Economia & Mercados
25/02/2022 17:00

Especial:Teles e distribuidoras de energia discutem conta bilionária para desatar nós em postes


Por Circe Bonatelli e Luciana Collet

São Paulo, 25/02/2022 - Consultas públicas abertas pelas agências reguladoras de energia e de telecomunicações (Aneel e Anatel, respectivamente) trouxeram à tona um problema antigo do Brasil: o que fazer com o emaranhado de fios que se acumula cada vez mais nos postes das ruas. O objetivo da consulta é atualizar as regras sobre o uso dos postes e encontrar soluções para desatar os nós, que já foram alvo de disputas no Poder Judiciário.

As áreas técnicas estimam que há cerca de 10 milhões de postes em situação crítica no País, de um total de 46 milhões de unidades. O custo total para colocar todos em ordem é de R$ 20 bilhões, e a ideia inicial é regularizar entre 2% e 3% do total, a cada ano.

A discussão também passa por apontar quem vai pagar essa conta, o que tem causado inquietação entre as partes. De um lado, estão as teles, que instalam equipamentos e fiação mediante o pagamento de aluguel. Do outro, as distribuidoras de energia, que disponibilizam espaço nos postes e recebem o aluguel.

O fato é que houve uma superlotação dos postes devido à demanda crescente por internet nos últimos anos, sem contar que muitas redes foram ativadas de forma irregular e sem o acompanhamento devido. Sem uma solução, o problema tende a se agravar com a chegada do 5G, que exigirá até cinco vezes mais antenas do que o 4G.

“Na consulta pública da Aneel, coloca-se que a responsabilidade pelo reordenamento dos fios deve ser do setor de telecomunicações. Mas isso não está certo. Muitas empresas colocaram os fios de forma errada, mas não teve fiscalização”, pondera a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes (Feninfra), Vivien Suruagy. Segundo ela, o aluguel pago pelas teles já é suficiente para cobrir os custos com a reorganização dos postes.

Posição semelhante é compartilhada pelo presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (Telcomp), Luis Henrique Barbosa. “As distribuidores são responsáveis pela fiscalização, mas elas foram omissas e incompetentes nessa tarefa mesmo sendo remuneradas para isso”.

O setor elétrico admite que a fiscalização das distribuidoras tem se mostrado ineficaz. De um lado, apontam a dificuldade para o constante monitoramento da rede, tendo em vista o grande número de postes; por outro, citam a agressividade competitiva das empresas de telecomunicações. Segundo argumentam, o emaranhado visto hoje em muitas cidades brasileiras foi provocado pelas empresas de telefonia e internet, muitas vezes sem o conhecimento da concessionária elétrica, que por não ser a proprietária dos cabos, não poderia mexer nessas estruturas e em alguns casos, nem saberia a quem recorrer para que seja feita a retirada.

“Não se pode simplesmente desligar o cabo, esse é um ponto que a legislação precisa, inclusive, resolver: se está constatado que é irregular, precisa ter um processo para poder cortar, como acontece com a energia”, diz o diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan. Segundo ele, em alguns casos nem mesmo com notificações feitas às empresas os problemas são corrigidos.

Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, o gerenciamento das atividades das empresas de telecom em cada um dos postes da área de concessão da distribuidora é um ônus que não cabe às concessionárias. “A distribuidora cuida da rede do sistema elétrico e disponibiliza um espaço para as empresas de telefonia, mas não tem gerenciamento para acompanhar as ‘n’ empresas; sequer a comunicação de que uma determinada empresa vai trabalhar no poste as distribuidoras têm”, afirma.

Zelador neutro

Uma saída para o conflito, conforme proposto nas consultas públicas, seria a criação de um “zelador neutro”, isto é, uma figura responsável por gerir o uso da infraestrutura.

Essa ideia agrada ao setor de telecomunicações. Mas há contrapontos: o setor defende que a medida não gere um custo a mais e que a remuneração do zelador saia do aluguel já pago atualmente pela ocupação dos postes. Também cobram que o zelador seja dissociado das empresas de energia ou telecomunicações - algo que não está garantido até aqui.

Segundo as distribuidoras, a receita com o aluguel do espaço nos postes não fica para a concessionária, mas entra nos cálculos tarifários, colaborando para a modicidade das contas de luz. “A ideia é até que uma parte desse valor pudesse remunerar a distribuidora, como incentivo para ela investir em pessoas e estrutura para fazer essa fiscalização”, comenta Vivan, da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica.

Como fica

O período de consulta pública vai até maio. Depois disso, as contribuições serão analisadas pelas áreas técnicas, resultando em uma nova proposta de regulamentação a ser deliberada pelos conselhos de Aneel e Anatel - que já sinalizaram que a conclusão dos trabalhos ficará só para 2023, diante do tamanho da complexidade.

Contato: circe.bonatelli@estadao.com; luciana.collet@estadao.com
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