Economia & Mercados
08/02/2022 16:00

Eleições 2022: PDT discute nova base para Orçamento e investimentos fora do teto


Por Eduardo Laguna e Simone Cavalcanti

São Paulo, 08/02/2022 - Na quarta tentativa de chegar ao Palácio do Planalto, Ciro Gomes (PDT) prepara-se para levar novamente aos palanques a plataforma que, quatro anos atrás, lhe rendeu a terceira maior votação no primeiro turno das eleições presidenciais. Entre as propostas de destaque do programa de 2018, a tributação sobre grandes fortunas, assim como sobre a alta renda, a revisão de renúncias fiscais e o compromisso de ajudar brasileiros inadimplentes a quitar dívidas voltam à cena com a pré-candidatura confirmada pelo ex-governador do Ceará.

Embora os alicerces continuem intactos, o novo programa, no entanto, ficará longe de ser um "copia e cola" do plano lançado na corrida que elegeu Jair Bolsonaro. Seus formuladores prometem avançar em temas que ganharam vulto desde então, como bioeconomia e sustentabilidade socioambiental. Além disso, Ciro vai entrar na disputa com maior convicção de que certas amarras do atual arcabouço fiscal terão que ser removidas para o Brasil voltar a crescer.

A avaliação é a de que, como o Estado precisa preencher espaços não ocupados pela iniciativa privada, o investimento público deve ficar fora da regra do teto de gastos, uma vez que recai sobre ele grande parte do ajuste forçado pelo dispositivo constitucional que limita o crescimento das despesas do governo à inflação.

Desde a implementação do teto, em 2016, os investimentos em obras públicas minguaram para que o orçamento pudesse acomodar despesas obrigatórias que subiram mais do que a inflação oficial. No diagnóstico da equipe envolvida na gestação do plano de Ciro Gomes, a incapacidade do Estado de puxar os investimentos explica, em grande parte, a atual estagnação econômica.

Além de rever os gastos sujeitos à regra - cogita-se também tirar dela um programa de renda básica que ainda não saiu do forno -, a proposta envolve mudança na fórmula pela qual o teto é corrigido: do atual modelo no qual o valor é corrigido pela inflação em 12 meses por outro em que, além da inflação, o crescimento da economia entra na conta.

Os economistas de Ciro vêm se reunindo com pesquisadores de universidades, organizações não governamentais, organismos internacionais e empresários, além de técnicos, ligados ao próprio partido, da Fundação Leonel Brizola, para levantar ideias que são levadas, quando a agenda permite, em frequência quinzenal ao pré-candidato. Na formulação de políticas de investimento, ouviram, entre outros nomes, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Paulo Rabello de Castro, que, em 2018, foi candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo senador Alvaro Dias (Podemos).

A divisão do trabalho segue, na prática, igual a de quatro anos atrás, com o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Nelson Marconi fazendo a coordenação de todas as propostas que entrarão no programa de governo - incluindo, além de assuntos econômicos, temas como defasagem escolar e políticas sociais -, enquanto o ex-secretário da Fazenda do Ceará e deputado federal Mauro Benevides Filho se ocupa exclusivamente das políticas econômicas.

Orçamento remodelado

Há o entendimento de que é preciso evoluir a um orçamento que se baseie mais na necessidade de recursos dos ministérios à frente do que propriamente no que eles gastaram no ano anterior - atualmente é essa última a referência da peça orçamentária do ano seguinte. "O orçamento, atualmente, premia quem gasta mais porque a previsão orçamentária considera o histórico. Logicamente, não se deve ignorar a história, mas precisamos mudar a forma de pensar", defende Marconi.

Para além da simplificação do sistema, a concepção de reforma tributária, frente sob a responsabilidade de Benevides, prevê uma recalibragem na qual impostos pagos pelas empresas - isto é, pelo setor produtivo - são transferidos aos dividendos e lucros distribuídos a seus acionistas. Há assim nas linhas gerais um endosso ao projeto de reforma do imposto de renda já aprovado pela Câmara e que parou no Senado, embora possa haver divergência em relação às dosagens. A campanha de Ciro também deve insistir na tributação dos grandes patrimônios.

