Economia & Mercados
06/05/2022 17:49

Entrevista/DB/Matthew Luzetti: Para baixar inflação, será inevitável Fed levar EUA à recessão


Por Ricardo Leopoldo

São Paulo, 06/05/2022 - Para baixar a alta inflação nos EUA a fim de levá-la à meta de 2% e não perder o controle das expectativas dos agentes econômicos, o ciclo de aperto monetário que o Federal Reserve (Fed) deverá adotar será tão robusto que será inevitável o país entrar em recessão ao final de 2023, comentou em entrevista exclusiva ao Broadcast Matthew Luzzetti, economista-chefe para os Estados Unidos do Deutsche Bank. Neste contexto, ele acredita que o núcleo do índice de preços de gastos ao consumidor, PCE na sigla em inglês, atingirá 4,5% ao final deste ano e somente voltará à meta em 2025.

“No curto prazo, foi tirado do foco o aumento de 0,75 ponto porcentual dos juros. O FOMC intensificou o compromisso no combate à inflação, mesmo que isso signifique causar uma recessão”, destacou Luzzetti, referindo-se ao Comitê Federal de Mercado Aberto. Ele estima que a contração “leve” do produto interno bruto americano durará até o fim do primeiro trimestre de 2024. Desta forma, o PIB do país desacelerará de 2,0% neste ano para 0,7% em 2023 e voltará a expandir, pois alcançará 1,7% no ano seguinte. Porém, este movimento de redução da velocidade do crescimento induzida pelo Fed com as taxas de juros deverá aumentar a taxa de desemprego de pouco menos de 3,5% em dezembro deste ano para 5,1% no primeiro semestre de 2024.

O economista apontou que o novo forward guidance comunicado pelo Fed ao mercado é a alta de juros de 0,50 ponto porcentual nas próximas duas reuniões do banco central americano, como foi ressaltado pelo seu presidente, Jerome Powell, três vezes em entrevista coletiva na quarta-feira, 4. Luzzetti estima que a taxa de juro nominal neutra seja de 3,5% ao ano, que deverá ser aumentada pelo Fed até meados de 2023. Contudo, se o banco central americano verificar que as condições financeiras no país não ficaram apertadas, a inflação não está caindo e as expectativas dos índices de preços saíram do controle, aumentarão os riscos de uma alta de 0,75 ponto porcentual dos juros em algum momento ainda em 2022. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Foto:Divulgação/DB

Broadcast: O novo forward guidance adotado pelo Federal Reserve é deixar claro que subirá os juros 0,50 ponto porcentual em cada uma das suas duas próximas reuniões?

Matthew Luzzetti:
Parece que sim, por enquanto. Essa foi a mensagem de Jerome Powell ao destacar algumas vezes na quarta-feira que está na mesa do Fed a elevação de juros de 0,50 ponto porcentual nas próximas duas reuniões. A partir daí, a reação da política monetária do Federal Reserve ocorrerá de acordo com os dados econômicos. Dependerá de vermos ou não as pressões inflacionárias se dissipando. Se elas baixarem, as taxas provavelmente poderão aumentar em um ritmo um pouco mais lento, de 0,25 ponto porcentual a cada reunião. Mas se os índices de preços não se reduzirem, com piora das expectativas de inflação, acredito que a alta de 0,75 ponto porcentual estará na mesa dos encontros seguintes do FOMC.

Broadcast:A inflação nos EUA deverá cair ou subir depois de julho?

Luzzetti:
Acreditamos que a inflação nos próximos meses se manterá em torno das leituras recentes, que estão abaixo do ritmo muito forte que vimos até o começo deste ano. Mas ela não está nem perto do que o Fed precisa para voltar para a meta de 2,0% ao ano. Os riscos são de que as expectativas de inflação não fiquem sob controle, inclusive em um ambiente no qual as condições financeiras não estarem apertando como o Fed quer.

Broadcast: Quais seriam os fatores que podem elevar ainda mais a inflação nos EUA no curto prazo?

Luzzetti:
Um dos mais importantes é a ruptura nas cadeias internacionais de produção, inclusive agora com mais fechamentos em pontos da economia da China para combater a expansão do coronavírus no país. Além disso, a invasão da Ucrânia pela Rússia piorou também os preços de commodities com impactos para a inflação. Do lado dos serviços, há também pressões do mercado de trabalho doméstico. [A taxa de desemprego de abril atingiu 3,6%]. Precisamos avaliar quanto mais aumentará a pressão salarial e a participação na força de trabalho. Mas a maior parte da inflação vem do exterior.

Broadcast: Qual foi a principal mensagem que Jerome Powell passou na entrevista coletiva da quarta-feira?

Luzzetti:
No curto prazo, foi tirado do foco o aumento de 0,75 ponto porcentual dos juros. O FOMC intensificou o compromisso no combate à inflação, mesmo que isso signifique causar uma recessão. Acredito que Powell está sendo realista sobre os desafios que o Fed enfrenta para gerar um pouso suave da economia na atual conjuntura e ninguém pensa que será fácil. Ele disse que há um caminho plausível para chegar lá. Contudo, na nossa avaliação, a inflação está tão longe da meta que a única maneira de reduzi-la é através de uma recessão. No nosso cenário base, ela deve ocorrer no final do próximo ano e se estenderá até o encerramento do primeiro trimestre de 2024. O presidente Powell está mantendo um tom otimista, mas ele e os outros dirigentes do Fed têm sido bastante abertos sobre os desafios que enfrentarão.

