Economia & Mercados
15/10/2020 14:54

Exclusivo: Emissores brasileiros avançam em questões ESG, mas falta ação assertiva do governo


Por Thaís Barcellos e Aline Bronzati

São Paulo, 15/10/2020 - Enquanto o mercado dos chamados bônus verdes, emissões de dívidas corporativas que levam à risca critérios sustentáveis, batem recorde no mundo, no Brasil o tema ganha cada vez mais relevância por parte das empresas. Mas com a gestão polêmica do governo Jair Bolsonaro, principalmente em relação à 'letra E' da sigla em inglês ESG - meio ambiente, social e governança -, o País não tem sido muito bem-visto por investidores estrangeiros, que passaram a olhar, sobretudo em meio à pandemia do novo coronavírus, com mais atenção para essa agenda.

"As empresas estão fazendo sua parte, estão cada vez mais focadas. É muito importante que o governo tome medidas mais assertivas em relação à política ambiental. Há uma disparidade muito grande com as gestões de outros países", diz a líder de renda fixa do americano JPMorgan no Brasil, Lucianna de Lorenzo, em entrevista ao Broadcast.

Mesmo que passos atrás do cenário internacional, a agenda ESG tem se tornado prioridade no setor privado do Brasil. Sem abrir detalhes de futuras emissões, a executiva diz que as empresas brasileiras têm avançado no tema de sustentabilidade e que embora o último trimestre seja mais morno, ainda há espaço para novas emissões, sobretudo no exterior.

O mercado de bônus com critérios ESG já soma US$ 287,081 bilhões em emissões em 2020, superando todo o volume financeiro do ano passado, de US$ 283,541 bilhões. A parcela de títulos vinculados a projetos de sustentabilidade social, por sua vez, cresceu de 5,8% para 25,1%, para mais de US$ 72 bilhões.

A pegada verde no mercado de dívida teve início na Europa, avançou para os Estados Unidos, onde é crescente, e agora começa a se sobressair em outras regiões. "Em 2015, não houve nem US$ 50 bilhões em emissões ESG. Se voltarmos a 2013, é praticamente zero. Podemos falar que é um mercado que se criou ao longo dos últimos 10 anos", afirma Lorenzo.

Neste ano, a tendência que veio para ficar ganhou empurrão adicional com a pandemia do novo coronavírus. Estudo do HSBC, com sede em Londres, mostra que 30% dos investidores reconheceram a importância dessa agenda em meio ao chacoalhão da covid-19. Entre empresas emissoras, essa fatia chega a 41%.

De acordo com Lorenzo, do JPMorgan, as emissões cresceram principalmente em papéis vinculados a projetos de sustentabilidade social. Além do recorde em volume financeiro, outro termômetro que mostra o crescimento do apetite de empresas e investidores no mercado de dívida ESG, diz, é a diversificação de instrumentos.

Hoje, já são cinco títulos disponíveis no mercado: green bonds, em que os recursos são aplicados para projetos de "verdes"; social bonds, com foco social; sustainability bonds, que une projetos verdes e sociais; transition bonds; em que o capital é usado para financiar a transição da empresa para uma ação com menos impacto ambiental; além do chamado sustainability linked bonds. Neste último, os recursos captados não são carimbados para ações "verdes" ou sustentáveis em geral, mas a empresa precisa cumprir metas de sustentabilidade - e tal obrigação se estende aos investidores.

Responsável diretamente, junto com o time global do JPMorgan de ESG bonds, pela estruturação da segunda emissão de sustainability linked bond do mundo, feita pela Suzano e concluída em setembro, Lorenzo diz ainda que mesmo os investidores não-dedicados à pauta têm exigido algum comprometimento com ações sustentáveis. A primeira emissão, da italiana Enel, também contou com a participação do JPMorgan. "Em todo o road show hoje é necessário uma página de ESG, independentemente se é uma oferta de ESG bonds ou de regular bonds", observa.

A dificuldade de comparabilidade entre as informações publicadas pelas empresas desafia a análise dos emissores sustentáveis, mostra pesquisa do HSBC. Metade de um grupo de 1.000 investidores entrevistados em 15 mercados, incluindo o Brasil, reconhece a falta de padrões comuns como o maior obstáculo para o crescimento da pauta ESG.

Nesse sentido, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), que tem sede em Basileia, na Suíça, sugeriu a criação de 'ratings verdes' para separar as empresas que estão realmente comprometidas, além de uma sinalização útil aos investidores que, por sua vez, poderiam cobrar mais dos emissores. No entendimento do Banco Central dos bancos centrais, aqueles que investem nos chamados bônus verdes precisam entender claramente o que um título com tal rótulo pode ou não entregar.

Contato: thais.barcellos@estadao.com e aline.bronzati@estadao.com
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