Política
24/06/2024 14:56

No Pantanal, recorde de incêndios expõe falhas na prevenção do governo Lula


Por Paula Ferreira, do Estadão

Brasília, 24/06/2024 - O Pantanal registrou recorde de incêndios em junho após novas falhas de prevenção de queimadas pela gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já havia sido alvo de críticas em 2023 por causa do avanço de queimadas nesse bioma e na Amazônia. O planejamento do Ministério do Meio Ambiente não funcionou e a pasta admite que precisou antecipar em dois meses sua estratégia de resposta ao problema.

Para especialistas, é preciso estar preparado para eventos climáticos extremos, cada mais intensos e frequentes com o aquecimento global. O governo agora precisa correr para recompor a verba da pasta diante do orçamento insuficiente e tirar do papel às pressas um pacto assinado com Estados no início do mês na tentativa de não repetir a crise do ano passado.

O número de focos de fogo chegou a 2.363 até 24 de junho. O total é quase seis vezes maior do que os 406 focos registrados em todo o mês de junho de 2020, pior ano em incêndios para a região, que ficou devastada. “Esse cenário já era previsto e as ações de prevenção não foram feitas de maneira correta”, afirma Gustavo Figueirôa, diretor do S.O.S Pantanal.

O Ibama dispõe de 2.108 brigadistas e o ICMBio (órgão federal responsável pelas unidades de conservação) tem 913 em todo o País. As equipes, em geral, são contratadas de forma temporária para emergências. O plano do governo é aumentar para 4 mil brigadistas ainda este ano, mas não há cronograma para a chegada desses profissionais.

No Pantanal, atuam hoje 300 brigadistas do Ibama e ao menos 48 do ICMBio. A simplificação do contrato desses profissionais foi anunciada pelo governo no início do mês, mas até agora o tema não foi detalhado.

Conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, em 2023, o Ibama executou R$ 82,9 milhões em ações de prevenção e combate a incêndios florestais, quase o valor total dos R$ 83 milhões previstos no orçamento. Para 2024, a verba prevista é de R$ 84,4 milhões para a área.

O Estadão/Broadcast Político apurou que o Planalto já aprovou internamente uma recomposição da ordem de R$ 100 milhões para o Ministério do Meio Ambiente, que devem voltar para o orçamento da pasta em breve.

O governo tem debatido a possibilidade de crédito extraordinário para o Pantanal, alternativa que já havia sido mencionada pela ministra do Ambiente, Marina Silva, no início do mês.

O Estadão/Broadcast Político questionou o Ministério do Planejamento sobre o crédito extraordinário, mas a pasta afirmou que as demandas são submetidas à Junta de Execução Orçamentária (que reúne também Casa Civil, Fazenda e Gestão) e que não se pronuncia sobre os pedidos feitos ao colegiado.

Cabe à pasta do Planejamento submeter as demandas à junta. A Casa Civil respondeu à reportagem que nem sequer recebeu o pedido e que é preciso “aguardar a formalização e posterior deliberação”.

Rio Paraguai seca e Amazônia também deve ter crise

O pacto assinado por Lula neste mês envolve dez Estados que abrigam esses biomas (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Amazonas, Maranhão, Tocantins, Acre, Amapá, Roraima e Rondônia) na tentativa de frear o problema. Entre as medidas previstas, estão criar bases para coordenar ações e a contratação de brigadistas.

Para superar o atraso no combate ao fogo, a pasta prevê criar, até a 1ª semana de julho, duas bases no Pantanal. Uma será em Corumbá, município com mais focos de incêndio. Neste fim de semana, enquanto a cidade realizava a tradicional festa de São João, uma larga trilha de fogo se alastrava na margem oposta do Rio Paraguai, a poucos quilômetros de distância.

Já a outra base deve ser em Poconé, mas o local ainda está sob análise. As unidades reunirão representantes de Ibama, ICMBio, Forças Armadas e Bombeiros.

Como parte do pacto, governo federal e Estados se comprometem a definir áreas prioritárias para prevenção, manejo e combate ao fogo. Desde a assinatura do compromisso em 5 de junho, houve duas reuniões para dar andamento ao processo, mas essas áreas ainda não foram definidas.

Um ponto que saiu do papel é a suspensão de autorizações de queima durante a seca, o que já foi feito pelo Mato Grosso do Sul, para evitar queimadas descontroladas. União e os Estados que aderiram ao pacto concluirão, até a primeira semana de julho, um plano integrado.

“Ninguém está parado fazendo plano enquanto o fogo está ‘comendo’. Temos equipes nas pontas, estamos aumentando a contratação de brigadistas, comprando equipamentos, fazendo contratação de aeronaves. O que queremos é botar isso em documento único, plano integrado operativo de combate aos incêndios no Pantanal”, afirmou ao Estadão/Broadcast Político o secretário extraordinário de Controle de Desmatamento do ministério, André Lima.

Pela primeira vez a Agência Nacional de Águas declarou situação de escassez hídrica na bacia do Rio Paraguai até 31 de outubro. A estiagem prejudica também o deslocamento pela região, muitas vezes feito pelos cursos d’água.

“Depois (do Pantanal) ainda tem Amazônia onde a situação começa a se agravar a partir de agosto. A ideia é ir contratando, capacitando e colocando na frente de batalha cada vez mais (gente), chegando em outubro e novembro com grau máximo”, disse Lima.

