Economia & Mercados
19/08/2022 19:33

Especial: pacote anti-inflação nos EUA reverte saída de fundos "green" e deve turbinar emprego


Por Aline Bronzati, correspondente, e Ilana Cardial

Nova York e São Paulo, 17/08/2022 - O Inflation Reduction Act, pacote contra a subida dos preços nos Estados Unidos e que garante investimento histórico na agenda climática, transformado em lei ontem, já começa a atrair recursos para o setor de energia limpa. Enquanto no mercado financeiro fundos de investimento dedicados ao segmento e que somavam resgates antes do projeto ser aprovado mudaram de direção, no front corporativo há a expectativa de novas empresas e centenas de milhares de contratações na esteira dos US$ 369 bilhões que serão dedicados à segurança energética e combate às mudanças climáticas na maior economia do mundo. Por outro lado, setores como os de cuidado à saúde, tecnologia à informação e petróleo e gás tendem a ser impactados negativamente pelo aumento de impostos.

Os investidores já começam a olhar com mais atenção para a agenda verde após o projeto virar lei. Nas duas semanas anteriores ao anúncio do pacote, no dia 27 de julho, os fundos de energia limpa nos EUA estimaram saídas líquidas de US$ 223 milhões, de acordo com a casa de análise norte-americana Morningstar. Do dia seguinte a 10 de agosto, porém, o fluxo se inverteu e os 23 fundos de energia limpa no país atraíram entradas líquidas estimadas em US$ 433,6 milhões. "Desde que o acordo climático foi anunciado, os investidores correram para esse grupo de fundos", diz o diretor de investimentos sustentáveis na Morningstar, Jon Hale.

Uma maior atração de recursos também já foi notada no mercado de ações. O iShares Global Clean Energy ETF ICLN, que compreende investimentos globais em energia limpa, passou de uma saída estimada de US$ 17,6 milhões para uma entrada de US$ 22,3 milhões no período. Por sua vez, o iShares Global Energy ETF IXC, portfólio de ações tradicionais de energia baseadas em combustíveis fósseis, fez o movimento contrário, revertendo entradas estimadas em US$ 9,6 milhões para uma saída de US$ 75,9 milhões.

"O anúncio também impulsionou o desempenho dos fundos de energia renovável", afirma Hale, da Morningstar. Nas duas semanas anteriores, os fundos de energia limpa já estavam em alta, acompanhando o desempenho do mercado de ações em julho, com um retorno médio de 5,4%. Desde o anúncio do pacote, entre os dias 28 de julho a 10 de agosto, porém, a rentabilidade média avançou para 13,7%.

Oportunidades no mundo corporativo

No front corporativo, o investimento bilionário em energia limpa deve impulsionar o número de empresas e de contratações no setor. Estimativas iniciais apontam para a possibilidade da criação de 300 a 1000 novas companhias voltadas ao segmento nos Estados Unidos. "Após meses de negociação, o Inflation Reduction Act agora é lei, e os Estados Unidos estão no caminho de se tornar o líder mundial inequívoco em energia limpa", diz a presidente da Associação das Indústrias de Energia Solar (SEIA, na sigla em inglês) do país, Abigail Ross Hopper.

De acordo com ela, a lei representa um impulso para investimentos de longo prazo em energia limpa e armazenamento de energia, e ainda a contratação de centenas de milhares de novos trabalhadores. "Esses investimentos são uma oportunidade única para impulsionar nosso futuro de energia limpa e ajudar a indústria a avançar de 4% da geração de eletricidade dos EUA hoje para a meta de 30% até 2030", prevê Hopper.

A avaliação segue em linha com o mantra do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden: "Quando penso em clima, penso em empregos".

Para o sócio do escritório de advocacia norte-americano Hughes Hubbard & Reed LLP, Carlos Lobo, o pacote contra a inflação nos EUA será um importante impulsionador para os negócios de energia renovável, com a atração de recursos para o segmento e ainda um motor de fusões e aquisições (M&As, na sigla em inglês). "O viés de energia renovável no projeto é muito grande e deve atrair recursos e turbinar o movimento de M&As porque os players deste setor vão se beneficiar dele", afirma, em entrevista ao Broadcast.

Através dos créditos fiscais, um maior investimento direto em projetos de energia limpa deve ser estimulado também em todo o setor de energia pública, na visão da Fitch Ratings. Apesar de os sistemas públicos nos EUA adicionarem novos projetos de energia renovável continuamente, a energia em si costuma ser comprada de desenvolvedores privados. Com a nova lei, a agência de risco nota a possibilidade de reverter tal tendência. Com gargalos de oferta e pressões inflacionárias no curto prazo, é provável que entregas de painéis solares e turbinas eólicas sejam atrasadas, mas com o tempo, as condições devem melhorar e metas mais rigorosas serão atingidas, afirma.

A vez dos veículos elétricos

Um dos destaques da medida é o crédito fiscal para compra de veículos elétricos (VEs) elegíveis - US$ 7,5 mil por um novo e US$ 4 mil pelo usado - e crédito para produção de novos veículos comerciais de energia limpa a empresas. Os incentivos, "sem dúvida", aumentarão a adoção desses automóveis pelos consumidores, diz o vice-presidente sênior de pesquisa de metais energéticos da Rystad Energy, James Ley. A projeção da empresa norueguesa sobre a venda de VEs nos EUA salta de 3,4 milhões em 2030 no cenário base para cerca de 8 milhões, no cenário mais ambicioso, com a nova lei.

A Rystad Energy ressalta que o pacote eliminaria também o teto de crédito de fabricantes de veículos elétricos, um movimento que beneficiaria massivamente as montadoras que já esgotaram os seus - como Tesla, General Motors e Toyota. Para serem elegíveis, porém, as companhias terão que se adequar a uma série de regulações. O Departamento de Energia (DoE, na sigla em inglês) publicou uma lista com modelos que tendem a ser elegíveis - além das três mencionadas, são citadas Volvo, BMW e Ford, por exemplo. "Os requisitos do novo projeto de lei mostram novamente a determinação dos EUA de reduzir a dependência de sua cadeia de suprimentos de baterias da China", comenta a analista Susan Zou.

Na outra ponta

Para alcançar a receita visada em US$ 700 bilhões nos próximos dez anos, a lei impõe uma taxa mínima de 15% sobre grandes empresas norte-americanas e de 1% sobre recompra de ações. Os setores mais afetados por tais medidas devem ser os de cuidado à saúde e tecnologia de informação, diz o economista-chefe do Julius Baer, David Kohl, ao Broadcast.

"O projeto visa grandes corporações multinacionais que, de outra forma, pagariam pouco ou nenhum imposto em anos de imensa lucratividade nas demonstrações financeiras", destaca a Moody's, em nota a clientes. "Esse imposto elimina efetivamente uma parte substancial dos benefícios de impostos diferidos e perdas operacionais líquidas para empresas que têm uma receita consistente antes de impostos de US$ 1 bilhão".

Para a agência de classificação de risco, indústrias com diferenças significativas entre o lucro contábil e o lucro fiscal serão as mais afetadas. Nesta lista, estão, afirma, "especialmente petróleo e gás (15% de aumento médio na alíquota de imposto em dinheiro para emissores afetados) e empresas nos subsetores de tecnologia de software e semicondutores (aumento médio de 5%)".

Contato: aline.bronzati@estadao.com; ilana.cardial@estadao.com
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