Economia & Mercados
10/06/2022 18:05

Especial: BCE abrirá caminho para alta de juros no 2° semestre, mesmo sob risco de recessão


Por Gabriel Caldeira

São Paulo, 08/06/2022 - A expectativa praticamente unânime de analistas indica que o Banco Central Europeu (BCE), em sua reunião monetária de hoje (09), abrirá caminho para altas de juros de 25 pontos-base em julho e setembro. O consenso vem após sinalizações claras de importantes dirigentes do BC nas últimas semanas, incluindo a presidente Christine Lagarde. O aperto monetário do BCE, no entanto, virá em um momento em que as previsões de recessão na zona do euro ganham força, em meio ao choque provocado pela guerra na Ucrânia, que já completou 100 dias e não parece ter fim à vista.

Membros do Conselho do BCE e presidentes de BCs da zona do euro já adiantaram que a entidade deverá elevar em breve os juros. Em painel durante o Fórum Econômico Mundial deste ano, a presidente Christine Lagarde disse que a inflação do bloco atingiu um "ponto de inflexão" e, por isso, a região sairá da era de juros negativos. Economista chefe do BC comum, Philip Lane foi muito claro ao antecipar altas de 25 pontos-base do juro nas reuniões de julho e setembro, afastando a possibilidade de aumento já em junho, bem como de elevações de 50 pontos-base, como fez o Federal Reserve (Fed).

Segundo o ING, há pouca dúvida sobre qual será a trajetória da política monetária na zona do euro nos próximos meses. "Um aumento do juro na próxima semana ainda é quase impossível, mas não podemos descartar outra surpresa hawkish. Seguindo a lógica do BCE, essa surpresa enfraqueceria o compromisso firmado por Lane e Lagarde e se daria ao manter uma alta de 50 pontos-base na mesa para julho", diz o banco holandês.

Segundo o Nordea, o BCE provavelmente não vai descartar completamente uma alta de meio ponto porcentual em julho, já que as perspectivas inflacionárias na zona do euro apontam para alta dos preços um pouco acima de 3% no fim do horizonte de projeção, em 2024. Em maio, o índice de preços ao consumidor (CPI) do bloco acelerou para alta anual de 8,1%, recorde histórico. O cenário-base do Nordea, no entanto, segue o de altas de 25 pontos-base nas reuniões de julho e setembro, ainda que os riscos de altas maiores exista.

Na opinião de Ricardo Reis, professor da London School of Economics (LSE), o BCE já está cinco meses atrasado no aperto monetário e, por isso, deveria elevar o juro em meio ponto porcentual já nesta semana. Já o economista-chefe para a Europa do banco Goldman Sachs, Sven Jari Stehn, projeta alta acumulada de 1,5 ponto porcentual até o fim do ano.

A visão hawkish, porém, não é consenso entre analistas. Em relatório recente, o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) classificou como um "erro" o eventual aumento dos juros na zona do euro, uma vez que a região deve entrar em recessão por causa da guerra na Ucrânia. Para a entidade, o cenário de contração econômica reduz o risco de choques de oferta repercutirem na inflação. "Parece-nos que a inflação é, portanto, um problema passado, mas o Conselho do BCE não parece partilhar desta opinião", define o IIF.

O Rabobank também prevê recessão econômica na zona do euro entre o fim de 2022 e começo de 2023, puxada especialmente pelo embargo da União Europeia (UE) a importações de petróleo da Rússia. Há ainda o impacto do aumento dos custos de matérias-primas por conta dos persistentes gargalos na cadeia produtiva e fatores técnicos que puxarão as leituras do Produto Interno Bruto (PIB) da região para baixo, uma vez que o impulso da reabertura econômica perde ímpeto. "Uma desaceleração robusta está em andamento, e o BCE nem os governos nacionais estão em posição de impedi-la", resume o banco.

Diante do trade off entre controlar a inflação e evitar que o PIB recue, é incerto que haverá maioria no BCE para defender a subida dos juros mesmo com a zona do euro flertando com recessão nos próximos meses, diz o ING. Ainda que o bloco não entre em recessão técnica, há sinais preocupantes, pontua o ING, como a confiança de consumidores em "nível contracionista" e um sentimento ainda pior no setor industrial.

Desta forma, a taxa de juro neutra do BCE pode estar mais próxima do que o mercado acredita, segundo a instituição. Ainda que terminar o programa de compras de ativos e retirar o juro de patamar negativo seja prioridade, o ING destaca que as pressões inflacionárias se concentram no lado da oferta, e a normalização monetária afetaria principalmente a demanda.

"Para nós, isso limita o escopo de um ciclo de aperto do BCE. Os primeiros sinais de aperto na extremidade longa da curva nos sugerem que o juro neutro pode estar no limite inferior do que está sendo estimado atualmente, e a desaceleração da economia pode derrubá-lo ainda mais. Consequentemente, esperamos que o BCE suba a taxa básica em um ponto porcentual entre julho deste ano e o primeiro trimestre de 2023, antes de fazer uma pausa para avaliar os efeitos", projeta o banco holandês.

Projeções

Na reunião monetária de hoje, o BCE também atualizará as suas projeções para a zona do euro. Com o CPI da região batendo recordes seguidos nos últimos meses, o BC comum se verá obrigado a elevar mais uma vez sua projeção de inflação, segundo a Capital Economics. A casa destaca que o mercado de trabalho no bloco está apertado, com a menor taxa de desemprego da história e alta taxa de vagas desocupadas, fatores que reforçam a perspectiva de maiores ganhos salariais em breve.

Além disso, há os impactos de fatores globais. A Capital recorda, por exemplo, que as últimas projeções do BCE baseavam-se em um preço médio do petróleo Brent de US$ 93 por barril este ano, além de um euro cotado a US$ 1,12. "As novas previsões assumirão um preço do [barril do] petróleo acima de US$ 110 e uma taxa de câmbio mais fraca", diz a consultoria.

Já o Danske Bank acredita que as projeções inflacionárias para 2023 e 2024 também serão elevadas, sob expectativa de que a transição energética na UE e o setor imobiliário sigam alimentando os índices de preços. Quanto ao crescimento, o banco dinamarquês diz que as previsões do BCE não devem apontar para recessão, mas sim uma "contínua recuperação moderada".

O NatWest, por sua vez, espera que a previsão para o PIB de 2022 seja ajustada para algo próximo do que o BCE considerou como "cenário severo" na sua reunião de março, em que projetava crescimento econômico de 2,3%. "Apesar de alguma resiliência nos serviços após a onda da variante Ômicron, a maioria dos indicadores mais relevantes apontam para baixo, e a inflação muito mais alta vem prejudicando a renda real disponível. Acrescente a isso a incerteza relacionada à guerra", destaca.

Contato: gabriel.caldeira@estadao.com
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