Há suspense se, entre aumentos e cortes de impostos, o saldo final será neutro ou de elevação da carga tributária. A tendência é de buscar um equilíbrio no arranjo, mas o professor da FGV reconhece não ter uma resposta fechada à questão.

O certo é que a revisão de benefícios tributários será um dos caminhos propostos para abrir espaço no orçamento. Os economistas de Ciro calculam em algo ao redor de R$ 70 bilhões a margem a ser aberta com o corte de 20% nos programas de benefícios fiscais concedidos a empresas. Seria feito de forma gradual em até dois anos. Outra parte da economia aos cofres públicos viria da reforma administrativa, cujos estudos do time de Ciro miram especialmente os supersalários do funcionalismo.

Não acaba

Apesar da promessa feita pelo pedetista no lançamento de sua pré-candidatura à Presidência, acabar definitivamente com o teto de gastos não é uma possibilidade colocada pelos formuladores do futuro programa. As discussões, conforme conta Marconi, vão na direção de reformar, não extinguir um limitador às despesas das contas primárias. Fixar um limite ao pagamento da dívida, então, é algo completamente descartado. "Ninguém aqui vai dar o calote nos juros", assegura Marconi.

Há uma compreensão das mentes por trás do programa em gestação de que o equilíbrio fiscal é condição para o Estado ter capacidade de investir e realizar gastos sociais, ao invés de pagar altos juros no financiamento de sua dívida.

Rede de proteção

Em relação ao programa de renda mínima, que talvez fique fora do teto, o diagnóstico, diz Marconi, é o de que as despesas sociais no Brasil privilegiam trabalhadores com carteira assinada. É o caso, por exemplo, do seguro-desemprego. Sem acabar com os benefícios existentes, será preciso avançar em direção a quem está no mercado de trabalho informal, avalia o economista.

"Precisamos de uma rede de proteção social que se estenda a quem não está empregado e também não está formalizado. Não sei se isso vai estar no teto ou não, mas precisamos ter esse programa."

Proposta de Ciro com grande repercussão em 2018, a ideia de facilitar o pagamento de dívidas dos brasileiros que estão com cadastro negativo em serviços de proteção ao crédito segue "de pé" porque, observa Marconi, hoje o endividamento é maior. A promessa de um programa no qual as pessoas poderão renegociar dívidas em atraso a juros mais baixos, e com parcelas que caibam no bolso, será reeditada.

"Em linhas gerais, será o mesmo programa de antes. Depois de quatro anos, ele se tornou ainda mais importante. Isso mostra o que aconteceu ao longo desse período", comenta Marconi.

Questão ambiental

"A base é o programa de 2018, mas há assuntos em que avançamos mais em relação ao que era o programa anterior", ressalta Marconi, citando, entre os exemplos, a política ambiental, e suas demandas prementes envolvendo a fiscalização dos desmatamentos e o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

O meio ambiente é o tema sobre o qual os pensadores do programa de Ciro vêm dedicando mais tempo ultimamente. Conforme Marconi, a transição da matriz energética, um movimento que incluirá no futuro a substituição dos carros movidos a gasolina ou etanol pela tecnologia de propulsão elétrica, exigirá investimentos feitos, em parte, pelo governo e integrados a políticas científica, tecnológica e industrial.

Ainda não fechada, porém em discussão, uma das ideias é a de que os investimentos partam de um fundo não vinculado ao orçamento de apenas um ano. Assim, os depósitos nesse fundo poderiam aumentar em períodos de alta da arrecadação para que a utilização dos recursos acontecesse, em maior grau, em momentos de retração da atividade, quando a economia passa a depender de políticas anticíclicas.

"Concessão é muito importante, mas muitas vezes, como acontece no desenvolvimento de novas tecnologias, falta interesse do setor privado por o retorno demorar a acontecer. Nesses casos, é o Estado que vai fazer", adianta Marconi.

Contatos: eduardo.laguna@estadao.com e simone.cavalcanti@estadao.com
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