Política
09/09/2020 14:26

STF impõe derrota a locadoras de veículos e confirma incidência de ICMS na revenda de seminovos


Por Anne Warth

Brasília, 09/09/2020 - Uma semana antes de deixar o governo, o ex-secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados Salim Mattar sofreu uma derrota dura no Supremo Tribunal Federal (STF). Em plenário virtual, os ministros decidiram, em 5 de agosto, que os Estados podem cobrar ICMS cheio das locadoras de veículos quando elas revendem automóveis menos de 12 meses depois de adquiri-los. O caso é de repercussão geral, ou seja, vale para todas as locadoras do País. O acórdão deve ser publicado nos próximos dias.

A família de Salim Mattar é dona da Localiza, uma das partes do processo julgado pelo STF. Fundador da locadora, ele se afastou da empresa quando assumiu o cargo no governo. Seu irmão, Eugênio Mattar, é o atual CEO da companhia, líder do setor no Brasil.

A disputa judicial era justamente entre a Localiza e o Estado de Pernambuco, e estava relacionada a um decreto do Estado contra o qual a empresa se insurgiu. O decreto tinha como base um convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) de 2006.

De acordo com esse convênio, as locadoras não precisam pagar ICMS sobre a venda de ativo não circulante, desde que isso ocorra 12 meses após a aquisição - período a partir do qual o carro é considerado um bem patrimonial, e não uma mercadoria.

A Localiza entrou com ação na Justiça e questionou a constitucionalidade do decreto. A companhia defendia que poderia revender os veículos a qualquer tempo, sem pagar o tributo.

Diante da importância da discussão, as concessionárias de veículos pediram para entrar como parte interessada no processo. Para elas, ao revender veículos seminovos sem arcar o ICMS cheio, as locadoras praticam concorrência desleal. Isso porque as locadoras pagam ICMS menor do que as concessionárias na compra do veículo novo - na modalidade de venda direta, não há parcela do ICMS relacionada à substituição tributária, e a base de incidência do imposto também é menor. Assim, as locadoras obtêm margens maiores. Além disso, por serem grandes clientes das montadoras, elas conseguem preços melhores que as concessionárias.

Essa vantagem já aparece nas demonstrações financeiras divulgadas pela Localiza. No ano passado, 61% das receitas da empresa vieram da venda de veículos seminovos, um total de R$ 6,206 bilhões, enquanto o principal negócio da companhia - o aluguel de carros e a gestão de frotas - respondeu por 39% do faturamento.

Em sustentação oral ao STF, no entanto, a advogada da Localiza, Misabel de Abreu Machado Derzi, argumentou que o lucro do negócio advém do aluguel de veículos e que a rentabilidade da revenda de veículos é "baixíssima" e, na maioria das vezes, se dá com prejuízo. A operação, segundo a advogada, visa a apenas manter a frota renovada, já que o custo de manutenção de veículos usados é elevado.

No segundo trimestre deste ano, a Localiza teve lucro de R$ 89,9 milhões, queda de 52,7% na comparação com igual período de 2019. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) totalizou R$ 434,8 milhões. A margem Ebitda (relação entre Ebitda e receita líquida) da divisão de aluguel de carros foi de 53,2%, e a de gestão de frotas, de 81,4%, enquanto a de seminovos foi negativa em 4%.

Também parte interessada no caso, a Associação Nacional de Empresas de Aluguel de Veículos e Gestão de Frotas (Anav) defendeu a tese de que a renovação de frota é uma necessidade das locadoras. "É importante que não se confunda receita com rentabilidade", afirmou o advogado Daniel Monteiro Peixoto.

Venceu, no entanto, a argumentação do Estado de Pernambuco. O procurador Sérgio Augusto Santana Silva afirmou que a revenda de veículos por locadoras em um prazo inferior a um ano não era mais uma operação esporádica, mas, sim, uma das principais receitas das locadoras. "Isso criou um novo nicho de negócios", disse.

O relator do caso no STF, ministro Marco Aurélio Mello, considerou o decreto de Pernambuco inconstitucional, mas foi voto vencido. A maioria do plenário acompanhou o voto de Alexandre de Moraes, com entendimento favorável ao pleito do Estado.

"Não há dúvidas de que, quando de sua aquisição, diretamente da montadora, os veículos têm a característica de ativo imobilizado, enquanto estiverem sendo usados em suas finalidades. Ocorre que, quando da revenda, os bens oriundos do ativo imobilizado perdem essa característica, passando a assumir o conceito de mercadoria, tornando-se, pois, bem móvel sujeito a mercancia, porque foi introduzido no processo circulatório econômico", disse Moraes.

Pela decisão do STF, se as locadoras quiserem revender veículos antes de completarem 12 meses da data da compra, elas terão que pagar ICMS sobre o valor da operação.

Contato: anne.warth@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast Político e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso