Economia & Mercados
07/02/2022 12:00

Proliferação de fintechs cria novo negócio para bancos - o aluguel da infraestrutura


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 07/02/2022 - Quando um cliente do banco digital do Rappi compra um seguro para a casa ou o pet, faz tudo sem sair do aplicativo. O mecanismo que permite a compra, porém, é da W2.Digital, startup que fornece esse tipo de serviço para empresas de diferentes setores, e que em dezembro foi comprada pelo Modal. A marca que aparece é a do aplicativo de entregas, mas quem conecta o cliente à seguradora é a W2 (e o Modal, por extensão).

Esse tipo de parceria floresceu com a expansão das fintechs no País na última década, e é parecida com que as que os bancos sempre tiveram com empresas de vários setores para oferecer cartões de crédito ou crediários, mas o componente tecnológico faz toda a diferença.

O chamado banco como serviço (BaaS, na sigla em inglês) cede às companhias, muitas delas fintechs, a estrutura tecnológica e regulatória necessária para a operação de um banco, que muitas vezes é cara e demorada para construir. O modelo é viabilizado pelas interfaces de programação (APIs), espécie de fórmula que faz aplicativos e softwares funcionarem, e que as empresas têm contratado em bancos para criar as próprias fintechs e carteiras digitais.

No Modal, os parceiros podem contratar apenas parte dos produtos e serviços que o banco oferece ou um pacote completo, que permite conceder crédito e vender seguros. "Eu coloco à disposição, através de módulos, os benefícios de um ecossistema inteiro de bem-estar financeiro que a gente construiu", resume André Lauzana, CFO e diretor-executivo do banco.

O chamado B2B2C - oferecer produtos a empresas que os distribuirão ao consumidor final -, é uma vertical que ganhou tração no Modal a partir da abertura de capital do banco, no início do ano passado. Para fortalecer os produtos, o Modal comprou as startups de infraestrutura LiveOn, que desenvolve bancos digitais para outras empresas, e a W2, focada em seguros. Os valores das aquisições não foram revelados.

O BV (antigo Banco Votorantim) também fez um investimento no ramo com um aporte no S3 Bank, outra plataforma de BaaS, e já tinha anteriormente as próprias soluções, divididas em três pacotes: o BaaS; o investimento como serviço (IaaS, na sigla em inglês), em que a plataforma oferece produtos de investimento; e o crédito como serviço (CaaS), em que os serviços de concessão de crédito são embarcados.

Segundo o diretor de atacado do banco, Rogerio Monori, foram 208 milhões de transações na plataforma no banco como serviço em 2021, forte expansão na comparação com 2020. "(O desafio) é mais a nossa capacidade de atender. Saindo para vender, tem muita demanda", afirma. Um dos objetivos do investimento no S3 é fortalecer a operação.

Modal e BV têm estratégias diferentes para o crédito originado através dos clientes para os quais fornece as estruturas. No Modal, ele é direcionado a parceiros que operam fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Já o BV, em alguns casos, incorpora o crédito concedido à sua própria carteira.

No Original, da holding J&F, o BaaS ganhou uma vertical própria dentro do banco, o Hub, comandado por Alexandre Conceição, veterano do setor que trabalhou no Banco do Brasil por três décadas, atuando na área de sistemas e tecnologia da informação durante quase todo o período. Segundo ele, o foco é nas soluções financeiras dentro de outros tipos de produto, como sites de varejo ou sistemas de cobrança.

"O banco vem, nos últimos quatro ou cinco anos, ampliando seu portfólio de serviços. Percebemos que poderíamos disponibilizar cada produto e serviço para outras empresas, maximizar o investimento. Foi uma forma de escalar", comenta. Pelas APIs do Original, passaram mais de R$ 24 bilhões em volume financeiro em 2021, número que pode dobrar neste ano.

Escala e riscos

André Leme, sócio da consultoria Bain & Company, aponta que um dos investimentos mais caros na montagem de um banco é nos sistemas que garantem o funcionamento da operação principal, que além de ultrasseguros, precisam cumprir exigências regulatórias. "Quando um banco vê a oportunidade de empacotar o que montou para si para gerar receitas adicionais, certamente é uma grande vantagem. Ele ganha uma escala muito maior", comenta.

Fora o preço, os sistemas demoram para ficar prontos e receber todas as aprovações necessárias para operar. Recorrer a um banco como fornecedor da estrutura ajuda, especialmente porque tempo é dinheiro em um setor cada vez mais competitivo. "Se o cliente pegar a proposta full (inteira), em alguns dias eu coloco no ar", diz Lauzana, do Modal.

Essa oportunidade de negócio ficou mais clara justamente pela proliferação de fintechs no Brasil, fenômeno que ganhou vulto na segunda metade da década passada. "Toda fintech que aparecia tinha que procurar o banco para fazer CCB (cédula de crédito bancário)", diz Jean Lopes, diretor de bancos e instituições financeiras não-bancárias da Fitch. "Os bancos passaram a olhar aquilo, em especial os pequenos e médios, como uma unidade de negócio."

O movimento, porém, traz riscos. O diretor sênior de instituições financeiras da agência de classificação de risco, Claudio Gallina, lembra que um novo canal de vendas, ainda que através de uma fintech "white label", cria uma nova possível porta de entrada para ataques cibernéticos aos sistemas dos bancos. E há um risco de crédito, em especial nos casos em que o foco seja na classe baixa e com produtos de alto custo financeiro, como os cartões de crédito. "Migrando para cartão de crédito, na baixa renda, num cenário de taxa de desemprego alta, crescimento de PIB não tão robusto e aumento de juro, pode ser um risco sim", comenta.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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