Economia & Mercados
15/10/2020 16:39

JPMorgan busca combater imagem de 'lobo de Wall Street' do mercado para atrair mulheres


Por Thaís Barcellos e Aline Bronzati

São Paulo, 15/10/2020 - Um exército de mulheres em diferentes posições do JPMorgan tem se engajado para diminuir a desigualdade de gênero do maior banco americano na matriz do Brasil, país que ainda está passos atrás no contexto internacional quando o assunto é diversidade. Os desafios ultrapassam a Avenida Faria Lima, reduto do mercado financeiro no País, e incluem combater a imagem do 'Lobo de Wall Street', que afasta jovens do setor. Outro objetivo é ampliar a lupa dos processos seletivos que, ao tradicionalmente priorizarem homens brancos, limitam a procura de profissionais a um quarto da sociedade brasileira.

Mulheres são mais de 50% da população brasileira, segundo o IBGE, assim como pretos e pardos. "No mercado financeiro, há ampla maioria de participação de homens brancos. Então, claramente se está limitando as escolhas a uma parte muito pequena da sociedade", atenta a economista-chefe do JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, em entrevista ao Broadcast. "Talento não é correlacionado a gênero ou a cor da pessoa".

Líder do Women on the Move (WOTM) no País, grupo de trabalho criado para combater a desigualdade de gênero no maior banco dos Estados Unidos - e no mercado -, ela chama a atenção para a importância de ampliar o debate para além dos corredores da instituição, como uma forma justamente de torná-los mais plurais. "Os desafios externos são maiores. Precisamos desmistificar para os jovens que o mercado financeiro não é só para homens... Desmistificar a imagem do 'Lobo de Wall Street', que é um símbolo, mas o mercado financeiro não é aquilo", afirma, referindo-se ao filme americano, inspirado na história de Jordan Belfort, corretor da bolsa de Nova York.

À frente da iniciativa do JPMorgan no Brasil desde maio, Fernandez admite que foi percebendo a importância do apoio a outras mulheres na medida em que foi alçando patamares mais elevados na hierarquia do banco. Foram várias as reuniões - e também os happy hours - em que era a única representante do universo feminino. "Quando comentários mais machistas ocorriam, sentia todos olhares se voltando para mim com a sinalização de que 'tem algo diferente, temos uma mulher aqui'... Se você não frequenta esses ambientes para conhecer e ser conhecida, essas mesmas pessoas não lembram de ti quando as oportunidades surgem", admite.

Fernandez diz que nunca se sentiu prejudicada na progressão de sua carreira por ser mulher e que seu foco agora é aumentar a interação com os outros grupos de diversidade do banco. O passo inicial já foi dado: a criação do primeiro programa de trainee do JPMorgan no Brasil, com dez vagas exclusivas para jovens negros, sendo 70% mulheres, chamado de 'Black Future Leaders'. "É o primeiro programa de trainee do banco no Brasil (o americano opera por aqui há 50 anos). O JPMorgan já vem nessa tentativa de aumentar a participação de jovens negros em programas de estágio, mas percebemos que não conseguimos aumentar na mesma velocidade a efetivação desses estagiários."

A economista explica que o processo seletivo começou em julho, antes mesmo do lançamento do programa da Magazine Luiza para selecionar somente jovens negros, provocado pelo debate global sobre racismo na organização - recentemente, o banco anunciou US$ 30 bilhões para combatê-lo. Se nos Estados Unidos, o motor foi a morte de George Floyd, o que provocou uma onda de protestos no país, por aqui, o empurrão veio da percepção de que o banco estava perdendo estagiárias talentosas para a concorrência. Uma foi para o Bank of America (BofA), outra para o Goldman Sachs e, nessa toada, a lista só cresceria.

A seleção ocorreu quase toda de forma interna, recrutando jovens no término do estágio ou que deixaram o JPMorgan em até um ano. Para a última vaga, porém, a escolha foi aberta para além daqueles com relação com o banco e está para ser concluída após atrair mais de uma centena de interessadas. O programa de trainee do JPMorgan começará em janeiro de 2021 e terá duração de dois anos. Neste período, as jovens farão rodízios em três áreas diferentes, com mentoria dos principais líderes do banco.

Estrada longa

Ainda que reconheça conquistas, a economista-chefe do JPMorgan admite que o caminho para que mulheres estejam em um patamar menos desigual perante os pares masculinos ainda é longo. Ela lembra, por exemplo, que Jane Fraser se tornou a primeira mulher no comando de um grande banco americano, o Citibank, há apenas um mês.

Criado em 2012 para promover o crescimento e retenção de mulheres em todos os níveis do JPMorgan, além de mirar ser o melhor banco para as empresas com liderança feminina ou, no caso dos EUA, para as clientes do varejo, o WOTM tem rendido bons frutos. Das 25 mulheres eleitas como mais poderosas do sistema bancário nos EUA pela American Banker, cinco são do JP, incluindo Thasunda Ducket, líder da área de varejo do JPMorgan Chase, e recentemente nomeada como primeira mulher negra no comitê operacional da organização.

No Brasil, o WOTM chegou em 2014 e a matriz ainda está um passo atrás nessa agenda em relação à sede, mas mesmo assim as lideranças femininas vêm crescendo nas mais diversas áreas, como a jurídica, de treasury services, de risco e de renda fixa.

De estagiária na tesouraria a líder de renda fixa do JPMorgan no Brasil, Lucianna de Lorenzo percebe grandes avanços nos últimos 19 anos. Mas, para além do processo seletivo diverso e de desmistificar o mercado financeiro para as jovens, destaca a importância de atrair os engravatados. Para tal, um projeto fundamental, afirma, foi o "Man as alie", que trouxe os homens para a discussão: não só para ouvir, mas para serem ouvidos. "Afinal, nos comitês executivos, ainda há mais homens, que agora podem levantar essa bandeira das mulheres", justifica Lorenzo.

Nesse ponto, Eliza Ogawa, líder da área de crédito do JPMorgan no Brasil, destaca que os treinamentos sobre viés inconsciente, que é a propensão a escolher pessoas que são mais parecidas ou têm trajetórias similares com a de quem está no poder da escolha, deram resultado. Permitiram que seleções ou avaliações de desempenho fossem pautadas, de fato, por mérito e não por gênero.

"Este tipo de intervenção faz com que os líderes aprofundem sua conscientização, o autoconhecimento e desenvolvam técnicas para evitar estas armadilhas de viés inconsciente nas tomadas de decisão", diz Ogawa, que admite que foi tratada de maneira diferente em alguns episódios ao longo da carreira por ser mulher, a maioria de forma sutil e difícil de perceber "sem um olhar mais crítico".

Mas até mesmo a pura e simples meritocracia deve ser debatida - e, principalmente, nas áreas de recursos humanos, acrescenta a economista-chefe do JPMorgan, quando o assunto é a busca por igualdade. "Se eu comparar dois jovens de 20 anos, um que só precisou gastar seu tempo estudando, fez cursos lá fora, e outro que não teve as mesmas oportunidades, se esse segundo jovem conseguir ter a mesma produção, provavelmente, tem um potencial muito maior", raciocina. "É uma meritocracia ao contrário".

Contato: thais.barcellos@estadao.com e aline.bronzati@estadao.com
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