Economia & Mercados
26/04/2024 12:42

Entrevista/Pictet Asset/Patrick Zweifel:BCE cortará juro quatro vezes em 2024 e manterá juro real


Por Ricardo Leopoldo

São Paulo, 24/04/2024 - A trajetória de queda da inflação, aliada ao fraco desempenho da economia na zona do euro - que está próxima da recessão desde janeiro de 2023 - permitirá ao Banco Central Europeu realizar quatro cortes de juros de 0,25 ponto porcentual neste ano, na avaliação de Patrick Zweifel, economista-chefe do Pictet Asset Management, baseado em Genebra. Sua percepção é de que a primeira redução ocorrerá em junho. Em entrevista exclusiva ao Broadcast, Zweifel disse que mesmo com a queda de um ponto porcentual no juro nominal, a taxa real deve ficar estável já que é esperada, também, uma retração de ponto porcentual na inflação deste ano. Em relação ao Federal Reserve, o economista acredita que haverá uma desaceleração do consumo nos próximos meses nos EUA, o que permitirá ao Federal Reserve cortar os juros duas vezes neste ano, em setembro e dezembro. Acompanhe os principais trechos da entrevista.



Broadcast: Quantos cortes de juros o Banco Central Europeu poderá adotar neste ano?

Patrick Zweifel: O BCE deverá realizar quatro cortes de juros, de 0,25 ponto porcentual cada, que serão adotados em junho, julho, setembro e dezembro. Há dois fatores que permitirão estas reduções neste ano. O primeiro deles é que a zona do euro está flertando com a recessão desde janeiro de 2023, pois o crescimento da região está bem perto de 0% por mais de um ano. O segundo elemento é que o índice de preços ao consumidor baixou significativamente na zona do euro. O núcleo da inflação de mercadorias apresenta agora um aumento de 1,1%, em termos anuais, bem menor do que o pico de 6%. Por outro lado, a inflação de serviços ainda continua alta, com uma elevação de 4,0%, também em termos anuais, nos últimos cinco meses. Talvez o único fator que poderia levar o BCE a reduzir menos os juros neste ano seria a inflação de serviços continuar muito resistente nos próximos meses. Mas depois do choque de preços que surgiu com a guerra na Ucrânia, a zona do euro está em meio a um movimento de queda da inflação que deverá continuar no curto prazo e deve dar condições ao Banco Central Europeu para iniciar logo o processo de diminuição dos juros. No próximo ano, esperamos mais dois cortes das taxas pelo BCE, em março e junho, e elas atingirão 2,5%.

Broadcast: Os quatro cortes de juros neste ano ocorreriam porque com a taxa a 4,0% em uma conjuntura de queda da inflação, configuraria uma política monetária restritiva demais?

Zweifel: Sim. O principal motivo para os quatro cortes de juros neste ano é que a recuperação da economia da zona do euro ainda não está ocorrendo e, com a queda da inflação, não há necessidade da política monetária continuar restritiva nos atuais níveis. Como esperamos que a inflação na região baixe um ponto porcentual neste ano, o Banco Central Europeu pode reduzir os juros nominais também em um ponto porcentual, o que manterá a taxa real de juros. Nós estimamos que o núcleo da inflação na zona do euro atingirá 2,2% em dezembro, no acumulado em 12 meses, e alcançará 1,9% no último mês de 2025. A taxa de juros nominal neutra na zona do euro é de 3,0%, patamar que deverá ser alcançado ao final deste ano.

Broadcast: Uma alta firme do petróleo ou uma depreciação muito grande do euro ante o dólar seriam os principais riscos que poderiam levar o BCE a adiar o primeiro corte de juros para depois de junho?

Zweifel: Preços de commodities, como petróleo, são sempre complicados, pois podem provocar choques negativos de oferta. Mas se ocorresse uma alta substancial deste produto que exercesse uma pressão sobre o índice de preços ao consumidor, também provocaria uma redução da demanda e poderia moderar o aumento da inflação. Não vejo este fator como um grande risco de curto prazo a ponto de causar uma reação na condução da política monetária pelo BCE. A menos que o aumento do petróleo fosse extraordinário. A mesma avaliação também se aplica à taxa de câmbio. Uma depreciação acentuada do euro ante o dólar poderia provocar uma elevação de preços de produtos importados pela região. Contudo, a zona do euro é uma economia fechada, menos do que os EUA, mas ela é. Não penso que oscilações pequenas do câmbio gerarão grande atenção, exceto se ocorresse uma desvalorização muito significativa, mas ela não está no nosso cenário para os próximos meses.

Broadcast: Uma das principais premissas da previsão de quatro cortes de juros pelo BCE neste ano é a moderação da inflação dos serviços, sobretudo da alta dos salários?

Zweifel: Exato. Para que a elevação dos salários cause um impacto na inflação seria necessário as condições da economia permitirem às empresas repassarem a elevação do custo do trabalho aos consumidores, numa conjuntura marcada por demanda forte das famílias. Contudo, o consumo está fraco na zona do euro, o que levará as companhias a aceitarem algum efeito negativo de alta do custo do trabalho sobre as margens de lucro, ao invés de elevar os preços. A zona do euro deverá ter um crescimento do produto interno bruto de 0,6% neste ano. Em 2025, deverá haver uma retomada da expansão da economia, inclusive devido à redução dos juros, que deverá levar o PIB a uma alta de 1,8%.

Broadcast: Vamos conversar sobre o Federal Reserve. Quantos cortes de juros o banco central dos EUA deverá implementar neste ano?

Zweifel: Nós esperamos dois cortes de juros de 0,25 ponto porcentual cada neste ano, em setembro e dezembro. Serão apenas duas reduções de juros porque a inflação e a demanda nos EUA estão bem elevados. O produto interno bruto do país está crescendo acima do potencial nos últimos 18 meses, o que é uma imagem invertida do que acontece na zona do euro. O avanço do nível de atividade nos EUA ocorre sobretudo com a demanda por serviços, que está muito aquecida e mantém a inflação bem alta. Por outro lado, há uma redução do ritmo do consumo de mercadorias duráveis e não duráveis. O núcleo do índice de preços ao consumidor em março apresentou uma alta de 3,8%, em termos anuais. Mas ao analisar o núcleo da inflação, as mercadorias apresentaram uma queda de 0,7% no período, enquanto o núcleo de serviços subiu 4,8%.

Broadcast: Como deverá ser o crescimento dos EUA neste ano e no próximo e quais serão as implicações à tendência da inflação até o final de 2025?

Zweifel: O PIB do país deverá desacelerar de uma elevação de 1,8% neste ano para 1,5% em 2025, o que levará o núcleo do índice de preços de gastos do consumo (PCE, na sigla em inglês) de uma alta de 2,8% em dezembro deste ano, no acumulado em 12 meses, para 1,9% no final de 2025. Como a inflação estará na trajetória de atingir a meta no próximo ano, o Federal Reserve poderá realizar quatro reduções dos juros em 2025, uma a cada trimestre. Assim, os juros nominais chegarão a 4,0% no final do próximo ano, que avaliamos como o nível neutro nos EUA.

Broadcast: O que seria necessário ocorrer para que o Fed reduzisse os juros uma vez ou até mesmo não mexesse neles neste ano?

Zweifel: Isto poderia ocorrer dependendo do comportamento da demanda por serviços nos EUA. Em dezembro de 2023, o presidente do Fed, Jerome Powell, mudou de posição ao apontar que a inflação no país estava caindo depressa devido a um positivo choque de oferta (vindo da normalização das cadeias internacionais de produção). Recentemente ele apontou que a alta da inflação nos primeiros dois meses deste ano ocorreu de forma temporária. Contudo, Powell agora percebeu que aquele positivo choque de oferta não continuou e precisará manter os juros por mais alguns meses para desacelerar a demanda. Eu penso que o maior risco para a inflação está na demanda muito firme nos EUA. No entanto, o excesso de poupança das famílias e empréstimos para consumidores não estão mais apoiando o avanço das compras dos cidadãos. Desta forma, deveremos ver uma desaceleração do consumo nos próximos meses, o que permitirá ao Fed cortar os juros em setembro e dezembro.

Contato:ricardo.leopoldo@estadao.com
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