Economia & Mercados
08/09/2022 15:49

Entrevista/Bradesco/Octavio de Lazari: 2023 será bem desafiador para o crédito


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 06/09/2022 - No segundo semestre deste ano, o crédito ainda deve crescer a um ritmo de dois dígitos porcentuais, mesmo com a inflação e os juros ainda altos. A questão recai sobre o ano que vem, e na visão do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, as perspectivas ainda são incertas sob alguns aspectos.

"(Inflação e juros) vão dar o tom para a música que vamos tocar", disse ele ao Broadcast. O executivo afirma que as sinalizações dadas pelo Banco Central ao longo desta semana indicam que os juros podem permanecer mais tempo na casa dos dois dígitos, o que deve afetar a demanda por dinheiro. "Na melhor das hipóteses, vamos ficar com 13,75% (ao ano nos juros), podendo subir a 14% na próxima reunião do Copom."


Foto: Taba Benedicto/Estadão Conteúdo

Mesmo com o curto prazo incerto, o Bradesco se move de olho no longo prazo. No último mês, anunciou a compra do controle da BV Asset, que complementará a atuação do banco na gestão de ativos no Brasil, e da Ictineo, uma espécie de financeira que o ajudará a transformar sua operação de cartões de loja no México em um banco digital com oferta completa.

De acordo com Lazari, estes dois movimentos podem, em breve, ser acompanhados por outros, mas com maior foco na tecnologia necessária para tornar o banco mais eficiente, em especial na fidelização dos clientes. "Com a reprecificação dos ativos, sobretudo os digitais, há vários negócios que estamos olhando", disse ele.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Broadcast - Qual a importância do movimento com o BV para a estratégia do Bradesco?

Octavio de Lazari Junior -
O mercado mudou muito, principalmente nos últimos cinco anos. Começou a haver uma migração de clientes procurando alternativas de investimento, principalmente quando houve uma redução acentuada de taxa de juros. E aí surgiu gente competente, como a XP, além dos agentes autônomos. Dentro desse contexto, surgiu a oportunidade de termos uma nova (asset), que tem produtos diferenciados, sócios sérios - a família Ermírio de Moraes e o Banco do Brasil -, e de comprarmos um controle (51%). Estrategistas de investimento e traders de qualidade, como a BV tem, não é algo que se ache fácil no mercado.

Broadcast - No México, parte do mercado via o Bradesco como forte candidato a comprar o Banamex. Por que faz mais sentido avançar como banco digital?

Lazari -
Comprar uma operação do tamanho do Banamex custa caro, algo como US$ 8 bilhões. É uma operação que tem estrutura física, agências. Isso tem um custo de manutenção caro. Olhando esse prisma, temos uma operação, a Bradescard México, que nasceu da compra do Ibi. Faz 12 anos que estamos lá, e são 3 milhões de cartões, R$ 3 bilhões em ativos. Hoje em dia, você pode ter um banco sem construir um prédio. Você não precisa ter o brick (tijolo), pode ter um banco a partir do clique. Nos pareceu muito mais inteligente comprar uma sociedade financeira popular (sofipo, a Ictineo). Já conhecemos bem o mercado mexicano e temos uma carteira de cartões estável e crescente - este ano, está crescendo em 500 mil cartões - inadimplência controlada, e que dá R$ 150 milhões em lucro ao ano. A partir da sofipo, podemos operar com todos os produtos que um banco pode operar. Nosso intuito nunca foi fazer varejo fora do Brasil, mas a oportunidade no México faz todo o sentido.

Broadcast - Devemos ver o Bradesco fazendo transações parecidas no futuro?

Lazari -
Com certeza. Por essência, o Bradesco é um banco comprador. Com a reprecificação dos ativos, sobretudo os digitais, há vários negócios que estamos olhando. Outras empresas farão sentido, principalmente as que tragam analytics, ajudem a trazer clientes para o Bradesco ou monetizar os que já estão aqui. O custo de aquisição de cliente é muito caro, algo entre R$ 82 e R$ 87, sem saber se ele de fato vai ficar com você, porque com o mobile, ele abre uma conta quando bem entender.

Broadcast - Se somarmos as contas das principais fintechs e neobancos, dá um número maior que o da população brasileira. Há uma consolidação a caminho? Que papel o Bradesco teria?

Lazari -
Não só uma consolidação, mas uma depuração. Qualquer pessoa, mesmo as de baixa renda, tem cinco, seis cartões, porque é fácil. Acho que vai ter uma depuração. Ouvimos muito (neobancos dizendo): tenho 70 milhões, 80 milhões de clientes. Mas quantos de fato operam com recorrência? 10% disso.