Houve uma evolução na linguagem do Federal Reserve sobre este assunto. Inicialmente expressou que era apenas necessário apertar um pouco as condições financeiras dado que a política monetária estava bem acomodatícia. Depois manifestou que a alta dos preços deixou de ser temporária e agora apontou que é preciso voltar à taxa de juro neutro para decidir depois como continuarão a agir no combate à inflação. Acredito que os dirigentes do Fed estão muito mais receptivos sobre a noção de que eles precisam chegar a uma postura restritiva da política monetária e nossa opinião é que eles absolutamente precisam chegar a ela. Isto significa que, para baixar a inflação, o crescimento será mais lento e o mercado de trabalho terá que se afrouxar. Seria muito surpreendente se o presidente do Fed dissesse depois que os juros subiram 0,50 ponto porcentual que veremos uma recessão em pouco tempo.

Broadcast: Qual é a taxa de juro nominal que o Fed acredita que é o nível neutro e qual é a sua estimativa sobre ela?

Luzzetti:
Este se tornou um debate confuso. Muitas vezes pensamos a taxa neutra em termos reais e não em nominais. Muitos economistas têm uma visão de que em termos reais ela está provavelmente entre zero e 0,5%. Powell ampliou essa avaliação, basicamente ao dizer que está entre zero e 1%. Mas a questão é saber quanto é em termos nominais no contexto de inflação bem acima da meta. Vários dirigentes do Fed acreditam que no longo prazo cerca de 2,5% está bem perto do neutro. Mas se chegarmos a 2,5% até o final deste ano, a taxa real dos juros ainda estará muito negativa dado o patamar dos índices de preços. Acredito que o Federal Reserve precisaria de taxa nominal pouco acima da inflação, um número superior ao que o Fed tem comunicado, que seria provavelmente acima de 3,5% no final deste ano. No entanto, acreditamos que até dezembro os juros nominais atingirão 2,6% e alcançarão 3,5% em meados de 2023. Esperamos que os juros subirão 0,50 ponto porcentual nas próximas duas reuniões e em seguida o aumento será de 0,25 ponto porcentual por reunião, inclusive mantendo este ritmo no primeiro semestre do próximo ano.

Broadcast: Os EUA enfrentarão uma recessão suave?

Luzzetti:
Sim, pois os balanços patrimoniais das empresas e das famílias no país estão em boa forma, sem muita alavancagem de dívidas. E desta forma veremos que a taxa de desemprego deverá subir ao longo do tempo. Ela ficará pouco inferior a 3,5% ao final deste ano, mas com a desaceleração da economia motivada pela política monetária deverá alcançar 4,4% no encerramento de 2023 e subirá para 5,1% no primeiro semestre de 2024. Do ponto de vista histórico, será uma recessão leve, mas não gerará a mesma percepção aos consumidores.

Broadcast: Se a guerra no leste europeu piorar no curto prazo aumentarão as pressões de alta da inflação e qual seria a resposta mais provável do Federal Reserve na condução da política monetária?

Luzzetti:
Neste cenário, os preços das commodities subirão. A inflação de alimentos e energia nos EUA pode aumentar significativamente. Powell destacou que está com maior foco nas implicações da subida dos índices de preços do que no crescimento no curto prazo. A invasão da Ucrânia pela Rússia gerou mais inflação e tornou o Fed mais agressivo. Com uma intensificação da guerra, o Fed poderá manter esta postura e sua resposta será mais hawkish.

Broadcast: Como a inflação corrente está muito alta, Powell está com uma grande preocupação em não perder o controle das expectativas de inflação...

Luzzetti:
Correto. A manutenção das expectativas de inflação é uma âncora muito importante, mas não é suficiente para evitar que o Fed fique ainda mais hawkish. Será preciso também os dirigentes do banco central dos EUA observarem a inflação em queda, o mercado de trabalho com um melhor equilíbrio para não continuar aumentando os juros em 0,50 ponto porcentual depois da reunião de julho.

Broadcast: Economistas nos EUA ficaram preocupados que os mercados tiveram uma reação otimista na quarta-feira com o comentário de Powell de que a alta de 0,75 ponto porcentual dos juros está fora da mesa nas próximas duas reuniões. Se tal percepção for na direção oposta ao aperto das condições financeiras esperadas pelo Fed, Jerome Powell poderá tornar seu discurso mais duro para mudar este quadro?

Luzzetti:
Eu não daria muita ênfase à reação dos mercados em um dia específico, mas é claro que o Fed precisa que as condições financeiras fiquem mais apertadas. Por outro lado, se estas condições melhorarem de forma sustentada, o Fed terá que ser mais agressivo tanto no discurso quanto na ação. A mudança do discurso será a primeira parte para ver se funciona. Mas se não for o bastante, então a ação do Fed ficará mais firme e subirão os riscos de que poderá elevar os juros em 0,75 ponto porcentual em algum momento.

Broadcast: Como o senhor vê a trajetória do crescimento e da inflação medida pelo núcleo do PCE, o índice de preços ao consumidor, no horizonte relevante da política monetária?

Luzzetti:
O PIB dos EUA deve desacelerar e subir 2,0% neste ano, baixará e terá uma expansão de 0,7% em 2023 para voltar a crescer 1,7% em 2024. No caso do núcleo do PCE, atingirá 4,5% ao final deste ano, cairá para 2,9% em 2023 e chegará a 2,2% em 2024.

Broadcast: O núcleo do PCE somente atingirá a meta de 2,0% em 2025?

Luzetti:
Exato, nossa previsão é chegar a 2,0% em 2025. A inflação não voltará à meta antes daquele ano, a menos que ocorra uma recuperação notável do lado da oferta, mas não é o mais provável.

Contato: ricardo.leopoldo@estadao.com
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