial nesses três temas. O Brasil está longe da guerra. Na pandemia, mesmo do jeito que foi tumultuada, a vacinação funcionou e parece que de fato estamos emergindo. Sobre o ajuste monetário, no Brasil, muito provavelmente o fim do ciclo está próximo, temos mais duas altas até 13,75%, mas pode ser que o BC termine antes. Estamos numa situação bem diferente dos EUA e da Europa. Um mundo mais complicado, com aversão a risco, não é um ambiente muito bom para o Brasil, mas tem esses diferenciais positivos. Outro ponto onde tem sempre muita discussão é agenda de reformas e privatizações, Eletrobras vai ou não vai, enfim, os investidores estão divididos em relação ao timing, embora sejam majoritariamente favoráveis à operação. Eu diria que é uma visão (do investidor estrangeiro) neutra para construtiva em relação ao Brasil, sem exuberância alguma, muito em função desse ambiente global desafiador. A gente até está melhor que o mundo nesses três pontos, mas o ambiente global é difícil.

Broadcast: Além de Eletrobras, tem a Petrobras. O novo secretário do MME, Adolfo Sachida, pediu estudos para a privatização da Petrobras. Uma privatização da Petrobras em fim de mandato é possível?

Mesquita:
Não sei se seria viável fazer essa privatização dados os trâmites todos no Brasil até o fim deste ano. Dito isso, em muitos lugares do mundo, o setor de petróleo é privado, não estatal. A Constituição brasileira diz que a atividade econômica compete de forma primária ao setor privado e não Estado. A privatização significa cumprir essa disposição da Constituição. Agora, o timing desse tipo de operação é difícil de prever. O foco aqui, por enquanto, é na Eletrobras, que está bem encaminhada. Depois disso, outras possibilidades podem surgir.

Broadcast: O IPCA de abril (1,06%, acima da mediana das previsões de 1,0%), com difusão alta de preços, reforça a expectativa do Itaú de uma inflação mais alta? Recentemente o Itaú subiu a projeção de IPCA de 7,5% para 8,5% em 2022 e de 3,7% para 4,2% em 2023. Estão pensando em nova revisão?

Mesquita:
As projeções de inflação são sensíveis a câmbio e preços de commodities, em especial, tudo que tem a ver com combustíveis. Se tivermos uma pressão persistente no preço da gasolina, a Petrobras tiver que reajustar o preço, vamos ter que incorporar isso na projeção de 2022, e acaba escorregando um pouco, e dependendo intensidade, influenciando 2023. Tem esse risco, sim. Se commodities, por outro lado, caírem, poderia até gerar uma revisão para baixo. Preços commodities e câmbio são dois fatores de incerteza que podem deslocar a projeção, tanto para cima quanto para baixo. Hoje, vemos os riscos de alta mais intensos que os de baixa. O Banco Central já não fala mais em risco assimétrico para cima. Temos uma visão mais pessimista, enfim, em relação a isso, achando que os riscos são mais para cima.

Broadcast: O pico em 12 meses já ficou para trás? Há riscos? Quando a inflação vai desacelerar abaixo de dois dígitos?

Mesquita:
Estamos próximos dele. Daqui para frente, deve haver um recuo gradual da inflação. Vai ser mais intenso na segunda metade do ano. Até agosto, setembro, em diante. Ou passamos ou estamos próximo do pico, de uma inflexão. Vai caminhar para um dígito alto.

Broadcast: O Banco Central elevou a Selic para 12,75% ao ano, e indicou ao menos mais uma alta, em menor magnitude. O mercado espera, conforme o consenso, 13,25%, mas o Itaú projeta um pouco mais, 13,75%. Só o juro é suficiente para controlar a inflação?

Mesquita:
É o instrumento que se tem. Classicamente, para combater inflação, é política monetária. No século passado, houve uma época em que se achava que podia usar política fiscal para fazer gestão de demanda de curto prazo. Só que a política fiscal é muito mais travada, difícil mudar no curto prazo, porque tudo exige legislação. Monetária sobe e desce juros, inflação é um fenômeno monetário. No passado, usamos compulsórios para encarecer o crédito, mas esse instrumento caiu em desuso, de certa forma. Taxa de juros influencia a economia por vários canais: das expectativas, do câmbio, atividade, crédito. Ela já está atuando. É que tem outros fatores de expansão sustentando a atividade.

Broadcast: O BC foi alvo de críticas ao se comprometer com o chamado forward guidance, em meio a incertezas. Qual sua avaliação sobre o ajuste no comunicado e na ata, em que ele dá menos sinais sobre o rumo da Selic?

