Economia & Mercados
18/02/2022 16:10

Especial: Mais castigado por inflação, Brasil tem 2º maior juro entre principais emergentes


Por Bárbara Nascimento

São Paulo, 18/02/2022 - Uma combinação de pressões inflacionárias internas e externas levou o Brasil a uma liderança indesejada. Atormentado por um avanço nos preços bem maior do que os outros emergentes, o País tem hoje um dos maiores patamares de juros entre os principais desse nicho. Dentre os maiores emergentes, a taxa Selic, hoje em 10,75% ao ano, mas ainda em perspectiva de alta, só perde para a Turquia, que, apesar de ter os juros em 14%, tem sido questionada politicamente e iniciou um afrouxamento monetário.

Embora o processo de aperto monetário estrangule ainda mais o crescimento brasileiro e deixe pouco espaço para a economia avançar, especialistas ouvidos pelo Broadcast ponderam que o fato de o Brasil ter se adiantado na decisão de subir a Selic deve trazer a inflação para um patamar aceitável antes dos demais emergentes. Num cenário onde o mundo todo sofre com uma alta insistente dos preços, ter saído na frente, dizem, pode compensar mais adiante.

O Brasil segue um movimento mundial de subida de juros, após uma disfunção nas cadeias de suprimentos globais causada pela pandemia de covid-19 e uma alta nos preços das commodities ter levado a uma elevação dos preços ao redor do mundo. De fora a fora, países desenvolvidos e emergentes têm optado por elevar taxas, ainda que em ritmos diferentes. As exceções são China, que sentiu menos a inflação global e os efeitos da pandemia em 2021 e encontrou espaço para estímulos monetário e fiscal, e a Turquia, em um processo de queda de juros por pressão política, o que tem penalizado a credibilidade do país.

Na América Latina - destacadamente no Brasil -, o aperto veio antes da maior parte dos emergentes e num nível maior. Quando comparados aos emergentes asiáticos - mais ligados à economia chinesa e que sentiram menos a inflação -, por exemplo, os países latinos se veem obrigados a subir em uma reunião o que o mercado espera que os asiáticos subam em todo o ano de 2022.

"A América Latina apertou o ciclo antes de todo mundo porque não havia escolha. A inflação estava subindo e, com menor força institucional, havia risco de que as expectativas de inflação subissem. Os bancos centrais tiveram que agir rapidamente", aponta o economista-chefe para América Latina do Citi, Ernesto Revilla, em entrevista concedida ao Broadcast em janeiro.

Aqui, o BC iniciou a alta nos juros ainda em março de 2021 (quando a taxa foi de 2% para 2,75%). O processo, no entanto, ganhou tração a partir de setembro do ano passado, quando a autarquia emplacou um ritmo de elevação de 150 pontos-base, levando a Selic dos 6,25% aos 10,75% atuais. E o mercado aposta que a taxa superará os 12% até maio, quando acreditam que o Banco Central deve encerrar o ciclo.

"O Brasil foi um dos países que começou mais cedo o aperto, está mais adiantado. Estamos já de uma a duas reuniões do final do processo de aperto. O Brasil é um dos que teve a inflação mais alta no ano passado e precisa de um remédio mais duro", aponta o sócio-fundador da Mauá e ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo.

Ele explica que, além da pressão externa, o Brasil teve ainda componentes internos, com a crise hídrica, que elevou os preços de energia e afetou a safra. Nos últimos 12 meses até janeiro, o IPCA teve uma alta acumulada de 10,38%. Para esse ano, as expectativas giram em torno de 5,50%, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. "Acabamos subindo mais os juros. Em compensação, o Brasil é o que vai trazer mais rapidamente a inflação para a meta", aponta Figueiredo, para quem o BC terá condições de começar a reduzir a Selic ainda este ano.

Para o economista-chefe para emergentes da consultoria britânica Capital Economics, William Jackson, a reação mais forte do banco central brasileiro tem ainda um componente histórico. "Dado que o histórico de inflação alta no Brasil é recente e há algum grau de indexação da economia, isso faz com que o BC aja mais intensamente", aponta.

Atividade

Ainda que os especialistas apontem que o Brasil não tinha um caminho alternativo para tomar, isso não significa que o crescimento não vai sofrer. Para este ano, o mercado aposta em um PIB próximo de zero, muitos com viés de baixa. Jackson, contudo, avalia que o atual patamar dos juros é apenas mais um componente que não ajuda a atividade brasileira: "Taxas altas são ruins para crescimento, mas é só um entre vários fatores que levam à recessão", aponta, ponderando: "A inflação alta também está afetando o crescimento agora".

Boa parte do problema, no entanto, já estaria embutido nas previsões atuais, apontam os analistas. "Hoje estamos tão no final do aperto monetário que a surpresa é pequena para cima ou para baixo", avalia Figueiredo.

Investimentos

Por outro lado, o atual patamar de juros elevados tem potencial de trazer algum efeito positivo para o fluxo de investidores. Em um ambiente em que a inflação global forçou o mundo a apertar a política monetária, os emergentes travam uma queda de braço por investimentos. Num cenário em que nações desenvolvidas, principalmente os Estados Unidos, já anunciaram que vão iniciar um processo de alta de juros, o dinheiro do mundo tende a ir para esses destinos, mais seguros. Por isso, na alocação de recursos de maior risco, o Brasil pode sair ganhando por ter um diferencial de juros maior.

"[O atual patamar de juros] Pode prover algum suporte para os investidores estrangeiros, dado que o retorno dos ativos agora é bem alto. As condições gerais se tornaram mais favoráveis. Fatores de inflação começaram a ser reduzidos, a taxa de câmbio tem mantido retornos atraentes", resume Jackson, da Capital Economics.

Contato: barbara.nascimento@estadao.com
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