Economia & Mercados
27/07/2021 09:04

Especial: novo líder do Peru quer mudanças na mineração, no 2° maior produtor global de cobre


Por Gabriel Bueno da Costa

São Paulo, 26/07/2021 - O presidente eleito do Peru, Pedro Castillo, toma posse nesta quarta-feira (28). Após uma disputa acirrada no segundo turno com Keiko Fujimori, Castillo teve sua vitória confirmada e agora há expectativa sobre o que a nova administração pode representar. Candidato mais à esquerda, o professor e líder sindical sinaliza com mudanças para o setor de mineração, que devem incluir maior taxação sobre as empresas, no país que é o segundo maior produtor global de cobre.

O Peru é ainda o segundo maior produtor no mundo de prata e zinco, liderando na América Latina em ouro, estanho e chumbo, tendo a China como parceiro importante. O Ministério de Energia e Minas local informa que os investimentos da potência asiática na mineração no país totalizaram cerca de US$ 15 bilhões entre 2009 e julho de 2020, em cinco projetos. Ela é também grande cliente dos minerais locais. Ambientalistas e comunidades locais no Peru, porém, contestam esse setor, considerando-o destruidor da natureza e uma perturbação para a vida nas regiões em que ocorre. As comunidades locais exigem também maiores benefícios econômico diante da quantidade de recursos naturais extraídos e as regiões de mineração tiveram votação expressiva no candidato vencedor.

Castillo é apontado pela imprensa internacional como um nome de extrema-esquerda. O Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, um liberal, pediu aos eleitores de seu país que votassem em Keiko Fujimori como um "mal menor", mesmo diante da histórica batalha entre Vargas Llosa e o pai de Keiko, o ex-presidente Alberto Fujimori. O primeiro turno presidencial foi marcado por forte fragmentação do eleitorado, Castillo ficou com apenas 18,92% dos votos válidos e Keiko, 13,40%. No segundo turno, ele obteve 50,126% dos votos válidos. Keiko ameaçou não reconhecer a derrota, alegando acusações de fraude não confirmadas por observadores internacionais nem pelo tribunal eleitoral local, mas acabou por desistir. Agora, ela deve ser nome forte na oposição, embora enfrente processos judiciais que incluem a chance real de prisão.

O partido do presidente eleito, Peru Libre, ficou à frente na disputa pelo Legislativo, mas terá apenas 37 das 130 cadeiras, o que pode significar dificuldades para aprovar sua agenda. Castillo ainda parecia tomar algumas atitudes para acalmar a parcela mais conservadora do eleitorado e acenar ao mercado, ao pedir que o atual presidente do Banco Central, Julio Velarde, seguisse no cargo. Velarde disse que avaliava a proposta.

Diretora para América Latina da Eurasia, Maria Luisa Puig lembrou, em comentário enviado ao Broadcast, que Castillo já disse que pretendia elevar impostos para mineradoras "e sinalizou que esta será uma prioridade em seu governo". Nesse contexto, ela destacou que as indicações para postos cruciais para isso, como os ministros de Economia e Mineração, darão o primeiro indício claro de como ele pretende se posicionar nesta e em outras questões relacionadas ao setor. Às vésperas da posse, o gabinete ainda não havia sido anunciado.

Economista-chefe da Pantheon para América Latina, Andres Abadia comenta que Castillo fez algumas sinalizações positivas ao mercado. Além do convite ao atual presidente do BC para que prossiga no posto, cita assessores vistos como amigáveis aos mercados e um recuo em algumas "promessas mais perturbadoras da campanha". Abadia lembra que um dos assessores do presidente eleito é Pedro Francke, economista de centro-esquerda que já trabalhou no Banco Mundial. Francke "já disse em muitas ocasiões que Castillo respeitaria a economia de mercado do Peru e controlaria gradualmente as contas fiscais, mantendo um olho na recuperação econômica".

Por outro lado, o economista da Pantheon diz que as condições políticas devem seguir instáveis. Ele nota que o Peru Libre é apontado como um partido marxista-leninista e seu líder, Vladimir Cerrón, um médico treinado em Cuba que já foi sentenciado por corrupção quando era governador regional. Segundo Abadia, até agora Castillo não marcou distância de políticas propostas por Cerrón, "incluindo a potencial nacionalização de mineradoras". O analista comenta, porém, que esse tipo de estratégia política exigiria mudanças na Constituição. Abadia ainda vê como "boa notícia" que o Congresso peruano esteja muito fragmentado, com a oposição tendo bem mais cadeiras, o que reduz o espaço para adoção de "visões controversas" do futuro presidente. Castillo "necessitará do apoio de partidos de centro e centro-direita para ver suas políticas avançarem de modo ordenado". Mas a fragmentação também torna o risco de impeachment "muito real", para Abadia, o qual lembra que isso pode ser feito com o mínimo de 87 dos 130 votos do Congresso. Para ele, a perspectiva para a economia do Peru e para o setor de mineração é ainda positiva, "mas temos de admitir que os riscos estão muito voltados para baixo". Caso uma visão mais radical se consolide no governo, ele promete revisar sua projeção, já dizendo que, de imediato, os investimentos em bens de capital devem ser contidos nos próximos poucos meses, até que se saiba mais sobre as diretrizes da administração.

Diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos espera que o próximo governo tente exercer mais controle sobre o setor de mineração e conseguir mais receita com ele. "Os royalties da mineração e do cobre devem aumentar e o arcabouço regulatório que o setor enfrentará deve ser menos amigável aos negócios", acredita. Segundo ele, a administração deve basicamente expandir o papel do Estado na economia, "diretamente ou indiretamente por meio de regulações".

A China e a arrecadação fiscal

Outro analista consultada, Eileen Gavin, da consultoria de risco Verisk Maplecroft, destaca o papel da China, nesse contexto. Ela prevê que Pequim deve pressionar Castillo "para que não cause problemas" e destaca o fato de que ele em 16 de julho visitou o embaixador chinês em Lima, em seu primeiro contato com autoridades internacionais.

Gavin prevê que a próxima administração abre espaço para "negociações duras com o setor de mineração", mas apenas se Castillo conseguir ficar durante um tempo no cargo, o que ela diz não ser seu cenário-base. O país de fato tem um histórico considerável de instabilidade e trocas de comando. Mesmo que consiga levar adiante seu mandato, ainda seria "altamente improvável" que Castillo adotasse uma nacionalização do setor. O presidente eleito já disse que não tem essa intenção, lembra ela. "Mas certamente as demandas fiscais sobre o setor devem crescer", aponta, lembrando que isso deve passar por royalties mais elevados, diante de ganhos recentes nos preços do cobre. Gavin ainda prevê tentativas de revisar acordos de estabilidade tributária, segundo ela "cerca de 25 atualmente", a maioria deles com vencimento apenas no fim da década atual ou durante a de 2030. Ainda para a analista, qualquer mudança fiscal substancial levaria algum tempo para se concretizar e ser fechada pelos lados envolvidos, de seis a doze meses, projeta.

Para o Barclays, o novo presidente chega com uma agenda de "mudança estrutural profunda". O banco diz que isso gera "grandes preocupações e poderia levar a uma deterioração significativa dos fundamentos do país". Nesse contexto, o Barclays diz que estará atento ao novo gabinete e a uma estratégia que a próxima administração poderia tentar usar para reformar a Constituição.

Contato: gabriel.costa@estadao.com
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