Mesquita:
Os dois textos são bem claros, bem detalhados, muito consistentes entre si. O conjunto de instrumentos de comunicação do Banco Central (BC) foi muito bem usado nessa última rodada de política monetária. Tenho uma opinião sobre transparência na comunicação dos BCs. É a seguinte: os BCs devem ser tão transparentes quanto não chegue a prejudicar a eficácia da política monetária. Tem um limite, na minha visão, para a transparência da comunicação. O ideal é comunicar mais, e não menos, mas tem um limite a partir do qual, em certas circunstâncias, a transparência pode atrapalhar em vez de ajudar. Externei essa opinião já a pessoas do Banco Central, que, respeitosamente, de ambos os lados, discordam. Acham que mais transparência é sempre positivo, porque é uma forma de educar mercado, de certa forma, entendo essa opinião, mas divirjo. Num cenário mais incerto, mais transparência acaba atrapalhando e não ajudando. É muito sintonia fina de comunicação de política monetária.

Broadcast: O aperto monetário deve pesar no PIB, que já tem estimativas baixas - 1,0% em 2022 e 0,2% em 2023, do Itaú. Quais os desafios para tirar a economia da estagnação?

Mesquita:
Em relação a PIB, o viés é de alta. O primeiro trimestre deve ter sido muito forte, o segundo também tende a ser. Não será surpresa se tivermos um PIB anualizado no primeiro trimestre superior a 4%. Depois, a gente espera que a economia perca um pouco de ímpeto no segundo semestre. E mesmo quem está mais otimista, na faixa de 1,5%, que no Brasil hoje virou otimista, talvez tenha que rever as projeções para cima. Mas, mesmo que o PIB de 2022 seja uma surpresa positiva, não dá para concluir daí que o Brasil entrou numa rota de crescimento mais forte, que vai se sustentar pelos próximos dez, 20 anos.

Broadcast: E para sair da estagnação?

Mesquita:
Temos que avançar na integração economia mundial. Às vezes, os investidores de fora me perguntam se há um movimento grande de desgloabalização do Brasil. Não, não há, porque nunca teve o de globalização. Primeiro abertura, para trazer o País mais perto da fronteira tecnológica mundial, para tornar uma economia ainda mais aberta à inovação, transformação. Precisa investir em educação também, educação moderna, de qualidade. Diria que Comércio Exterior, se recriado, e Educação são os mais importantes para o futuro do crescimento do País. O Brasil não conseguiria conviver com um regime tributário tão complexo e ineficiente que a gente tem se fosse uma economia aberta.

Broadcast: Há chance de avanço da reforma tributária neste fim de mandato?

Mesquita:
Difícil. Sem uma articulação muito forte, muito clara, entre Executivo e Congresso, consenso para avançar num momento em que parte importante congressistas vai estar voltada para a campanha eleitoral. Não tenho muito otimismo, não. Tomara que eu esteja errado.

Broadcast: Está em curso uma reprecificação dos ativos, levando em conta juros altos em economias centrais, guerra na Ucrânia e covid-19 na China. No Brasil, a melhora dos termos de troca, ao mesmo tempo, ajuda os ativos. Como vê esse cenário e o que espera, principalmente para o câmbio, que desceu mas voltou a superar R$ 5,00?

Mesquita:
Você tem a favor do real, a Selic, os preços de commodities e também o momento de atividade econômica mais intensa no Brasil, que tende a atrair capital. Enquanto isso, há fatores de riscos externos e a política monetária nos Estados Unidos. Essa semana, o que a gente está observando aqui fora é uma mudança de humor em relação ao risco de uma desaceleração mais pronunciada aqui fora, e, se isso se materializar, talvez o juro aqui (nos EUA) não precisaria subir tanto, o que seria boa notícia para o real. Então, tem um lado negativo desse noticiário de desaceleração, e tem um mais positivo, que é o juro não subir tanto. A gente vê o dólar em R$ 5,25 no fim do ano.

Broadcast: Mas o mercado está mais receoso quanto ao risco de recessão nos EUA. Qual a sua opinião?

Mesquita:
O risco de recessão nos Estados Unidos existe. O histórico do Fed para reduzir inflação dos níveis em que ela se encontra agora, sem causar uma recessão, não é bom. Não é que os EUA estão com uma inflaçãozinha, eles estão com uma inflação que não veem há muito tempo, que se tornou disseminada e que começa a afetar expectativas pelo menos de curto prazo de inflação. Então, precisa desaquecer a economia e é muito difícil fazer isso sem ocasionar uma desaceleração mais intensa ou até uma recessão em 2023 e em 2024.

