Economia & Mercados
10/11/2023 14:26

Exclusivo: Em vaga inédita, Brasil auditará orçamento de US$ 40 bi da ONU, com China e França


Por Aline Bronzati, correspondente

Nova York, 03/11/2023 - O Brasil vai ocupar pela primeira vez uma das cadeiras de auditor do orçamento astronômico da Organização das Nações Unidas (ONU). De missões de paz ao dia a dia de 36 mil funcionários, o país atuará ao lado de China e França na varredura de US$ 40 bilhões em despesas a partir de 2024. Mais do que um pente fino nas contas, está o desafio de elevar a eficiência do órgão, sob pressão diante da crise do multilateralismo ao redor do mundo e a sua incapacidade de responder a dilemas globais, o que foi agravado pelo conflito no Oriente Médio.

Representado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o País foi eleito por aclamação para integrar o Conselho de Auditores da ONU, durante reunião da 78ª Assembleia-Geral, nesta sexta-feira, na sede da organização, em Nova York. Depois de um esforço diplomático prévio, o Brasil conseguiu emplacar candidatura única e assume a vaga ocupada pelo Chile em julho de 2024, para um mandato de seis anos.

"Nós vamos dar uma contribuição para a efetividade das ações da ONU, mas é claro que não nos imiscuímos no debate sobre a governança política da Organização", diz o presidente do TCU, Bruno Dantas, em entrevista exclusiva ao Broadcast, em Nova York.

De acordo com ele, um dos desafios é justamente elevar a eficiência da ONU. Das recomendações dadas pelo Conselho de auditores da ONU, 40% não são implementadas. O Brasil quer atuar para diminuir esse porcentual. Nesse sentido, Dantas diz que os relatórios do TCU serão marcados por "boa técnica e independência" e que o órgão já mantém contato com auditores da China e da França em uma estratégia para chegar lá.

"Se você tem 40% de recomendações não implementadas significa que muitas coisas já foram vistas, muitos erros já foram identificados e ainda não foram corrigidos", afirma Dantas.


Ministros do TCU, Vital do Rêgo e Bruno Dantas, após votação na sede da ONU, em Nova York - Foto: Divulgação

A eleição do Brasil para o time de auditores da ONU ocorreu na esteira da presidência brasileira do Conselho de Segurança (CSNU) no mês de outubro, que ganhou holofotes por conta do conflito entre o grupo Hamas e Israel. Das quatro resoluções propostas, a sugerida pelo País teve o maior apoio, mas esbarrou no veto dos Estados Unidos.

Antes de passar o bastão para a China, que preside o CSNU em novembro, o Brasil capitaneou outro esforço junto aos demais membros eleitos, os chamados 'E10', em uma tentativa de fazer o órgão dar uma resposta à crise no Oriente Médio. Desta vez, a escalada da violência na região exigiu mais tempo para endereçar o tema no órgão, que segue inerte à guerra entre Israel e o grupo Hamas. Além disso, desde 2016, o Conselho de Segurança da ONU, órgão máximo para assuntos de paz e segurança internacionais, não se posiciona sobre a situação no Oriente Médio.

"Claro que pode ser frustrante, por vezes, enxergar que, do ponto de vista da governança, existem travas. Mas isso não nos desestimula", afirma Dantas.

Depois de liderar os esforços na presidência do Conselho de Segurança, o representante do Brasil na ONU, o embaixador Sérgio Danese, diz que a eleição para o time de auditores pode ajudar o País a traçar sua estratégia para a organização. Para além do antigo desejo de se tornar um membro permanente do CSNU, o Brasil busca ter presença em diversas áreas de atuação das Nações Unidas.

"O posto é importante porque revisa todas as contas da ONU, inclusive aquelas das missões de paz, missões políticas e escritórios regionais", explica Danese.

Brasil é o 12º país que mais injeta dinheiro na ONU

No ano passado, a despesa total da ONU foi de aproximadamente US$ 67 bilhões. Metade desse valor foi destinado à ajuda humanitária, sendo a maioria para países da África e Ásia. Do orçamento total, US$ 40 bilhões passam pelo pente fino do Conselho de Auditores. Cada instituição fica responsável por fiscalizar cerca de um terço dessa cifra.

O Brasil é o 12º país que mais injeta recursos na ONU por ano, com um orçamento total na casa dos US$ 100 milhões. A eleição para o Conselho de Auditores ocorre em meio a um esforço de ampliar a presença internacional do País durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e também do TCU. O órgão preside a Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai) pela segunda vez.

"A ação internacional do Tribunal contribui para a agenda de retomada do protagonismo do Brasil", diz o ministro do TCU, Vital do Rêgo, em entrevista ao Broadcast.

Segundo ele, um dos focos é a questão ambiental e climática. Nesse sentido, o TCU prepara o lançamento de uma plataforma de auditoria global e que será lançada na Cúpula do Clima (COP 28) em Dubai, nos Emirados Árabes, no fim do mês. Batizada de 'Climate Scanner', seu objetivo será fiscalizar as ações governamentais relacionadas à mudança do clima.

Um projeto piloto da plataforma global de auditoria está sendo feito com a participação de 18 países. Para ampliar a adesão, um evento deve ocorrer na sede da ONU, em fevereiro, para chamar a atenção dos Estados-membros. "Queremos chegar a 150 países", diz Vital do Rêgo.

Sobre o peso da situação fiscal dos países em meio ao forte aperto monetário capitaneado pelos bancos centrais para combater a elevada inflação nas economias, o ministro do TCU diz que o tema é "super importante". Não comenta, contudo, o quadro doméstico, que passou a ser olhado com mais atenção após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenar a meta do superávit primário zero em 2024.

"Parece-me evidente que a experiência será, para o TCU, um passo importante para consolidar a internacionalização da instituição e para aperfeiçoar seus quadros e métodos, resultando em benefício para o Brasil na dimensão do controle das contas públicas e da melhoria da qualidade dos nossos gastos governamentais", diz o embaixador Danese.

Apesar de ter sido eleito para o Conselho de Auditores da ONU por aclamação, o assento é disputado pelos 193 países que compõem a ONU. Nas eleições passadas, o Chile recebeu 97 votos contra 91 de Serra Leoa.

Para chegar como candidato único, o Brasil se debruçou em uma campanha que envolveu a diplomacia brasileira e também o presidente Lula, que escreveu a todos os Estados-membros das Nações Unidas. Além disso, preparou o seu corpo de auditores. Um time de 100 especialistas estão sendo treinados para obter uma certificação internacional. Como resultado, o País "venceu antes das eleições", nas palavras de Dantas, tendo recebido cartas de apoio de mais de 100 instituições de controle ao redor do mundo.

Como o Brasil assume a vaga do Conselho de Auditores da ONU somente em julho de 2024, a gestão de Dantas deve abrir os trabalhos, e, após seis meses, passa para as mãos de Vital do Rêgo. Mas, o quadro ainda pode mudar. Isso porque o nome do ministro Bruno Dantas é um dos cotados para a vaga aberta pela aposentadoria da ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). Quanto à possibilidade, ele prefere não comentar.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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