Economia & Mercados
25/10/2021 08:35

Especial: Mudança no teto amplia gasto de forma permanente, não só em 2022


Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli

Brasília, 24/10/2021 - A mudança do teto de gastos subiu o sarrafo das despesas do governo federal de forma permanente. Ao contrário do que alardeiam os governistas, a revisão da regra fiscal não se restringe a 2022, atinge o coração do teto e será de difícil operacionalização, podendo levar à judicialização do Orçamento.

Técnicos experientes do ministério da Economia, envolvidos na gestão das contas públicas e ouvidos pelo Estadão/Broadcast na condição de anonimato, contestam a tentativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de opor os defensores do teto ao valor de R$ 400 do Auxílio Brasil, decidido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Para esses técnicos, que trabalham no dia a dia da gestão fiscal, o governo não fez o dever de casa para cortar despesas e abrir espaço no Orçamento para um programa social robusto, necessário neste momento. E pior: usou os R$ 400 do Auxílio Brasil de pretexto para expandir o teto de gastos e abrigar outras demandas de lideranças do Centrão, que estariam de fato no comando da agenda econômica. Entre essas demandas estão mais recursos para emendas de relator, dinheiro para obras, incremento do fundo eleitoral e o auxílio diesel para caminhoneiros, no valor de R$ 400. Há pressão política também por reajuste dos servidores, depois de ao menos dois anos de congelamento forçado dos salários - para algumas carreiras, o último aumento foi há quatro anos.

Os técnicos da área econômica se ressentem porque tinham um plano para cortar despesas, como o abono salarial - espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até R$ 2,2 mil e que é considerado uma política ineficiente -, e aumentar as receitas com corte de renúncias tributárias, que foi rejeitado por Bolsonaro e seus aliados do Centrão.

Hoje, o limite de despesas anual do teto de gastos é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. A regra foi construída dessa forma para dar previsibilidade na elaboração da proposta de Orçamento, enviada ao Congresso até 31 de agosto.

A nova regra, negociada pelo governo no afogadilho e sem discussão no Congresso, altera a forma de correção do limite do teto, que passa a ser o IPCA de janeiro a dezembro. Ela foi feita para aumentar o espaço de gastos em 2022, mas terá efeito permanente enquanto durar o teto, até 2036. É diferente da "licença para gastar" que vinha sendo negociada pela equipe de Guedes, que previa uma despesa extra de R$ 30 bilhões apenas em 2022.

Integrante da equipe do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que criou o teto de gastos, o economista Marcos Mendes diz que o governo na época sabia que haveria o problema de descasamento entre o índice de inflação que corrige o teto e o índice até o final do ano, que corrige as despesas como benefícios previdenciários. Se a inflação acelera no fim do ano, isso acaba deixando o teto do ano seguinte mais pressionado com despesas.

Para Mendes, o novo desenho acaba com o descasamento, mas gera um problema muito maior. Quando o governo fizer o Orçamento para enviar ao Congresso, não saberá exatamente qual será o teto de despesas. E a incerteza permanecerá até no momento de aprovação do Orçamento, que ocorre no fim do ano anterior ao de sua vigência - enquanto o resultado do IPCA só é divulgado no início de janeiro do ano seguinte.

"A PEC diz para ajustar no ano seguinte quando tiver o número, mas isso vai dar muita judicialização", prevê Mendes. Ele dá como exemplo os orçamentos do Judiciário e do Ministério Público, que também têm que obedecer a um teto.

Se a inflação ficar menor do que a projetada, terá que ser feito um corte das despesas de um Orçamento já aprovado para se ajustar ao limite do teto. "Obviamente, Judiciário e MP vão judicializar e não vão deixar o orçamento ser cortado", alerta Mendes. Ele vê dificuldades de operacionalização para definir onde cortar as despesas no caso de a inflação ser menor que o estimado.

Contato: adriana.fernandes@estadao.com; idiana.tomazelli@estadao.com
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