Broadcast: Como o Brasil pode ser afetado em um cenário de recessão nos EUA?

Mesquita:
Crescimento mundial mais lento acaba também afetando o crescimento do Brasil. Os Estados Unidos em recessão é crescimento mundial mais lento. Por outro lado, a taxa de juros tenderia a não subir mais aqui ou eventualmente até cair depois desse ciclo que está começando agora, mas pode ser um ambiente mundial mais desafiador para emergentes.

Broadcast: E o Brasil corre o risco de enfrentar um período recessivo também?

Mesquita:
Não chega a ser uma recessão, mas é um vento de proa.

Broadcast: Qual o cenário do banco para o aperto monetário do Fed?

Mesquita:
A gente acha que o Fed leva a taxa básica (de juros nos EUA) próximo de 4% no fim de 2023, no fim do ciclo (de aperto monetário). Mas a gente também não acha que ele vai trabalhar para trazer a inflação de volta para 2%, mas que vai aceitar algo como 3%, 3,5%. O Fed continua preocupado com a atividade, com a situação dos mercados financeiros, dos preços de ativos, então, a gente não acha que ele vai, a qualquer custo, trazer a inflação de volta para os 2%.

Broadcast: Como os investidores estão enxergando as eleições no Brasil? É possível afirmar que o mercado financeiro aceita melhor um ou outro candidato, considerando os históricos? Ou o que importa é a agenda, independente de quem ganhe?

Mesquita:
Eu não acho que o mercado está ainda extremamente focado neste tema, ainda mais nesta semana, com tanta coisa acontecendo no mundo. O que o mercado resumidamente não quer ver são retrocessos, institucional e de política econômica. Com essa ótica, quando o mercado examinar a eleição com mais atenção, ele vai olhar esses critérios. Enfim, não foi um tema que tenha dominado as discussões. Talvez, até pudesse ser numa semana mundial mais tranquila, mas dado tudo o que está acontecendo no mundo, não foi o grande tema. Mas é isso, sem retrocesso institucional, sem retrocesso econômico.

Broadcast: Quando fala de retrocesso institucional, esse é um tema que ainda coloca o Brasil em evidência? No Brasil, no ano passado, tivemos um tensionamento maior entre os poderes. Isso é uma coisa que pode pesar para o investidor?

Mesquita:
Esse tema está realçado por tudo o que está acontecendo no mundo. Então, o tema institucional, as pessoas prestam mais atenção do que prestavam antes do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) ou antes do (ex-presidente dos EUA, Donald) Trump. E tem também o tema do retrocesso econômico. Você escuta o que vai ser da agenda de privatização, de reformas, para onde o Brasil vai caminhar, enfim, começa a ter perguntas sobre isso, mas, assim, não é que seja o foco. Nenhuma das reuniões em que eu participei, esse foi o grande tema. Ainda tem muito foco no curtíssimo prazo dada essa volatilidade toda.

Broadcast: Mas, na sua opinião, a depender do candidato que vencer nas urnas, em outubro, a gente pode ter retrocesso institucional ou econômico. Enxerga esse risco?

Mesquita:
Os investidores estão preocupados com isso, tá. Eu acho que as instituições do País são sólidas, que as reformas econômicas adotadas em 2016 têm uma lógica importante e que elas devem contribuir para o Brasil voltar a crescer. As reformas ainda não estão completas. Agora, sempre tem incerteza. As políticas econômicas ainda vão ser debatidas durante a campanha. A gente vai aprender mais sobre elas nos próximos meses e vai poder formar uma opinião mais balizada.

Broadcast: Passado o pleito, tem 2023. De forma geral, como deve ser o primeiro ano?

Mesquita:
O fiscal está melhorando no curto prazo, o resultado primário melhor, a dívida mais bem comportada, sem dúvida, mas quando a gente faz simulações de médio prazo, a gente observa uma tendência de alta, especialmente se o gasto real voltar a crescer todo ano como crescia até 2016. Se o gasto voltar a crescer todo ano, aquelas ideias de tirar um item ou outro do gasto, é um pouco de autoengano porque, no fim contas, o gasto e a dívida aumentam, a dívida tem de ser financiada. Se você gastar mais, para fechar as contas, vai ter de tributar mais. Pode ser que no ano que vem a gente tenha uma grande discussão nacional sobre gasto e imposto, que é normal das democracias. É uma decisão que a sociedade vai tomar. Se não, emitir mais dívida, mas já é 80% do PIB, não é uma herança brilhante que a gente vai deixar para as próximas gerações.

Contatos: aline.bronzati@estadao.com e renata.pedini@Estadao.comP
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