‘Incêndios se espalham de forma avassaladora’

O Pantanal também tem uma queimada subterrânea em curso, o chamado incêndio em “turfa”. Ela é um material orgânico decorrente da decomposição da vegetação e sua queima é de difícil controle por ocorrer sob a terra.

Essa destruição sido agravada pelo aquecimento global e por fenômenos já esperados, como o El Niño - que terminou no meio do ano - e o La Niña - que passa a influenciar o clima a partir de agora. O quadro acende o alerta em pesquisadores. A crise tende a se agravar ainda mais porque várias regiões do bioma ainda guardam cicatrizes da queimada de 2020.

“Estão principalmente queimando as áreas que antigamente eram brejos, áreas alagadas. Essas áreas estão muito vulneráveis e são mais remotas, onde não há estrada e facilidade logística para fazer o combate”, diz o biólogo Fernando Tortato, coordenador de projetos da ONG Panthera.

Segundo ele, houve melhora nas ações preventivas, “mas não são suficientes diante do grande desafio que é o incêndio no Pantanal.” As áreas que eram alagadas e hoje estão secas acumulam grande quantidade de biomassa, potencializando focos de chamas.

Para Figueirôa, diretor do S.O.S Pantanal e especialista em manejo e conservação da fauna, a prevenção deveria ter sido mais intensa. Ele afirma que mais do que responder com rapidez às queimadas, é preciso criar um ambiente prévio de redução de danos.

“Essa necessidade a gente está vendo na prática, com os incêndios se espalhando de forma avassaladora pelo Pantanal”, afirma o biólogo.

Para ele, as autoridades deveriam ter aperfeiçoado o manejo integrado do fogo, abrindo aceiros - faixas de limpeza da vegetação, uma espécie de trincheira rasa, que delimita o alcance do fogo - para dar acesso a brigadistas e evitar a disseminação das chamas.

Outra frente que deveria ter sido priorizada, defende, é a abertura prévia de pontos de captação de água nas áreas mais críticas de combate a incêndio.

A queima controlada no bioma também poderia ter “limpado” a área durante o período úmido para evitar propagação rápida do fogo na seca. “Isso já está sendo falado desde 2020 e parece que não adiantou muito. Não tem funcionado”, acrescenta.

Secretário de controle do desmate do ministério, André Lima afirma que a União fez queimas controladas em regiões estratégicas. Ele cita o exemplo da terra indígena Kadiweu, em Mato Grosso do Sul. Segundo ele, houve aumento de mais de 2000% na área de queima controlada no território.

“De 800 hectares de queima prescrita em 2023, saltamos para 17 mil hectares esse ano. O problema maior está nas áreas privadas, como fazendas, inclusive algumas abandonadas, que não têm apoio para fazer as queimas prescritas. Cerca de 95% dos focos de incêndios estão ocorrendo em áreas de fazendas privadas onde Ibama ou ICMBio não podem fazer queima controlada”, afirma.

Outro aspecto importante para prevenção são campanhas publicitárias sobre os riscos de incêndios. além de ações de educação em escolas, associações comunitárias e visita de agentes que falem sobre o tema com a população.

“Educação ambiental é muito importante para que as pessoas parem de botar fogo. Qualquer um com má intenção, hoje, pode começar um grande fogo no Pantanal”, alerta Figueirôa.

Responsabilidades do Congresso

No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou prazo de 18 meses para que o Congresso elabore uma lei para regulamentar a exploração de recursos no Pantanal. A Corte considerou que o Legislativo tem sido omisso na proteção do bioma.

Presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Pantanal, a deputada Camila Jara (PT-MS) protocolou semana passada um projeto para instituir uma lei federal para o bioma. A expectativa é de que a Câmara vote a urgência do projeto ainda neste semestre, a depender do início do recesso parlamentar da Casa. A proposta pretende delimitar a área pertencente ao Pantanal, abrangendo toda a bacia do Alto Paraguai, a chamada superfície aluvial.

O texto sugere ainda a expansão das área de conservação para 30% por meio da criação de unidades de conservação ou da ampliação da reserva legal. O projeto também quer recuperar até 30% das áreas degradadas até 2030.

“Quando delimita quais são as superfícies aluviais, consegue desenvolver políticas públicas direcionadas para os rios que compõem essa bacia hidrográfica, evitando desvios, evitando que as águas sejam exploradas de maneira indevida, criando políticas públicas específicas para autorizar a exploração naquela região”, explica a deputada.

No caso das queimadas, a parlamentar incluiu na proposta dispositivo que obriga os municípios pantaneiros a terem planos de manejo do fogo, e os Estados desenvolvam sistemas de monitoramento de incêndios, procedimento de alerta à população, entre outros pontos.

A parlamentar faz um “mea culpa” das responsabilidades do Congresso, que, segundo ela, demonstra “falta de compreensão da realidade” ao remanejar recursos do meio ambiente para outras áreas.

“Com eventos climáticos extremos, como o que acontece no Pantanal e como o que ocorreu no Rio Grande do Sul, não precisa de um ministério que execute apenas o básico. Precisa de um ministério que consiga ter pernas de acordo com as urgências que a gente defende”, diz.
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