Economia & Mercados
17/06/2022 16:39

Entrevista/Goldman Sachs/Alberto Ramos: BC mira convergência do IPCA em dois anos, não em 2023


Por Cícero Cotrim

São Paulo, 17/6/2022 - O Comitê de Política Monetária (Copom) deixou claro no comunicado que mira a convergência da inflação brasileira ao centro da meta em um prazo de dois anos, e não em 2023. A avaliação é do diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, que vê no comunicado de junho sinais de que o colegiado pretende encerrar o ciclo de aperto já na próxima reunião.

Ao apresentar antecipadamente uma projeção de 2,7% para o IPCA de 2024 - abaixo do centro da meta, de 3,0% -, o Banco Central (BC) indica ao mercado que o aperto monetário já conduzido é suficiente para promover a desinflação da economia e seria preferível ao custo, em termos de atividade, de perseguir a meta de 2023, diz Ramos, em entrevista ao Broadcast. Para atingir o centro do alvo no ano que vem, seria necessário, em seus cálculos, mais dois a três pontos porcentuais de Selic.

"Esse cenário [de IPCA 2024] é, hoje, praticamente irrelevante para a calibração da política monetária no curto prazo, mas o BC se deu ao trabalho de mostrar uma projeção de inflação ligeiramente abaixo da meta em 2024", afirma o economista. "Com essa projeção, o BC indica que não vai entregar a inflação na meta em 2023, mas que essa convergência vai acontecer em algum momento de 2024."

No seu cenário-base, o Goldman Sachs espera que o fim do ciclo de aperto monetário no País ocorra em agosto, com um aumento final de 0,5 ponto porcentual da Selic, a 13,75%. Mas o economista alerta que os riscos altistas para a inflação do ano que vem com a aprovação de desonerações de combustíveis e a aceleração do aperto monetário global podem levar a uma extensão do ciclo. Ele diz ainda que um aumento forte do dólar com o processo eleitoral brasileiro exigiria resposta de política monetária.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Broadcast: Em um relatório publicado anteontem, o Goldman Sachs avaliou que o Copom deve aumentar os juros em mais 0,5 ponto porcentual em agosto, a 13,75%, e encerrar o ciclo. Quais são as pistas no comunicado que corroboram essa visão?

Alberto Ramos: O BC já vem sinalizando nas últimas reuniões, baixando o ritmo de aumento da Selic, e estamos chegando no ponto em que a restritividade está em um nível razoável. A outra dica é que ele antecipou em uma reunião o cenário [de IPCA] para 2024. Esse cenário é, hoje, praticamente irrelevante para a calibração da política monetária no curto prazo, mas o BC se deu ao trabalho de mostrar uma projeção de inflação ligeiramente abaixo da meta em 2024. O BC já mostrou algum grau de flexibilidade para que a inflação fique um pouco acima da meta em 2023 e mostrou que, com esse grau de restritividade, vai entregar uma inflação ligeiramente abaixo da meta em 2024.

Broadcast: A divulgação da projeção de IPCA de 2024 foi vista por parte do mercado como uma 'suavização' do compromisso do Copom com a meta em 2023. Isso faz parte de um esforço do BC para comunicar que deseja encerrar o ciclo de aperto?

Ramos: Acho que essa é a ilação correta sobre o que o BC está querendo mostrar. O Copom só apresenta o cenário de dois anos à frente na reunião de agosto, e resolveu antecipar. Se o BC tem uma projeção de inflação de 4,0% em 2023, é óbvio que teria de dar um arrocho de juros se quisesse levar essa inflação para a meta de 3,25%. Ele teria de aumentar 200 ou 300 pontos-base, e eu acho que não deveria fazer isso, porque o custo seria extremamente alto do ponto de vista econômico e social. Com essa projeção, o BC indica que não vai entregar a inflação na meta em 2023, mas que essa convergência vai acontecer em algum momento de 2024. Está basicamente dizendo que está olhando um processo de convergência nos próximos dois anos.

Broadcast: O Copom já espera um IPCA 0,75 ponto acima do centro da meta no ano que vem, sem considerar os impactos para cima das desonerações de combustíveis. Se essas medidas forem aprovadas, o colegiado corre o risco de precisar estender o ciclo para além de agosto?

Ramos: Essa pressão pode se materializar, e não só pela aprovação dessas medidas, que o BC reconheceu como um dos fatores de viés para cima na inflação. Se, para além disso, as próximas divulgações mensais do IPCA mostrarem uma composição ruim, uma inflação um pouco acima do esperado, e o entorno externo se mantiver com uma toada hawkish, o Copom pode sentir a pressão para não encerrar o ciclo em agosto e, eventualmente, estendê-lo até setembro. Aliás, o Copom poderia perfeitamente ter dito que antevê um aumento da mesma magnitude ou menor na próxima reunião e comunicado o fim do ciclo. O fato de não ter mencionado isso significa que manteve a opção de, eventualmente, fazer mais alguma coisa

Broadcast: O Fed acelerou o ritmo de alta dos juros esta semana e sinalizou que a taxa dos Fed Funds pode chegar a até 3,5% no fim deste ano. Como esse quadro impacta o Copom?

Ramos: Esse pode ser um impulso que leva o BC a não parar o ciclo em agosto. Mas, mesmo que o Fed leve a política monetária para 3,5%, é apenas uma pitada acima do que é considerado o juro neutro nos EUA. O BC do Brasil está com um nível de restritividade muito elevado, já se protegeu dessa dinâmica um pouco mais hawkish em termos globais. Esse entorno hawkish global terá mais implicação sobre por quanto tempo o Copom terá de manter o juro acima de 13% e qual vai ser o orçamento de corte que pode usar em 2023 e 2024.

Broadcast: Diante desse cenário externo, é possível que o ciclo de corte da Selic, previsto por vocês para entre o segundo e o terceiro trimestre de 2023, seja postergado?

Ramos: Considerando uma Selic de 13,25% e a inflação esperada em 12 meses, temos um juro real ex-ante acima de 7%, com um perfil de crescimento bastante anêmico, e se espera que a inflação vá moderando à medida que o tempo avança para chegar ao fim de 2023 próxima de 5%. Ou seja, a restritividade da política monetária vai aumentar mesmo depois que o BC parar de subir os juros. Como a gente vai olhar um crescimento pífio em 2023, e como em meados do ano que vem o BC estará olhando uma inflação projetada abaixo da meta em 2024, acho que em algum momento terá de cortar. Mas o entorno externo não vai permitir ao BC cortar para próximo do neutro.

Broadcast: Como as eleições presidenciais no Brasil afetam as expectativas para a política monetária, política fiscal e inflação no País?

Ramos: Depende do ruído que a eleição gerar. Se gerar muito ruído e impactar o sentimento de mercado, as condições financeiras e os preços de ativos, incluindo o câmbio, o BC teria de, eventualmente, reagir a isso. Uma grande pressão no câmbio pelo ruído da eleição significaria mais inflação no modelo; se tiver mais inflação, significa que vai ter de recalibrar a política monetária. E, além da eleição, o mercado precisa ter um pouco mais de clareza sobre qual será o marco da política macroeconômica do candidato que vier a vencer.

Contato: cicero.cotrim@estadao.com
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