Economia & Mercados
28/09/2022 13:23

Especial: Bancões apostam alto em 'tags' de pedágio e ameaçam hegemonia da Sem Parar


Por Juliana Estigarríbia e Matheus Piovesana

São Paulo, 26/09/2022 - O avanço das concessões de rodovias à iniciativa privada traz consigo a expectativa de um salto na demanda por pagamentos automáticos em pedágios, e atrai empresas que antes não olhavam para este bolo. Os grandes bancos estão neste grupo, e veem nas chamadas "tags" uma ferramenta poderosa para aumentar o relacionamento com os clientes. As ofertas que têm feito, em geral sem mensalidade, atingem diretamente à principal empresa do segmento, a Sem Parar.

Fundada por um grupo de concessionárias de rodovias em 2000, a Sem Parar atuou sozinha por 11 anos, até que a agência reguladora paulista Artesp obrigou as concessionárias a assinarem contrato com todas as empresas que homologava. Nascia o conceito de OSA - operadora de serviços de arrecadação. Assim foi fundada a ConectCar, que posteriormente teve o controle adquirido pelo Itaú Unibanco.

"Enxergávamos a ConectCar como uma unidade de negócio dentro do banco. Depois, percebemos que o cliente teria acesso a vários produtos e serviços que podem ser pagos pelo carro", diz o diretor do Itaú Rodnei Bernardino de Souza, que pontua que o pagamento pelo aparelho gera um fluxo financeiro para o banco. "Toda vez que colocamos uma tag, há um pagamento recorrente no cartão (de crédito) ou na conta corrente."

Atualmente, a ConectCar tem quase 2 milhões de clientes, 800 mil deles da tag do Itaú. O produto é equivalente ao plano completo da ConectCar, que originalmente custa R$ 17,90 ao mês. Não há cobrança de mensalidade para clientes do banco, mas eles precisam recarregar a tag para aproveitar o benefício.

O diretor de negócios e operações da ConectCar, Newton Ferrer, afirma que há mais de 1.200l estacionamentos na plataforma, além das 75 rodovias com pedágios. "No estado de São Paulo, 70% dos veículos que passam em pedágios têm alguma tag. O cliente de uso ocasional ou sazonal, que não quer pagar mensalidade, pode contar com o serviço gratuitamente. O potencial do mercado é grande", diz o executivo, referindo-se à tag Itaú.

O almoço também não é grátis para clientes de concorrentes. Há alguns anos, o banco digital C6 passou a oferecer a tag grátis para todos os correntistas, mas recentemente mudou a política, passando a cobrar R$ 5 de parte deles. O serviço é prestado pela Greenpass, que desde 2019 atua com modelo "white label", ou seja, fornecendo a plataforma para que terceiros coloquem suas marcas.

Impulso

A Greenpass foi fundada por ex-executivos da ConectCar e, em fevereiro, teve o controle adquirido pela francesa Edenred. "Os bancos viram nesse produto uma alta recorrência, com o usuário fazendo em média 10 transações (por mês), com um grande poder de fidelização", afirma o cofundador Carlo Andrey.

Ele prevê que o mercado de tags saia dos atuais 8 milhões de usuários para 24 milhões em três anos. "Devemos ter cerca de 700 mil tags até lá", projeta. Assim como seus concorrentes, a empresa aposta no impulso pelo chamado "free flow", sistema previsto nas novas concessões em que há cobrança automática, sem necessidade de praça de pedágio.

Neste cenário, a líder de mercado persegue novas estradas. A Sem Parar afirmou ao Broadcast, no mês passado, que busca a diversificação. "Sabíamos desde o início que só o pedágio não ia funcionar, por isso passamos a oferecer outros serviços", disse o vice-presidente comercial, Bartolomeu Correa. Ele citou como exemplo o aplicativo da marca, que reúne informações relativas ao veículo e oferece serviços como parcelamento de tributos através de parcerias.

Demandas financeiras

Em meados de 2018, o Bradesco e o Banco do Brasil criaram a Veloe, que afirma ter 15% do mercado, atrás apenas da Sem Parar, que segundo estimativas, tem aproximadamente 66%. A Veloe também mira a expansão das linhas de negócio, e a liderança do setor. "Hoje, o carro funciona como uma carteira. A tag é efêmera, há uma série de soluções de mobilidade urbana para sermos relevantes, independentemente da competição", afirma o diretor geral, André Turquetto.

Ele diz que por ter dois bancos como sócios, a Veloe pode oferecer serviços relacionados às demandas financeiras que um automóvel gera. "Estamos com um mapa de implementação bem agressivo." O executivo explica que a Veloe oferece serviços tanto via "white label" quanto com a própria marca. Entre os clientes, estão bancos como C6 e BTG, além dos controladores.

As possibilidades têm chamado atenção da própria Sem Parar. A empresa fechou um acordo com a seguradora HDI, uma das maiores do País em automóveis, que permitirá aos clientes cotarem seguros de forma digital. Em troca, os clientes da HDI terão condições mais favoráveis para comprar a tag da Sem Parar.

Cade

A disputa, no entanto, não tem sido apenas operacional. A Sem Parar foi ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tanto contra a Veloe quanto contra a ConectCar, alegando que as ofertas dos bancos, com tags gratuitas ou subsidiadas, eram anticompetitivas.

"Mesmo que não se tratasse de exemplo extremo de alavancagem, a estratégia da Campanha Tag Itaú - tal como no Programa 'Tô Contigo' - é impossível de ser replicada por agentes não associados a grandes grupos conglomerados e que não contem com os deep pockets (capacidade financeira) destes", afirma a representação contra o Itaú, que pede a suspensão da oferta. Os dois processos estão em andamento.

Turquetto, da Veloe, diz que é natural que a rival busque proteger sua posição de mercado, mas ameniza as alegações. Segundo ele, o maior potencial de crescimento das tags está no público que não as utiliza, estimado em metade da frota do País. "Você tem 50% do mercado endereçável para conquistar. Isso é muito bom para o líder, para o vice-líder e para as outras empresas", pontua.

O Itaú informou, através de nota, que segue a legislação e que tem compromisso com a concorrência. "O banco informa, ainda, que apresentará sua defesa junto ao Cade, na qual demonstrará que as condutas apontadas no processo são improcedentes", disse a instituição. A Sem Parar afirmou que "os processos seguem em análise pelo órgão competente e a empresa continua à disposição para esclarecimentos".

Contato: juliana.estigarribia@estadao.com e matheus.piovesana@estadao.com
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