Economia & Mercados
05/08/2022 11:58

Entrevista/ABCripto/Srur: Brasil não deve perder "timing" em criar regras ao setor cripto


Por Cynthia Decloedt

São Paulo, 02/08/2022 - A defesa pela aprovação do projeto de lei que cria regras básicas para operação das corretoras de criptoativos é uma das principais bandeiras da ABCripto neste momento. Em conversa com o Broadcast, o presidente da associação que representa as empresas que atuam nesse mercado, Bernardo Srur, disse que o Brasil não pode perder a oportunidade de estabelecer as bases desse mercado agora para avançar junto com as autoridades de outros países nas diversas discussões do ecossistema cripto que vão além das condições mínimas de operação. "Não podemos perder o timing do mundo, está se aperfeiçoando e não podemos perder o ritmo da inovação. Os melhores casos de tokenização de ativos são brasileiros, os pioneiros, os casos que deram certo, como a tokenização de precatórios e de recebíveis", disse ele.

Srur lembrou ainda que, para o Brasil ser um país-membro da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deve estar alinhado com o Grupo de Ação Financeira, órgão intergovernamental criado em 1989 pelo G-7 para prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (Gafi). "O mercado brasileiro de criptoativos cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos, em 700%, o internacional, em 1.200%, e o que difere um mercado do outro é o desenvolvimento de leis e regras sobre o tema e o aumento de segurança nesses países", afirma.

O projeto de lei 3.825/2019 que regula a atuação das exchanges - como são chamadas as plataformas de negociação de criptomoedas - está à espera de aprovação na Câmara dos Deputados, depois de ter sido aprovado pelo Senado em abril.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Broadcast: Qual é a defesa da ABCripto em relação à urgência para aprovação da lei para o mercado de criptomoedas, uma vez que outros temas, de caráter macroeconômico, estão ocupando a agenda do Congresso?
Bernardo Srur:
Este é um ano de muitos desafios macroeconômicos e geopolíticos, um debate polarizado nas eleições no Brasil e ainda fecharemos com a Copa do Mundo, mas a urgência é porque temos como um dos grandes pontos de entrada na OCDE, o que tem importância econômica e política, justamente o Brasil estar alinhado com o Gafi. Isso por si só já traz um benefício para a sociedade. O mercado brasileiro [cripto] cresceu de forma exponencial nos últimos dois anos, em 700%, e o internacional cresceu 1.200%, e o que difere um mercado do outro é o desenvolvimento de leis e regras sobre o tema e o aumento de segurança nesses países, que destravaram os investimentos. Uma situação que pode trazer investimento e desenvolvimento ao Brasil também. Outro ponto é que tem aumentando o número de notícias sobre lavagem de dinheiro e lesão de consumidores, afetando os bons players. A segurança jurídica vai trazer clareza maior para as ações dos participantes desse mercado e permitir que, em um curto prazo, quando o órgão regulador colocar suas regras, as empresas estejam preparadas para o custo de observância. Não podemos perder o timing do mundo, está se aperfeiçoando e não podemos perder o ritmo de inovação, senão vamos continuar a crescer a taxas mais baixas do que o resto do mundo. Os melhores casos de tokenização de ativos são brasileiros, os pioneiros, os casos que deram certo, como a tokenização de precatórios e de recebíveis. Temos grandes instituições entrando no mercado de tokenização. Mas estamos deixando de discutir inovação, estamos discutindo lavagem de dinheiro e proteção ao consumidor porque não temos regras básicas.

Broadcast: O mercado de criptoativos é um grande veículo para lavagem de dinheiro?
Srur:
Não. A estatística recente mostra que 90% das operações de lavagem de dinheiro ocorrem com dinheiro físico e uma pequena parte por meio de critpo. Apenas 0,14%, é um porcentual baixo e possível de ser combatido com regras e responsabilização dos envolvidos. Isso passa pela educação e temos [na ABCripto] um código de autorregulação desde 2020, de prevenção à lavagem de dinheiro, que os associados assinam e está previsto um processo de supervisão. Isso já passa pelo setor privado e é preciso que passe também pelo setor público. Os associados da ABCripto já reportam suas atividades, mas achamos que todos que operam no mercado nacional precisam reportar atividades suspeitas. É preciso coibir. É 0,14%, mas são cifras grandes e acontecem em grupos específicos. Por isso é importante integrar todas as empresas no combate à lavagem de dinheiro. O cripto tem rastreabilidade, é um ativo seguro, mas precisamos trazer a segurança jurídica para os que operam.