Broadcast - No começo do ano, falava-se na desaceleração do crédito, mas ela parece ter sido adiada. Ela ainda vem esse ano ou ficará para 2023?

Lazari -
O segundo semestre será razoavelmente bom, mas a tendência é de uma redução do crescimento. Achamos que vamos crescer ao redor de 14% este ano. Primeiro por causa de uma base de comparação muito forte, e segundo, porque estamos enfrentando um problema de inadimplência. Vemos as pesquisas mostrando as famílias mais endividadas. Com a inflação alta e consequentemente a taxa de juros também, é natural que as pessoas tenham dificuldade de pagar dívidas, e que os bancos sejam mais restritivos. A tendência é de um segundo semestre mais fraco em crescimento, mas ainda acima de dois dígitos. O ano de 2023 será bem desafiador para o crédito, a não ser que cresça em grandes empresas.

Broadcast - Olhando para os cenários de juros após os pronunciamentos do Banco Central, esse crescimento em pessoa jurídica é mais ou menos provável do que era no final do primeiro semestre?

Lazari -
Menos provável, porque o sinal é de que o ciclo de juros não se encerrou, e o BC foi bem contundente de que não tem convicção do controle da inflação, não só para 2023, mas em 2024. Na melhor das hipóteses, vamos ficar com 13,75% (ao ano nos juros), podendo subir a 14% na próxima reunião do Copom. Eu acho que a inflação vai ceder, aos poucos, e isso só deve acontecer com maior incidência a partir do segundo semestre do ano que vem.

Broadcast - O aumento da inadimplência veio de quem tomou crédito na pandemia ou depois?

Lazari -
Diria que 60% veio de 2020, 2021, e 40% das novas operações. O consumo voltou, tanto é que o maior crescimento em todos os bancos neste ano foi no cartão de crédito, com um item importante: antes, a pessoa tinha um cartão; hoje, tem seis. Se está se endividando em todos, a tendência é de mais inadimplência. O importante a se observar é se tenho spread suficiente para pagar a provisão desse cartão e aumentar o spread líquido do banco.

Broadcast - Este ano, o Bradesco está crescendo. O orçamento para 2023 é de crescimento?

Lazari -
Organicamente, miramos o crescimento. Acho que a inflação vai estar mais contida, vamos pagar o preço da inadimplência agora, e como os modelos estão mais restritivos desde o final do ano passado, a tendência é de safras melhores de crédito. Pode ser que o mercado de capitais volte a se movimentar. Existem boas expectativas, mas 2023 vai ser de muito desafio.

Broadcast - Entre os indicadores incertos para 2023, em qual a definição seria mais importante?

Lazari -
Inflação e taxa de juros. Esses dois vão dar o tom para a música que vamos tocar.

Broadcast - O que mais entra na conta, além do cenário fiscal?

Lazari -
Não falaria em reforma tributária, mas em simplificação. Diminuir o número de impostos, reduzir a burocracia. A simplificação vai ser um grande negócio, além da consolidação da reforma trabalhista, e a atração do investimento estrangeiro. Temos energia solar, eólica, saneamento básico, commodity. Tem muitos fatores, dentro do Brasil, de atração de investimento.

Broadcast - O que falta para atrair mais?

Lazari -
Essa tranquilidade institucional. Respeito aos contratos, disciplina fiscal, simplificação tributária, reduzir a desigualdade, criar uma melhoria da formação do trabalhador. E sobretudo, (seguir) a nossa vocação para commodity e de exportador de energia limpa.

Broadcast - Estabilidade também inclui estabilidade política?

Lazari -
Também. Com as eleições, haverá uma continuidade ou um novo governo. A democracia no Brasil é um patrimônio, está consolidada. Independente de quem ganhar, já olhamos pelo retrovisor, sabemos os erros que cometemos. À frente, é procurar não cometê-los e colocar o País no trilho para o crescimento. As alavancas para que isso aconteça são do conhecimento de qualquer um dos candidatos.

Broadcast - Como vocês veem o processo eleitoral? Tem surpresas?

Lazari -
Pelo que vimos nas pesquisas, parece que o quadro político está mais ou menos desenhado. Acho que vai ser uma transição pacífica como das outras vezes. Não vejo nenhum risco para o País.

Broadcast - Independente do governo, o que o Bradesco espera dele?

Lazari -
As ações a serem implementadas estão claras. Você não consegue crescer se não tiver inflação e juros menores, um dólar atrativo e equilibrado para o produtor e para o empresário brasileiro e para o estrangeiro. Não tem bala de prata.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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