Broadcast: Qual sua avaliação do Projeto de Lei Cripto?
Srur:
A Câmara chegou a um texto final de forma equilibrada e positiva, definindo regras de supervisão do mercado e lavagem de dinheiro. No Senado, o projeto de lei é aprimorado, incluindo a segregação patrimonial e transição. A regra de transição é uma regra mínima até que haja indicação pelo executivo do órgão supervisor e regulador - tudo indica que será o Banco Central - exigindo que, para operar no Brasil, tenha algum representante no País, reporte operações suspeitas ao Coaf e cumpra as regras de leis de proteção ao consumidor e as regras tributárias, como o normativo 1888 da Receita Federal. Um pacote mínimo para a constituição de empresas até que o órgão regulador estabeleça critérios mais profundos. Ao voltar para a Câmara, boa parte do texto é mantido, só que a as regras de transição e segregação patrimonial são destacados. Então entendemos que é muito equilibrado e traz segurança, principalmente o vindo do Senado, é um texto de nota quase 10 e muito bem estudado e elaborado. Entendemos que a retirada da regra de transição e de segregação foram um equívoco, mas acreditamos que os legisladores voltarão atrás por meio de relatório final ou destaques. Entendemos que temos oportunidade única com esse projeto de lei.

Broadcast: Por que não poderiam ser retirados?
Srur:
São dois pontos muitos importantes nesse projeto de lei porque oferecem segurança jurídica. A regra de transição deixando claro as responsabilidades e a de segregação patrimonial, limitando o uso dos recursos dos clientes. Essa regra de segregação patrimonial foi largamente utilizada com bom resultado em outros mercados, como o imobiliário e, no mercado financeiro, na criação dos bancos digitais. É uma regra importante e vai ser um dos pilares para o desenvolvimento do mercado.

Broadcast: O senhor tem expectativa de que as regras voltem a fazer parte do PL?
Srur:
Sim, de alguma forma, por meio do relator ou de destaques. O próprio presidente da Câmara definiu que o PL seja aprovado o mais rápido possível, especialmente diante das últimas notícias sobre lavagem de dinheiro, que envolveram algumas corretoras do nosso mercado. Se a empresa não tem um registro no Coaf, como o previsto nas regras de transição, como o órgão de inteligência vai ter conhecimento de uma atividade atípica? Acreditamos que a imposição dessa regra traz mais segurança no combate a lavagem de dinheiro e proteção ao consumidor porque se a empresa não está constituída no Brasil, mas prestando serviço ao brasileiro, o consumidor não tem a quem recorrer.

Broadcast: como a ABCripto está atuando para pressionar pela inclusão dos itens retirados e da aprovação do PL?
Srur:
Publicamente, no nosso site e nas redes sociais, temos posição bem clara sobre a necessidade do PL. Discutimos há anos com o mercado sobre regras equilibradas. É necessário que exista a regra e o quanto antes conseguirmos votar e aprovar, mais rápido sairemos na frente. Há uma série de empresas que estão esperando o PL para investir.

Broadcast: Por que foram retirados?
Srur:
Faz parte do jogo democrático a discussão de vários temas e posições. Existem posições diferentes e uma tentativa de conseguir acolher todos no mesmo ponto e chegar a um denominador comum. Nossa visão na associação é bem clara, de que são pontos que não podemos abrir mão. Mas existe um grande problema operacional e orçamentário e faz parte da discussão acomodar interesses públicos com os privados. Entendo que precisamos puxar a corda nesse momento. Temos uma questão no Brasil de que precisamos nos livrar o mais rápido possível e deixar claro que as empresas cooperam na lavagem de dinheiro e que o braço da lei o fará caso elas não façam.

Broadcast: Qual é a argumentação de quem defende a retirada dos destaques de regra de transição e segregação patrimonial?
Srur:
Assuntos técnicos, como o tempo de abertura de constituição de empresas, registro no Coaf, isso traria um custo de observância que algumas dessas empresas não tem. A discussão de negócios está ligada ao mercado globalizado, de que outros países não praticam essa estrutura de constituição de empresa. Mas o fato é que registro no Coaf pode ser feito de forma muito rápida, o avanço tecnológico do Brasil trouxe isso, especialmente em razão da pandemia. Em relação ao modo de trabalho, se percebe que todos os países estão buscando criar uma legislação e regras para trazer segurança ao seu país e nenhuma delas foge desse modelo, passa pela criação de licenças, inclusive o Brasil está seguindo a recomendação do Gafi, estamos em linha com a OCDE. Neste contexto, esses argumentos não são fortes o suficiente para que sejam retirados esses pontos do projeto de lei.

Contato: cynthia.decloedt@estadao.com
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